O lado obscuro do estilo de vida Páleo
Hoje vou aproveitar o espaço para narrar mais um caso pessoal que ensejou algumas reflexões sobre como muitas vezes nos esquecemos de algumas consequências desagradáveis que podem acontecer ao seguirmos um estilo de vida mais tradicional e primitivo, apesar de seus inegáveis efeitos benéficos. Vou, portanto, discorrer sobre alguns ônus que acompanham os diversos bônus que podemos obter ao abraçarmos a via paleolítica em nossa alimentação, exercícios e lida cotidiana. Já adianto que falarei sobre algo um pouco desagradável e que pode deixar algumas pessoas desconfortáveis, principalmente aquelas que têm o costume de ler os posts no intervalo de almoço. Para quem tem apetite sensível, recomendo que leia o artigo em um horário seguro entre refeições ou em um período de jejum intermitente. Por que esta frescura toda?
Porque vou falar sobre VERMES!
Sim, estes bichinhos também conhecidos como lombrigas, “bichas”, ou seja lá o nome popular que você dê na sua região aos famigerados parasitas intestinais.
A ideia para este artigo surgiu quando, alguns meses atrás, passei pela experiência de expelir uma lombriga viva E se mexendo. Imaginem a cena: você chega em casa com a boa cólica, senta no vaso sanitário para atender ao chamada da natureza, termina o serviço e levanta para dar aquela conferida na obra e, além do que você sempre vê na água neste momento, esta lá também um ser vivo pálido e cilíndrico, de mais ou menos um palmo de comprimento, se contorcendo para não se afogar. Pois é, eu havia colocado para fora um belo exemplar de Ascaris lumbricoides. E, pelo fato de eu ser biólogo, sabia que era uma fêmea com o abdome cheio de ovos. E mais, sabia também que, pelo ciclo de vida médio de uma lombriga, para chegar naquele estágio, eu deveria já estar com uma infestação há uns três meses. Passado o atordoamento inicial, dei a descarga na privada, mandando aquele ser para fazer companhia aos outros seres mutantes do esgoto e sentei-me no sofá para refletir sobre o acontecimento.
Primeira providência: fui até a farmácia e comprei vermífugo para a família inteira. Ordem expressa de despejo para estes inquilinos indesejados. Após a profilaxia feita, uma pergunta restava em aberto a ser respondida: como poderia ter pego aqueles bichos infelizes? Passei a pensar sobre os meus hábitos dos meses anteriores e cheguei a duas hipóteses: ou ingeri os ovos através de alguma salada crua que consumi em restaurantes por aí ou peguei em uma das inúmeras visitas a parentes que tenho no interior.
A primeira hipótese é um pouco menos provável porque, via de regra, restaurantes devem seguir normas de higienização de vegetais crus, como lavagem cuidadosa das folhas e imersão em solução de hipoclorito. Todavia, existem alguns estudos que indicam que ovos de Ascaris podem resistir ao hipoclorito e continuarem ativos após a sanitização. A segunda hipótese é mais factível porque, nos meses de verão aqui no Sul, comemos muita melancia no campo mesmo, abrindo-as com uma faca e consumindo no meio da grama, junto com a cachorrada e outros bichos. Falta de higiene? Sim, sem dúvida, mas partindo desta premissa, vamos a uma análise histórica dos fatos.
Parasitas intestinais se tornaram uma realidade bastante distante da nossa vida urbana nos últimos anos, devido ao fato de que, pelo menos na maior parte das cidades, termos acesso inédito na história ao saneamento básico. Ou seja, perdemos muito nosso contato com fezes tanto próprias quanto de outros animais, já que agora, simplesmente, podemos, de dentro de nossos apartamentos, longe do campo, apertar um botão e mandá-las embora. E quem desejar distanciamento inclusive visual, pode, ainda, se dar ao luxo de sequer olhar para trás para conferir a própria produção (conheço gente que dá a descarga enquanto sentada!), embora o exercício de crítica à “nobre arte de pintura em cerâmica” seja uma prática muito recomendada para detectar certos problemas e procurar ajuda médica o quanto antes.
Isto nos distanciou tanto de nosso passado evolutivo que esquecemos que verminoses intestinais eram uma constante em ambientes primitivos, aqueles nos quais o ser humano como espécie evoluiu e prosperou. Partindo destas informações, podemos agora juntar as premissas e derivar uma conclusão lógica: se o estilo de vida primitivo nos fazia conviver com verminoses intestinais e hoje estamos buscando ativamente nos conectar com este estilo de vida outra vez por diversas questões de saúde, logo, em algum momento vamos nos deparar com alguma parasitose. Pelas regras de construção de um silogismo lógico-dedutivo aristotélico, duas premissas lógicas e verdadeiras só podem derivar em uma conclusão igualmente lógica e verdadeira. Ou seja, de tempos em tempos, teremos vermes se mantivermos um estilo de vida realmente próximo ao que tínhamos no paleolítico.
“Ah, mas isso não me atinge, você está forçando a barra para aliviar os seus sintomas de depressão profunda por ter se enchido de lombriga e expelido uma viva E se mexendo. Eu sou uma pessoa limpinha que não como melancia no meio do campo junto aos porcos e cachorros sarnentos das suas tias”. Só li verdades nesta crítica. Fiquei uns dois dias em estado de profunda tristeza e pensamentos recorrentes por ter colocado para fora aquele ser. Tive pesadelos. Só comi carne bem passada. Saladas cruas foram evitadas por longas duas semanas. Tive todos os estados de superação do luto do modelo de Elisabeth Kübler-Ross, o qual termina com a superação e aceitação. O fato de eu ser biólogo não me ajudou a não ficar, digamos, cabisbaixo por um tempo. É ruim se deparar, assim, tão na cara, com nossas fragilidades ainda existentes. Todavia, com certeza, trabalhar com evolução biológica me ajudou a racionalizar e operacionalizar uma estratégia para aproveitar os benefícios de um estilo de vida mais “páleo” sem incorrer com todos os seus riscos, ou ao menos, diminuí-los bastante. Então, vamos lá, permitam-me explicar as conclusões as quais cheguei.
Em primeiro lugar, todos estamos sujeitos à contaminação por parasitas intestinais ao seguirmos as premissas de uma alimentação dita “páleo”, quais sejam, alimentos de verdade, com mais casca que embalagem e com baixo grau de processamento. Isto ocorre pelo motivo simples que parasitas são uma realidade. O risco está muito mais baixo hoje, sem dúvida, mas nunca se pode ter total certeza sobre a higiene do lugar onde estamos comendo, sobre a origem daquele vegetal “orgânico e totalmente natural” que conseguimos ou sobre a sanidade daquela carne “de boi criado no pasto”. Existem os controles fitossanitários, as inspeções e certificações, mas, como vimos em recentes escândalos, nada é infalível. Se existe chance de merdas ocorrerem, por mínimas que sejam, uma hora elas acontecem e, neste caso, ainda podem vir cheias de vermes.
Em segundo lugar, ainda que existam riscos, os benefícios de uma alimentação mais natural em muito superam os potenciais danos, uma vez que comidas processadas, cheias de carboidratos refinados, gorduras trans e aditivos impronunciáveis, não oferecem ganho nenhum para a saúde além do fato de serem livres de pragas. Pelo contrário, uma síndrome metabólica é muito mais difícil de ser curada e revertida do que uma infestação por lombrigas ou outros vermes. Além do mais, dependendo do profissional que consultarmos, ainda sairemos com o tratamento errado (estatinas, pirâmide alimentar, etc.). Para vermes, é Albendazol ou assemelhados e pronto, sem muita divergência no protocolo a ser seguido. Então, sem paranóias exageradas ao adotar um estilo de vida mais ligado às tradições primais, seja na alimentação, exercício, lazer ou tudo junto.
Coisa mais linda e apetitosa! Será que está cheia de vermes?
Enfim, tive minha experiência nada agradável com estes seres que estão por aí antes de nós surgirmos como espécie e, pelo que parece, não nos deixarão em paz tão cedo. Este tipo de coisa serve para lembrar que tudo tem os dois lados, mesmo a busca por um estilo de vida mais saudável e conectado ao nosso passado evolutivo. Antes de pirarmos e abandonarmos tudo porque “vermes fazem mal para a saúde (mental inclusive)”, devemos abraçar este lado mais animal e tomarmos as devidas providências para, se não evitar totalmente, diminuir ao máximo nosso risco.
Até a próxima!
Guilherme Ceolin é mais um animal bípede e tagarela tentando encontrar seu lugar no mundo, que calhou de ser biólogo e doutor em Botânica. Paga suas contas atuando como professor universitário federal na UFSM-FW, onde desenvolve projetos com temas ligados ao mundo das plantas, sejam elas bonitas ou feias, saborosas ou não. Se diverte, relaxa e desestressa lendo e escrevendo sobre divulgação científica (Deviante, onde também participa do Scicast Podcast) e literatura (Wattpad), brincando com os filhos, pesquisando ingredientes, cozinhando e comendo.
Guilherme Ceolin é mais um animal bípede e tagarela tentando encontrar seu lugar no mundo, que calhou de ser biólogo e doutor em Botânica. Paga suas contas atuando como professor universitário federal na UFSM-FW, onde desenvolve projetos com temas ligados ao mundo das plantas, sejam elas bonitas ou feias, saborosas ou não. Se diverte, relaxa e desestressa lendo e escrevendo sobre divulgação científica (Deviante, onde também participa do Scicast Podcast) e literatura (Wattpad), brincando com os filhos, pesquisando ingredientes, cozinhando e comendo.
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