Um soco é só um soco, um chute é só um chute
No último sábado, fui comer comida japonesa e devo ter comido uns 20 sushis – entre makis, nigiris, oshizushis e mini-temakis (infelizmente, não tinha sashimi). Também encarei duas postas grandes de salmão grelhado e um bocadinho de frango xadrez (tinha comida chinesa também).
Estava vindo de um jejum de 24h, e ainda assim me senti empanturrado – com razão: foi muita comida.
Comentei com algumas pessoas na segunda-feira, e lá vieram os comentários: "Uai, mas você não é paleo? E esse arroz aí? Tá traindo o movimento!"
Vamos por partes: primeiramente, foi a primeira vez que comi grãos cereais em quase 3 anos :-D Na verdade, fiquei preocupado se não teria algum revertério. O resultado foi: nenhum. Possivelmente pelo fato de o arroz não conter glúten, aliado ao fato de que minha alimentação, agora que estou praticando dieta do guerreiro, não é mais tão low-carb: embora eu só coma 1 vez por dia, são pratos gigantescos que sempre têm batata/mandioca/inhame, e são seguidos por frutas picadas com creme de leite. Calculo a grosso modo que estou comendo entre 100 e 150g de carbos por dia. Assim, os carbs do arroz não fizeram diferença no cômputo geral.
(Levantei essa hipótese do glúten porque da última vez que tomei cerveja (uma Quadruppel), os resultados foram funestos. Cerveja, para mim, nunca mais).
Me espantou um pouco a reação dos críticos – como se eu não fosse livre para comer o que quiser. É bem verdade que procuro fazer do meu discurso a minha realidade: desde que encarei paleo, essa foi literalmente a única vez em que comi cereais. Comi chocolate ao leite uma vez (bruta ressaca!). Mas e se eu quisesse comer de vez em quando ? Onde, na Sagrada Bíblia Paleo, diz que eu não posso ? Conheço pessoas que vivem um estilo de vida paleo 99% do tempo, mas se dão o direito de comer macarrão/pizza/sorvete esporadicamente. O Mark Sisson fala nos 80/20 (aqui e aqui). O Chris Kresser fala abertamente em comer coisas não-paleo como leguminosas.
Eu acredito nos princípios paleo, mas o time é meu :-D Não tenho nenhum plano de tomar sorvete ou comer macarrão, porque penso como o Kris Gunnars. Mas e se acontecer algum dia ? Além da provável diarréia, minha alma também estará condenada para sempre ?
Quando eu comecei a praticar paleo, veja que coisa: deixei de comer batatas inglesas "porque têm índice glicêmico alto", mas não deixei de comer batatas-doces, mandioca e inhame. Só fui comer batatas mais de 1 ano depois de começar. Será que fez alguma diferença no meu processo ? Sinceramente, duvido. Nesse exato instante, estou com uma fornada de cupcakes salgados de batata, queijo, manteiga e alho em casa. Comi 2 no almoço de hoje, junto com torresmo de barriga e linguiça de pernil. Amanhã provavelmente comerei mais. Hoje a sobremesa teve banana, maçã, laranja e uvas. Amanhã, provavelmente terá outras frutas
Qual é o ponto ? Tem um livro do Bruce Lee chamado "O tao do jeet kune do", que descreve os princípios da arte marcial criada pelo próprio Bruce (baseada em kung fu wing chun, boxe inglês e tudo mais o que ele quisesse agregar). No livro há um trecho que acho belíssimo e que vale para qualquer área de conhecimento (que eu consiga imaginar):
Antes de estudar a arte, um soco para mim era só um soco, e que um chute era só um chute. Quando aprendi a arte, vi que um soco não era só um soco, e que um chute não era só um chute. Agora que compreendi a arte, vejo que um soco é só um soco, e que um chute é só um chute.
Devo ter lido isso no início da década de 1990, e só consegui entender quando já estava calejado na capoeira (aliás, esse ano completo 20 anos de capoeira – como o tempo voa!).
Quando não conhecemos nada de arte marcial (ou de esporte, ou de dieta, ou de tricô), tendemos a achar que é só chegar e fazer, e pronto. Não temos idéia da dificuldade. Quando somos iniciados na atividade, criamos um mundo de regras na nossa cabeça: o pé tem que ficar aqui, o quadril aqui. A agulha tem que passar por cima do dedo. O Dr. Cordain falou que batata e queijo não podem ser comidos. E quando o conhecimento se estabelece, você perde os medos: o corpo "sabe" executar o chute instintivamente, então você pode soltar o pé todo torto, que ele vai chegar direitinho onde você queria.
Eu me lembro de um treino de capoeira, lá por volta de 2000-2001. Tínhamos que executar um movimento específico, mas no calor do jogo, o meu pé saiu de um jeito diferente do esperado e acertou o parceiro em cheio. Ele falou "mas esse golpe não existe". E eu respondi "como não ? Eu acabei de fazer, então existe".
Bem poderia ter respondido "se não existe, o que foi que te acertou então ?" :-D
Bem poderia ter respondido "se não existe, o que foi que te acertou então ?" :-D
Monitore seus hábitos, aprenda a discernir o que é medo irracional ("não como porque tenho medo e porque o guru paleo XYZ falou que isso não pode"), o que é consciência do risco de disparar uma compulsão ("não como porque sei que sou viciado e a abstinência é meu único caminho") e o que é princípio ("não como porque não tenho mais vontade: aprendi a não gostar do que me faz mal"). Como o Sisson diz, "eu não odeio os carboidratos". Eles são um macronutriente como a gordura e a proteína, e não pequenos demoniozinhos adocicados que corrompem nossas almas imortais. Cada um precisa conhecer seus limites.
Se o seu limite é zero, coma zero.
Se o seu limite é zero, coma zero.
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