Sinal e Ruído
A relação sinal-ruído ou SNR na sua sigla em inglês (de “signal-to-noise ratio”), segundo a Enciclopédia Universal, é uma medida para comparar o nível de um sinal desejado com o nível do ruído de fundo. Quanto maior for esta relação, menor é o efeito do ruído sobre a detecção ou medição do sinal. Pensando em termos de música, por exemplo: se você for dedilhar as cordas de um violão ou bater nas teclas de um piano de maneira desordenada e sem ritmo, você só produzirá ruído. Por outro lado, se você tocar estes instrumentos obedecendo a uma sequência lógica de acordes, uma harmonia adequada e um ritmo coerente, você produzirá uma música inteligível, por mais que vez ou outra esbarre em uma tecla errada ou em uma corda solta. O sinal (música) é maior que o ruído (erros de execução). Portanto, trocando em miúdos, sinal é informação, ruído é barulho. Sinal é útil, ruído atrapalha. E a interpretação errada desta relação pode ter consequências graves.
Para citar um caso famoso, a Guerra Fria quase chegou às vias de fato no ano de 1983, quando o sistema de alerta computadorizado da antiga União Soviética emitiu sinais de que mísseis nucleares haviam sido disparados pelos Estados Unidos em direção ao território soviético. A ordem, neste caso, era apertar o botão vermelho e disparar mísseis de volta, levando o mundo a uma guerra nuclear. Por sorte, naquele dia, quem estava de plantão era um experiente coronel chamado Stanislav Petrov, que confiou no seu instinto de que os radares estavam errados e o que parecia serem mísseis eram só blips piscando na tela. Eram só ruídos, não significavam nada além de barulhinhos sem sentido. Ufa! Naquele dia o mundo respirou aliviado mais uma vez. A Guerra Fria, então, evanesceu com a queda da URSS menos de uma década após este incidente e nossa querida Terra, por fim, se tornou um local menos sujeito a um morticínio cataclísmico causado por um choque entre duas ideias de mundo antagônicas. Será? Vamos examinar alguns fatos!
As estatísticas de causas de morte no mundo, já há vários anos, relatam que cardiopatias isquêmicas e acidentes vasculares cerebrais são, de longe, as principais causas dos óbitos registrados. Ora, não por acaso, ambas as causa mortis estão ligadas à síndrome metabólica, que tem como principal origem uma má alimentação. Vejam vocês, estamos vivendo, segundo alguns pesquisadores, umas das épocas humanas mais pacíficas, na qual a probabilidade de sermos mortos por causa de uma guerra é a menor de toda a história humana (não estou falando de criminalidade. No Brasil este tipo de assunto rende outro tipo de discussão). Por outro lado, enfrentamos uma epidemia de mortes causadas por fatores ligados a uma alimentação inadequada. Então, nada mais natural do que aprendermos a comer direito e eliminar todo o tipo de porcaria que nos tornam propenso a desenvolver uma destas doenças fatais. Temos que eliminar o ruído de nossa alimentação. Com as pesquisas nutricionais e o conhecimento da medicina cada vez mais avançado isso está se tornando cada vez mais fácil, pois deve ter muito sinal forte no meio ao ruído, né? Pois é, deveria ser assim, mas o fato é que não é! Estamos quase na proporção oposta, como discutirei abaixo.
Para começar, gostaria de pontuar que este ensaio sobre sinal e ruído nasceu por causa deste estudo aqui, que produziu manchetes como essa aqui, reações nas Internets como essa aqui e respostas da comunidade científica saudavelmente cética como estas aqui. O estudo, já logo de cara, grita alto nos ouvidos que não tem nenhuma validade em termos de implicar causalidade, uma vez que o design foi aquele mesmo de sempre: estudo observacional, baseado em questionário de freqüência alimentar, blá blá blá. Tudo aquilo que o Dr. Souto já gastou os dedos digitando no seu blog há vários anos. E o povo continua dando trela para isso. Pessoas amadas que estão lendo este texto: isto é ruído! Não traz nada de novo, não acrescenta informação nenhuma, é um belo saco de estrume enfeitado com lantejoulas. Mais um, diga-se de passagem. Sou capaz de apostar um bife ancho bem gordo com vocês que semana que vem vai ter uma manchete bombástica dizendo que o óleo de coco é veneno.
Ops, já tem! Ganhei a aposta, vou lá comer meu belo pedaço de carne frita na banha e entupir minhas artérias. Talvez eu coloque alguns ovos junto, mas não sei, será que esta semana ovo causa diabetes ou não? Por via das dúvidas, melhor eu ficar em jejum. Não, jejum pode fazer mal, pode me dar tontura e eu posso desmaiar de hipoglicemia. Bom, vou seguir as diretrizes acadêmicas e comer, então, um belo pedaço de pão com goiabada, uma barra de cereal com suco de uva. E daqui a três horas tenho que comer mais uma fruta, uma fatia de queijo magro e.... vou parar por aqui e deixar o link deste post sensacional do (adivinha!) Dr. Souto para que vocês tenham um pouco mais de noção do quão profundo é este mar de ruído que virou o mundo dos estudos nutricionais. Tentar nadar neste lamaçal é improdutivo, pois a informação útil é muito escassa e soterrada por um monte de bobagens requentadas e com interesses nem sempre transparentes por trás.
Para tentar sobreviver neste atoleiro, abandonei a prática de ficar buscando e tentando me atualizar sobre todas as milhares de regras para comer. Parei de ler as inúmeras manchetes repercutindo estudos sobre nutrição que saem quase que diariamente. Minha dieta hoje, além de ser alimentar para manutenção da minha forma física, tornou-se uma dieta de informação, pelo simples motivo que a maior parte do que se pesquisa e, principalmente, do que de fato se informa para o público, é inútil em termos de ganho de conhecimento. Na margem, serve para os pesquisadores que se engajam em fazer estes estudos melhorarem seus próprios currículos. Não mais do que isso. Este tipo de pesquisas está para o avanço da ciência nutricional como a masturbação solitária está para o sexo.
Todos que acompanham este blog, os escritos e o podcast do Dr. Souto, que conhecem o trabalho do Gary Taubes, da Nina Teicholz e de inúmeros outros ao redor do mundo sabe que nestes locais existe algo que funciona, que pode ser seguido, que é intuitivo e que trás benefícios duradouros. Quantas pessoas que aqui deixaram seus depoimentos não estão se beneficiando desta abordagem tida como “herética” e que toda semana é bombardeada com um novo estudo “provando” que faz mal? Entendemos o mecanismo pelo qual o low carb funciona? Em partes sim, tem a ver com regulação hormonal, principalmente da insulina.
Todavia, outras dietas, tanto tradicionais quanto sugeridas, parecem funcionar também, mesmo com um consumo muito maior de carboidratos, inclusive pão. Além disso, está se tornando cada vez mais comum encontrarmos relatos na Internet de pessoas que se livraram, sem medicamentos, de doenças crônicas graves fazendo uma dieta totalmente carnívora (sim, isto mesmo, carne, sal, água e nada). Pessoas como o agora celebridade Jordan Peterson e sua filha Mikhaila deram adeus a suas depressões crônicas, apneia do sono e fadigas ao levantar. Mais do que isso, no caso específico de Mikhaila, ela livrou-se dos sintomas de uma artrite reumatóide severa que a levou a ter várias articulações substituídas por próteses. Outro expoente e defensor desta dieta é o médico e atleta de força Dr. Shawn Baker que tem já seus cinquenta anos, mas, uau! que corpo! e que pele!
Como isso é possível? Comer só carne e nada mais? E os vegetais? E as fibras? E a falta de vitamina C? Isto deveria causar escorbuto, como que suas gengivas estão tão bonitas? Sem falar em diabetes e colesterol? Isso não pode fazer bem, tem que ter algo errado, toda a ciência diz que isso tem que fazer mal. Pois é, por que não faz mal? Por que as pessoas estão se livrando de doenças tidas como intratáveis e estão re-adquirindo sua qualidade de vida e sentindo de novo um prazer em fazer coisas banais como levantar da cama de manhã e trabalhar?
A resposta é: não se sabe ao certo! Todavia, isso é uma realidade, está acontecendo. Para citar a frase clássica do Dr. Souto (três citações já qualificam para pedir música no Fantástico?): a realidade tem primazia sobre os mecanismos. Sendo assim, por que a ciência nutricional, ao invés de dizer que isso não pode funcionar simplesmente porque se supõe que era para fazer mal, não começa a investigar o porquê de funcionar para um número não desprezível de pessoas? Do ponto de vista científico, isto é uma insensatez.
O que eu aprendi estudando Filosofia da Ciência e Método Científico foi que a ciência é composta de verdades instáveis, uma vez que as hipóteses nunca podem ser confirmadas com certeza, elas só podem ser refutadas com certeza. Sempre que a realidade refuta uma “verdade científica” pré-estabelecida, temos que mudar esta “verdade” e propor uma nova, a qual concorde cada vez mais com a realidade. Não fazer isso é abdicar de usar o método científico, é simplesmente acreditar em uma ideologia, é ter uma fé. Nada a ver com ciência de fato. É fazer igual o assassino do John Lennon, Mark Chapman (sem link, não bato palma para maluco), ao justificar porque o matou: o demônio falou com ele através do ruído do rádio e o incentivou a matar o músico, mas só ele entendia este sinal, porque fora o escolhido e deveria fazer este sacrifício.
O senso comum costuma chamar de “loucos” indivíduos como Chapman, justamente porque estes vivem em uma realidade própria, não reconhecida por mais ninguém. Bem, diversas vezes o mesmo tratamento é dado a pessoas como os carnívoros que eu citei acima, a pessoas que fazem paleo/low carb, que praticam dieta cetogênica (< 20 g carbo/dia), que praticam jejum intermitente, etc. etc. etc. A justificativa para serem tachadas como “insanas” é que estas pessoas estão indo “contra o saber científico”, que “pesquisas mostram”, que “fontes dizem” e que “está provado” que faz mal. Todavia, a realidade tem reiteradamente nos mostrado e esfregado na nossa cara que (quase) todos que abandonaram as diretrizes tradicionais da nutrição (eg pirâmide alimentar, grãos integrais, comer 3/3 horas, etc.), melhoraram sua qualidade de vida de maneira duradoura, revertendo inúmeras condições clínicas tidas até como “intratáveis”. O que estas pessoas fizeram? Simplificaram seus hábitos alimentares e passaram a comer as coisas de maneira tradicional, sem muitos salamaleques e pacotes coloridos. Carne frita na banha com sal, coxa de frango com pele, salada com azeite e limão, queijo gordo, ovos, etc. Do jeito que a alimentação humana vem sendo há milhares de anos. Por que eu coloquei entre parênteses acima a palavra “quase”? Porque para ser intelectualmente honesto, devo dizer que, de fato, nem tudo funciona para todo mundo.
Todos nós somos quebra-cabeças genéticos com peças misturadas herdadas de nossos pais, que por sua vez herdaram de nossos avós, e assim retrospectivamente. E, uma vez que esta base genética é, por sua vez, também influenciada pelo ambiente em que vivemos, posso afirmar com toda certeza que não existem dois seres humanos iguais, nem mesmo gêmeos idênticos (ainda vou fazer uma série de posts sobre evolução aqui neste blog. Aguardem!). Deste modo, nem todo tipo de abordagem alimentar vai funcionar para todos, como uma fórmula pronta. Cada indivíduo, cada pessoa, cada ser vivente, deverá “escutar” atentamente os sinais vindos do seu organismo, para que em um processo de tentativa e erro, possa achar a melhor maneira de se alimentar, para que se minimizem ou eliminem-se os danos (ruídos) e para que se aumentem os benefícios.
Como eu disse anteriormente, parei de seguir e me preocupar com os estudos nutricionais que geram manchetes bombásticas toda semana, pois encontrei a minha maneira de comer. Uma que me faz ter disposição para encarar uma jornada de trabalho, estudos, paternidade e lazer que não raro perfazem até 18 horas diárias, sem aumento de peso, sem doenças crônicas, sem baixar minha imunidade, sem alterar muito meu humor e minha vontade de levantar da cama para encarar mais um dia na minha vida. Descobri que tenho um metabolismo que suporta uma dose maior de carboidrato do que seria “ideal” (até 150 g/dia em média) sem comprometer minha saúde, pelo menos na minha idade atual. Então, não me privo de comer várias frutas e outros alimentos amiláceos, como aipim, batata e arroz. Sem exageros, evidentemente, mas servindo como complemento às folhosas e proteínas animais. Mas, isso aconteceu depois de um longo período de testes e experimentações, o que, diga-se de passagem, é algo que existe aos montes neste blog.
Gostaria de deixar, como mensagem final deste artigo, o seguinte conselho: ignorem os ruídos, pois eles só geram estresse desnecessário ao atraírem nossa atenção para coisas improdutivas. Como contraponto, comecem a prestar atenção aos sinais que os seus próprios organismos emitem. Aí está a fonte da saúde e do bem-estar. Como dizia Hipócrates, o pai da Medicina, certamente inspirado por Sócrates, o pai da Filosofia: “Cura-te a ti mesmo”, já que ninguém melhor do que você conhece o corpo que tem.
Até a próxima!
Guilherme Ceolin é mais um animal bípede e tagarela tentando encontrar seu lugar no mundo, que calhou de ser biólogo e doutor em Botânica. Paga suas contas atuando como professor universitário federal na UFSM-FW, onde desenvolve projetos com temas ligados ao mundo das plantas, sejam elas bonitas ou feias, saborosas ou não. Se diverte, relaxa e desestressa lendo e escrevendo sobre divulgação científica (Deviante, onde também participa do Scicast Podcast) e literatura (Wattpad), brincando com os filhos, pesquisando ingredientes, cozinhando e comendo.
Guilherme Ceolin é mais um animal bípede e tagarela tentando encontrar seu lugar no mundo, que calhou de ser biólogo e doutor em Botânica. Paga suas contas atuando como professor universitário federal na UFSM-FW, onde desenvolve projetos com temas ligados ao mundo das plantas, sejam elas bonitas ou feias, saborosas ou não. Se diverte, relaxa e desestressa lendo e escrevendo sobre divulgação científica (Deviante, onde também participa do Scicast Podcast) e literatura (Wattpad), brincando com os filhos, pesquisando ingredientes, cozinhando e comendo.
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