Sobre como passei de magro complexado a um gordo pré-diabético (e reverti tudo com paleo/lowcarb)
Sempre fui magro. Desde criança. Meus apelidos na infância
eram tripa seca, lombriga, saco de ossos e qualquer outra coisa que lembrasse
formas compridas e finas. Como se esquecer daquela tia (normalmente
rechonchuda) que vinha abraçar e dizia: “Uh, mas é tão magrinho, não deve comer
nada, deve até ser anêmico coitado”. Era um saco ter de ouvir isso, mas até que
não as culpo. Houve uma época em que magreza era sinônimo de estar passando por
privações. Sou apenas a quarta geração da família a nascer no Brasil. E a
primeira geração a nascer em zona urbana. Meus antepassados migraram da Itália
por causa da fome e vieram para cá para trabalhar na roça. Agricultura de
subsistência. O que, às vezes, os fazia igualmente passar fome. Uma família
historicamente pobre, afinal.
Por conta da ansiedade crescente em relação ao julgamento
dos parentes pela minha magreza natural, desenvolvi, na adolescência (sempre
esta fase desgraçada!) certa compulsão por comer e fazer exercícios de força
para criar músculos. De nada adiantou. Continuei magrinho e sem aquele corpo
torneado de atores globais, ainda que meu apetite fosse imenso. Comia a cada
duas ou três horas e me sentia murchando quando passava alguns dias sem ir à
academia. Isso durou até uns 20, 21 anos, quando a faculdade começou a ficar
séria, minhas preocupações começaram a ser não mais a minha magreza ou o que as
pessoas me falavam, mas o futuro profissional e encaminhamentos para a vida
adulta. Parei de enlouquecer com o meu corpo, aceitei a minha condição natural
de ser magro e nunca mais botei os pés em uma academia. Não que tivesse parado
de me exercitar. Continuava caminhando, jogando futebol, basquete e praticando
artes marciais (sou grande fã de Aikido), mas o foco não era mais ficar sarado
e sim ter aquela sensação gostosa das endorfinas liberadas depois daquele banho
relaxante pós-treino. E o apetite? Continuava do mesmo jeito.
Meu humor ficava terrivelmente estragado se eu não comesse a
cada 3 horas. E não raro eu fazia questão de comer até ter vontade de chorar.
Eu morava a 50 metros da universidade e tinha tíquetes do bandejão para tomar
café-da-manhã, almoçar e jantar. O que eu fazia quando não tinha aula cedo?
Levantava da cama, ia ao bandejão, tomava um baita café e voltava para casa
dormir até a hora do almoço. Por quê? Porque eu podia! Afinal, gostava de comer
e não engordava um grama sequer. Isso até os 25 anos, já entrando no doutorado.
A partir desta idade, eu não sei bem quais fatores
influenciaram, mas passei a engordar lenta e gradualmente. Pode ser que o
metabolismo tenha mudado com o envelhecimento, pode ser que eu tenha tido
acesso a alimentos mais engordantes, afinal, eu já estava ganhando meu
dinheiro, logo podia comprar mais supérfluos alimentares. Na graduação, eu
vivia de comida de bandejão, de frutas variadas e de lanchinhos rápidos que
minha mãe mandava na bagagem todo final de semana (eram coisas como salame,
bolos, pães e bolachas, mas feitas em casa!). Depois de ficar um pouco mais
“rico”, comecei a ir direto a pizzarias, hamburguerias, comer lanches gigantes
com muito chopp e comprar porcarias das gôndolas centrais dos supermercados.
Sempre tinha nuggets, lasanhas congeladas e refrigerantes na minha geladeira,
além de margarina, maionese, catchup e etcs. Mesmo assim, ainda caminhava para
caramba e fazia muito esporte. Tinha ganhado algum peso, mas estava tudo sob
controle.
Em 2010, realizei um sonho antigo: morar na beira da praia,
no sul do Rio Grande do Sul. Da sacada do meu apartamento eu enxergava o mar
todos os dias. Que bela vida, não? Definitivamente, não! Existe algo aqui no
sul do Brasil que se chama inverno e a praia nesta estação do ano se torna um
local onde você não raro sai para trabalhar de manhã com o sol nascendo e volta
para casa já com as trevas da noite, já que o dia é curto. Sem falar na solidão
da baixa temporada, no vento gelado, na areia entrando por qualquer fresta que
você deixe entreaberta. Era um convite para comer e comer cada vez mais para
aquecer o corpo e alegrar a alma. E ninguém come salada de folhas neste tipo de
situação. Foi aí que a virada metabólica começou. O auge se deu em 2012, quando
passei uma temporada nos Estados Unidos por conta de uma bolsa de pesquisa que
ganhei. Quando retornei ao Brasil, meu peso facilmente excedia um décimo de
tonelada. O xarope de milho de alta frutose cobrou seu preço de uma maneira tão
absurda que eu nunca imaginei que pudesse ser verdade.
Todavia, não era o
tamanho em si que me preocupava, o problema era a minha condição de saúde.
Todos os parâmetros sanguíneos estavam alterados para pior: HDL baixo,
triglicerídeos na casa do chapéu, enzimas hepáticas fora dos limites
superiores, pré-diabetes, pressão alta e uma barriga proeminente e dura. Eu
estava em síndrome metabólica. Fora que meu joelho começou a pedir água por
conta do Aikido ser uma arte marcial com muito giros sobre o próprio eixo. Com
30 anos eu estava cultivando um infarto ou uma falência hepática para um futuro
não muito distante. Quando a água bate na bunda, ou se aprende a nadar ou se
afoga por completo. Escolhi a primeira opção.
Comecei uma dieta para melhorar minha saúde. Por ser um
cientista treinado e entender a literatura médica, fiz tudo por conta própria,
baseado nos “estudos científicos confirmados”. Não preciso dizer que tipo de
recomendação eu encontrei e passei a seguir foi uma dieta no padrão mídia senso
comum. Estruturei minhas refeições baseado na pirâmide alimentar, cortei
gorduras e passei a consumir alimentos light. Isso foi começo de 2013. Ou seja,
já existiam evidências sobre como esta abordagem estava errada. Todavia, eu, em
minha bolha, não procurei por isso, por simplesmente acreditar que existia
consenso na comunidade científica de que gordura fazia mal e que entupiria as
minhas artérias. Não agi como um verdadeiro cientista, não fui cético o
suficiente. Acreditei na manada. Até que por um feliz acaso que nem sei como
aconteceu, cheguei ao blog do Dr. Souto.
Confesso que fiquei tão chocado que minha tendência inicial
foi achar que ele era só mais um maluco da Internet pregando non-sense (tipo os
trolls defensores da Terra Plana).
Contudo, mais por curiosidade que por interesse genuíno, resolvi dar uma chance
e ver o que o “maluco” defendia, provavelmente para tirar sarro nos
comentários. Nunca me senti tão feliz em ter quebrado a cara! Eu sou biólogo,
tenho doutorado em botânica, faço pesquisa com evolução vegetal e tenho consciência
que não raro sou extremamente arrogante em minhas críticas a quem acredita em
pseudociências. Mesmo assim, tomei uma rasteira. No fim, o maluco era eu em
acreditar em histórias da Carochinha e em ciência mal feita, lobby de indústria
e manipulação de dados descarada. O Dr. Souto, além de ter me mostrado o
caminho para uma vida saudável, me deu o tapa na cara necessário para eu
re-ativar um ceticismo que estava adormecido por conta da comodidade mental em
que nos lançamos eventualmente (afinal, pensar é desconfortável demais às
vezes).
Para encurtar a história, a partir daí passei a mudar
radicalmente minha abordagem alimentar, comendo comida como ela tinha que ser e
deixando as frescuras de light, diet, reduzido teor disso ou daquilo. Cortei
carboidratos quase totalmente e passei a consumir coisas as quais ou não era
muito fã ou evitava comer porque “faziam mal” como abacate, repolho, couve,
bacon, folhas de beterraba, etc. Os resultados foram bizarramente rápidos.
Tanto que as pessoas começaram a perguntar se eu estava doente, pois estava
“secando” a olhos vistos. Na verdade, nunca havia estado tão saudável na vida.
Sem passar fome, sem ter sono depois do almoço, com uma energia e disposição
que há muito não sentia.
Quando voltei dos Estados Unidos no começo de agosto de 2012
eu pesava entre 102 e 105 kg (assim mesmo, no mais ou menos, porque gordo evita
se pesar, né?) para 1,83 m de altura. Seguindo a dieta “clássica” consegui
baixar para 92 kg depois de um ano sofrendo privação alimentar e me torturando
por ter de tirar a pele do frango e a graxa da picanha. Após iniciar low-carb,
rapidamente baixei dos 90 kg e hoje, quase quatro anos depois da minha
epifania, meu peso flutua entre 74 e 76 kg, que acredito ser o peso
metabolicamente normal para minha constituição genética, já que é fácil de
manter e me conserva com boa saúde.
Hoje, pelo fato de ser estruturalmente magro, já como uma
quantidade de carboidratos muito maior do que quando comecei. Todavia, exceto
por uma verdadeira paixão por arroz, quase todos os carbos que consumo ou são
raízes (mandioca, batata-doce, cenoura, etc.) ou são frutas. E mesmo assim,
nunca ou raramente misturo dois carboidratos por refeição. O que aboli mesmo do dia-a-dia foi trigo e
sementes em geral (bem com suas respectivas farinhas), coisas as quais consumo
muito raramente.
A transformação foi tão radical que até minhas linhas de
pesquisa acadêmicas mudaram ligeiramente. Devido a minha formação na área de
botânica e minha atuação profissional em cursos ligados às ciências rurais,
tenho dedicado um tempo adicional em pesquisar plantas alimentícias
negligenciadas, práticas agrícolas antepassadas, formas de cozimento e
processamento de ingredientes, em uma tentativa de resgate de processos e
técnicas que mantiveram a humanidade crescendo e se desenvolvendo ao longo dos
séculos antes do desenvolvimento da indústria alimentícia moderna e seus
compensados de carne em forma de hambúrguer.
O parágrafo anterior tem razão de ser por conta de um
convite que recebi do Hilton para escrever aqui esporadicamente, o qual
aceitei. De modo que a partir desta postagem de apresentação, irei escrever por
aqui com uma freqüência que espero que seja abundante (entre uma pilotada de
fogão e outra! Tenho duas crianças para alimentar que comem comida de verdade
em grandes quantidades).
Os temas que pretendo abordar serão um pouco
diferentes do que normalmente é postado aqui, até para não concorrerem com o que
já está sendo muito bem feito. Meus assuntos versarão sobre culinária, química
dos sabores, técnicas de preservação e transformação de alimentos,
ingredientes, propriedades farmacológicas, etc. Enfim, muito do que tenho
pesquisado e testado sobre métodos tradicionais de alimentação, com alguma dica
de preparo e talvez alguma receita, já que sou chef amador (nome chique para cozinheiro curioso formado pela
grande escola de culinária YouTube com especialização em Netflix).
Nos vemos
nos próximos capítulos. Espero que gostem.
Guilherme
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