Leguminosas são paleo ? E isso realmente importa ?
Artigo traduzido por Antônio Junior. O original está aqui.
por Chris Kresser
por Chris Kresser
Eu fui recentemente ao programa do Dr. Oz para discutir o meu livro, "Your Personal Paleo Code" (publicado em brochura como "The Cure Paleo" em dezembro de 2014). (Se você perdeu, você pode assistir trechos aqui.)
Dr. Oz fez um segmento sobre Paleo no ano passado com Nell Stephenson e Dr. Loren Cordain, e ele obteve excelentes avaliações. No entanto, o feedback que a apresentação recebeu de seus telespectadores foi que "The Paleo Diet", como apresentado por Nell e Dr. Cordain era demasiado restritiva. Os produtores me convidaram, porque eu considero Paleo ser mais um modelo do que uma prescrição rígida, e minha abordagem não proíbe os alimentos que não são normalmente considerados "Paleo" – como laticínios repletos de gordura, batatas inglesas, chocolate amargo e leguminosas.
Algumas pessoas, particularmente aquelas não-previamente familiarizadas com o meu trabalho, ficaram surpresas ao ouvir-me dizer ao Dr. Oz que eu acho que comer algumas porções de leguminosas por semana é bom, desde que você tolere bem. Isso contradiz diretamente o dogma Paleo sobre leguminosas, que sustenta que devemos evitá-los estritamente porque 1) eles não são parte da nossa dieta ancestral, e 2) que contêm anti-nutrientes tóxicos como lectina e ácido fítico.
Mas são estes argumentos apoiados pela evidência? Vamos descobrir.
Leguminosas: Mais Paleo do que você imagina!
Em novembro de 2013, o Dr. Stephan Guyenet postou um artigo descrevendo a história evolutiva de consumo de leguminosas. Ele demonstra que, ao contrário da crença popular, leguminosas eram parte da nossa dieta ancestral. Uma análise recente da placa dentária Neanderthal revelou que eles consumiam variedades selvagens de ervilhas e favas [1]. Uma vez que acredita-se que os primeiros seres humanos tinham uma dieta mais diversificada do que a dos Neandertais, é seguro assumir que os nossos ancestrais humanos também comiam leguminosas.
Dr. Guyenet também aponta para vários grupos de caçadores-coletores contemporâneos que consomem quantidades significativas de leguminosas, incluindo os !Kung San do deserto do Kalahari (que dependem fortemente de uma leguminosa chamada "feijão tsin") e os aborígines australianos (que extensivamente colhiam as sementes e goma de acácias, outra leguminosa).
Esta pesquisa sugere que as leguminosas são, de fato, "Paleo". Mas mesmo que as pessoas do Paleolítico não as comessem, seria motivo suficiente para evitá-las? Se sim, então não deveríamos também evitar estritamente chocolate escuro, café, chá verde, e álcool? E quanto ao excesso de pães, muffins, petiscos empacotados, sobremesas e até mesmo doces (não, eu não estou brincando) que afirmam ser "Paleo" que recentemente se tornaram tão populares? Deveria ser óbvio que os nossos antepassados não cozinhavam com farinha de castanha, devoravam trufas ou bebiam cocktails "Paleo". No entanto, mesmo o mais inflexível, os puristas Paleo auto-identificados geralmente consomem pelo menos alguns destes alimentos e bebidas, e não parecem ver uma contradição nisso. Por que com as leguminosas deveria ser diferente?
Como argumentei antes, Paleo é melhor visualizado como um modelo ou um ponto de partida, não um sistema inflexível e imutável com base em crenças (às vezes equivocadas) sobre o que nossos ancestrais comiam. Mark Sisson disse algo muito similar em um recente post no blog:
O registro antropológico é uma estrutura para uma análise mais aprofundada da ciência nutricional; não é a prescrição de uma dieta.
A questão mais importante para perguntar do que se um alimento é "Paleo" é como ele afeta a saúde humana. Felizmente, no caso das leguminosas, temos um monte de pesquisas recentes, que podem nos ajudar a responder a essa pergunta.
Devemos evitar legumes por causa dos anti-nutrientes que eles contêm?
O dogma Paleo sobre leguminosas sustenta que devemos evitá-las, pois elas contêm anti-nutrientes tóxicos chamados lectinas e ácido fítico (também conhecido como fitato). Vamos dar uma olhada em cada um destes compostos em leguminosas e ver se este argumento se sustenta.
As lectinas
As lectinas são um tipo de proteína que podem ligar-se às membranas celulares. Estudos têm demonstrado que as lectinas podem prejudicar o crescimento, danificar o revestimento do intestino delgado, destruir músculo esquelético, e interferem com a função do pâncreas. Parece sério, certo?
Não tão rápido. Há várias razões que estes resultados não podem ser extrapolados para seres humanos. Primeiro, os animais consumiram grandes quantidades de lectinas muito maiores do que um ser humano obtém a partir de uma dieta variada, que inclui leguminosas. Em segundo lugar, as lectinas eram de leguminosas cruas. Por que isso é importante? Porque os seres humanos comem principalmente leguminosas cozidas e cozinhar neutraliza as lectinas encontradas na maioria delas.
Na verdade, cozinhar leguminosas por tão pouco quanto 15 minutos ou cozinhá-las na pressão por 7,5 minutos quase que completamente inativa as lectinas que contêm, não deixando nenhum resíduo de lectina ativo [2].
E mais, outros componentes presentes nos alimentos (por exemplo, açúcares simples) podem ligar-se a lectinas e diminuir seu efeito tóxico. Assim, mesmo se houver uma pequena quantidade de lectina deixada após o cozimento, é pouco provável que ela terá um efeito prejudicial dada a presença de carboidratos simples nas leguminosas, que podem ligar-se às proteínas [3].
Finalmente, se lectinas são realmente um problema, então nós vamos ter que cortar muito mais do que as leguminosas de nossa dieta, a fim de evitá-la. Acontece que as lectinas estão presentes em pelo menos 53 frutas, legumes, especiarias e outras plantas comumente consumidos, incluindo cenouras, abobrinha, melão, uvas, cerejas, framboesas, amoras, alho e cogumelos para citar alguns [4].
Este não é um alerta para deixar de comer estes alimentos! É simplesmente um lembrete de que quase todas as plantas que comemos contém pequenas quantidades de toxinas, uma vez que esta é a forma como as plantas se defendem. Na maioria dos casos, esses baixos níveis de toxinas não nos prejudicam, e, na verdade, eles podem até mesmo fornecer benefícios para a saúde. Por exemplo, muitos dos compostos que chamamos de "antioxidantes", como polifenóis encontrados em mirtilos, chocolate escuro, etc., são realmente "pró-oxidantes" que causam o estresse oxidativo leve e, portanto, regulam positivamente sistemas de defesa natural do nosso corpo [5].
Até onde sei, há apenas um estudo demonstrando que os seres humanos são prejudicado por consumir leguminosas. Este é o estudo frequentemente utilizado pelos defensores Paleo para "provar" que as leguminosas são perigosas. No entanto, o que é muitas vezes negligenciado é que este estudo descreveu um caso de intoxicação alimentar que ocorreu em pacientes hospitalares que comiam leguminosas que não foram preparadas adequadamente [6]. Sugerir que não deveríamos comer leguminosas cozidas porque leguminosas cruas causam doença é como dizer que não devemos comer frango cozido porque podemos obter Salmonella por comer frango cru.
A lectina com a qual podemos querer nos preocupar é com a do amendoim, uma vez que tanto amendoim cru quanto óleo de amendoim têm teor relativamente alto de lectina. Alguns dados em animais sugerem que a lectina do amendoim pode contribuir para a aterosclerose, estimulando o crescimento de músculo liso e células arteriais pulmonares [7]. No entanto, outra pesquisa (incluindo ensaios clínicos) em ambos os animais e seres humanos descobriu que os amendoins e até mesmo óleo de amendoim reduzem fatores de risco cardiovascular e, portanto, podem proteger contra doenças cardíacas [8, 9]. Tendo em conta estes dados conflitantes, e por causa de outros riscos associados ao consumo de amendoim, como a exposição à aflatoxina, eu recomendaria ou minimizar o consumo de amendoim ou evitá-los completamente.
O ácido fítico (ou fitato)
O ácido fítico é a reserva de fósforo encontrada em muitas plantas, especialmente na casca ou farelo de grãos, e em nozes e sementes. Embora herbívoros como vacas e ovelhas possam digerir o ácido fítico, os seres humanos não podem. Esta é uma má notícia, porque o ácido fítico se liga a minerais (especialmente ferro e zinco) em alimentos e nos impede de absorvê-los. (É importante notar que o ácido fítico não removem os minerais que já estão armazenados no corpo – apenas inibe a absorção de minerais dos alimentos nos quais está presente).
O ácido fítico interfere com enzimas que necessitamos para digerir nossos alimentos, incluindo pepsina, que é necessária para a quebra de proteínas no estômago, e amilase, que é necessária para a degradação do amido. O ácido fítico também inibe a enzima tripsina, que é necessária para a digestão da proteína no intestino delgado.
Soa muito ruim, certo? Embora seja verdade que as dietas ricas em ácido fítico contribuam para deficiências minerais, também é verdade que os seres humanos podem tolerar quantidades moderadas do que, sem danos (talvez porque nossas bactérias intestinais produzam enzimas que quebram o fitato e extraiam os nutrientes que o corpo necessita). Na verdade, há ainda evidência de que o ácido fítico podem ter alguns efeitos benéficos. Isso evita a formação de radicais livres (tornando-o um antioxidante), impede o acúmulo de metais pesados no corpo, e desempenha um papel na comunicação celular.
O problema em dizer às pessoas para evitar leguminosas, pois eles contêm ácido fítico é que muitos outros alimentos nas dietas "estilo paleo" – incluindo alimentos que contêm quantidades substancialmente mais elevadas de ácido fítico que as leguminosas. Por exemplo, uma porção do mix de castanhas, um dos favoritos paleo, provavelmente tem muito mais ácido fítico do que uma porção de lentilhas. Grãos de cacau (chocolate) têm aproximadamente a mesma quantidade de ácido fítico como a maioria dos feijões. E espinafre e acelga são mais elevados em ácido fítico do que quase qualquer leguminosa, noz ou semente!
Lentilhas: 270-1500
Leguminosas (média): 500-2900
Amêndoas: 350-9420
Nozes: 200-6700
Pecãs: 180-4520
Sementes de gergelim: 140-5360
Chocolate amargo: 1680-1790
Acelga: 3530
Espinafre: 3670
Eu sei que alguns de vocês serão tentados a parar de comer espinafre e acelga depois de ver este quadro. Essa não é a questão! Lembre-se, a dose faz o veneno. Altos níveis de ácido fítico são prejudiciais, mas quantidades moderadas dentro do contexto de uma dieta densa em nutrientes em geral não são. Além disso, o ácido fítico apenas restringe determinados minerais e impede a sua absorção. Há muitos outros nutrientes no espinafre, acelga, e todos os outros alimentos que contenham ácido fítico que ainda serão absorvido quando você comê-los.
É também importante notar que o ácido fítico pode muitas vezes ser pelo menos parcialmente quebrado por certos métodos de processamento de alimentos, tais como deixar de molho e assar. Eu escrevi um artigo há um tempo atrás chamado "Outra razão para não sair devorando castanha", sugerindo que você deixe de molho e depois desidrate ou asse as castanhas antes de comê-las, exatamente por isso. No caso das leguminosas, estudos têm demonstrado que a imersão à temperatura ambiente durante 18 horas ou a 60C durante 3 horas elimina entre 30 e 70% do ácido fítico, dependendo da leguminosa [13].
O ponto-chave é este: o ácido fítico em leguminosas não é um motivo de preocupação, desde que você coma com moderação e que elas não estejam tomando o lugar de alimentos ricos em nutrientes na sua dieta. Isto é especialmente verdadeiro se você está pondo de molho os leguminosas antes de consumi-las.
Existe algum motivo para limitarmos as leguminosas na nossa dieta?
Se você leu até aqui, você pode pensar que eu sou um grande defensor da leguminosas. Não é o caso. Enquanto eles contêm nutrientes benéficos e fibras (que alimentam a flora intestinal), não são tão densas em nutrientes como outros alimentos Paleo como vísceras, carnes, peixes, mariscos, ovos e vegetais e, como eu mencionei acima, alguns dos nutrientes que elas contêm não são biodisponível devido ao ácido fítico [14]. Como maximizar a densidade de nutrientes é uma das coisas mais importantes que podemos fazer para melhorar nossa saúde, eu acho que faz sentido limitar o consumo de leguminosas a algumas vezes por semana, e prepará-las adequadamente (ou seja, deixar de molho por 18 horas e cozinhar completamente) quando você comê-las.
Outra razão pela qual algumas pessoas podem precisar de evitar legumes é que eles contêm FODMAPs, que são carboidratos mal-absorvido por algumas pessoas e podem causar gases, inchaço e outros sintomas digestivos.
FODMAPs são, provavelmente, os principais motivos pelos quais os feijões têm esse efeito em algumas pessoas. Mas nem todo mundo é sensível a FODMAPs, de modo que este não é um motivo para evitar todas as leguminosas. Isso é como dizer que todos devem evitar marisco porque algumas pessoas são alérgicas a eles.
Considerações finais e uma cautela sobre o dogma Paleo
Leguminosas não são necessárias para a saúde humana. Elas não contêm nutrientes que não podemos obter de outros alimentos, muitas vezes com menos problemas (ou seja, sem necessidade de passar por métodos de preparação extensa para tornar os nutrientes mais biodisponíveis).
Dito isto, se você as aprecia, tolera bem, e está dispostos a prepará-los adequadamente, não há nenhuma evidência crível mostrando que elas vão prejudicá-lo quando consumidas com moderação no contexto de uma dieta densa em nutrientes – independentemente de serem ou não "Paleo". O mesmo pode ser dito para muitos outros alimentos da "área cinzenta" que são populares na comunidade Paleo, como chocolate amargo, álcool, farinha de castanhas e produtos lácteos ricos em gordura (como manteiga e ghee).
Eu fui recentemente criticado na mídia social por parte de alguns defensores da "Dieta Paleo" por meus comentários sobre leguminosas no segmento do Dr. Oz. Eles insistem que as leguminosas são "não-paleo" e que causam danos. Quando eu lhes pedi para provar essas alegações, quase exclusivamente apontaram para o trabalho do Dr. Loren Cordain. Dr. Cordain escreveu o primeiro livro do mercado de massa sobre nutrição Paleo e tem publicado vários artigos científicos sobre o tema – a maioria dos quais eu li. Tenho um grande respeito por sua contribuição.
Mas a idéia de que uma única autoridade é únicamente capaz de interpretar a pesquisa sobre um tema tão diverso como a nutrição Paleolítica, e que a sua opinião é infalível e inatacável, é dogma, não ciência. O dicionário Merriam Webster define dogma como "uma crença ou conjunto de crenças que é aceita pelos membros de um grupo sem ser questionada ou posta em dúvida." Dicionário Google define como "um princípio ou conjunto de princípios estabelecidos por uma autoridade como indiscutivelmente verdadeiro . "
Eu sinto fortemente que temos de nos proteger contra isso, tanto para o nosso próprio benefício e se queremos que a Paleo seja levada a sério pela comunidade científica e instituição médica convencional. Devemos estar sempre prontos a questionar até mesmo as nossas crenças mais queridas, e preparados para mudar nossas mentes em face de novas evidências. E é imperativo que nós apliquemos os mesmos padrões de pensamento crítico aos argumentos Paleo que fazemos aos argumentos convencionais.
Não sou de nenhuma maneira perfeito a este respeito. Eu tive vendas nos olhos no passado sobre determinadas questões (minha postura sobre frutose e de ocorrência natural de gorduras ômega-6 em alimentos como abacates vêm à mente), tenho certeza que eu tenho pontos cegos agora e não serei imunes a eles no futuro. Infelizmente, a tendência a sucumbir ao pensamento de grupo parece ser uma parte conectora da natureza humana. Como clínicos, pesquisadores e cientistas, tudo que nós podemos fazer é esforçar-nos para sermos mais rigorosos e consistentes em nosso pensamento, e apoiar uns aos outros nesse processo.
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