Microondas, vacinas, transgênicos e homeopatia

Alguns dias atrás, fiz uma postagem falando sobre o kit de caneca lowcarb criado pela Didi D'Addio. Trata-se de sachês contendo 6 misturas pré-prontas para você preparar um pão ou cupcake lowcarb em qualquer canto – basta adicionar água ou leite vegetal (para manter a contagem de carbos baixinha) e aquecer no microondas.

Microondas??? MICROONDAS???

Pronto, foi despertada a fúria da polícia paleo. Recebi um monte de emails condenando o uso dos fornos de microondas, "porque são radioativos", "porque tornam a comida venenosa", e por aí foi.

O interessante é que nenhum dos reclamantes apontou evidências. Microondas fazem mal porque fazem mal, simples assim.

É engraçado (só que não!) como todo mundo que pratica paleo/lowcarb adora falar de evidências científicas, mas na hora do "vamos ver" tantos apelam para a crença em detrimento da evidência. Camaradas, esse blog foi construído sobre um princípio básico:

Em se tratando de ciência o que eu acho ou deixo de achar é irrelevante. A questão é o que eu consigo evidenciar. 


Exemplos do mundo moderno:


  • Há uma onda anti-vacinação. Aqui no Brasil está crescendo, mas em outros países já virou caso de saúde pública. Doenças praticamente erradicadas em países desenvolvidos, como o sarampo, estão voltando com força total. Como é que pessoas esclarecidas podem acreditar que vacinas são ruins para seus filhos? Será que se esqueceram de quanta gente morria por isso, doenças agudas, em tempos pré-medicina moderna? Não há evidências sólidas de que vacinas "causem autismo" (um dos "grandes argumentos" para não vacinar).
  • As pessoas não consomem transgênicos, mesmo na ausência de evidências de que façam mal. Vejam bem, eu não consumo transgênicos (ou pelo menos nada rotulado como transgênico). Mas por que? Porque o que há de transgênico no mundo hoje basicamente são grãos cereais e leguminosas. Milho, milho, arroz e soja, esmagadoramente. Eu não deixo de comer essas coisas por serem transgênicas... não como porque simplesmente são uma fonte concentrada de carboidrato (e glúten!) que não cabe na minha dieta. Já estou ouvindo a polícia paleo estacionando na minha porta para dizer que transgênicos são cancerígenos, causam autismo, causam Alzheimer, esvaziam o pneu da sua bicicleta, batem no seu cachorro e fogem com a sua mulher e seus filhos. Seu guarda paleo, por favor me mostre as evidências. "Ah, mas ninguém sabe o que pode decorrer do consumo prolongado de transgênicos". Ok, então deixe de comer por precaução, não por certeza – ela não tem embasamento.
  • As pessoas consomem remédios homeopáticos. Homeopatia é fantasia, simples assim. Se você pega uma substância e dilui em água sucessivamente até que não reste uma única molécula do princípio ativo, a água não vai "lembrar-se". Isso seria magia, amiguinhos. Química não funciona desse jeito, e magia não existe. Não há evidências de que homeopatia funciona, e há muitas evidências de que ela não funciona. Se "funcionou para você", duas considerações:
    • Você é uma amostra estatística insignificante. Ainda que "tenha funcionado" para você e toda a sua família, continua sendo insignificante. O método científico, quando aplicado "direito", exige estudos controlados, com grandes grupos, revisados por pares, com duplo-cego, etc.
    • Pode ser efeito placebo. É amplamente sabido que acreditar no efeito pode produzir esse mesmo efeito. Mas não funciona para todo mundo, e nem deve ser usado como ataque primário a qualquer condição de saúde – especialmente se você está aplicando a pessoas incapazes de decidir por si mesmas. Uma coisa é o Steve Jobs adotar dieta vegana para combater um câncer dele. Outra coisa é um pai forçar seu filho a comer dieta vegana para curar um câncer. E sim, atualmente o Marcelo Rezende trocou a quimioterapia por dieta low-carb, no combate a um câncer de fígado e pâncreas. Eu torço por ele, mas o que a evidência atual me diz é que ele está se colocando em risco. E se funcionar para ele? Bem, vide a questão da amostra insignificante, acima. Não dá para pegar casos não-controlados e inferir regras. Meu avô paterno nunca bebeu, e morreu de cirrose. Então não beber causa cirrose? Claro que não.

Mas voltemos ao microondas... Eu até pensei em fazer uma looooonga pesquisa e refutar os medos mais comuns dos anti-microondas. Mas aí vi que o Chris Kresser já fez isso, e de maneira muito mais completa e bem-estruturada do que eu faria.

Então, com vocês....

Os fornos de microondas são seguros?


Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Chris Kresser

Microondas. Esses dispositivos úteis são a fonte de um grande debate na comunidade de saúde on-line, e não é difícil ver o porquê: a idéia de aquecer seus alimentos usando radiação de microondas pode parecer um pouco duvidosa.

Neste artigo, vou dar uma olhada nas evidências de algumas das preocupações mais comuns com os. Eles vazam radiação? Destroem os nutrientes nos alimentos? Desnaturam proteínas e tornam o alimento tóxico para nossos corpos? Em primeiro lugar, vamos começar com o básico. Como eles funcionam?

Como funcionam os fornos de microondas?


O forno de microondas usa radiação de microondas para aquecer alimentos. A radiação eletromagnética (EM) existe em uma variedade de comprimentos de onda, sendo que os comprimentos de onda mais curtos (como raios-x e raios gama) possuem maior energia do que os comprimentos de onda mais longos (como ondas de rádio). No espectro EM (ilustrado abaixo), microondas ("microwaves") ficam entre rádio e ondas infravermelhas.


Cada nível de radiação tem efeitos diferentes sobre as moléculas com as quais interagem. As microondas contêm energia suficiente para induzir a rotação molecular, que é a forma mais baixa de energia, mas não tem energia suficiente para induzir vibrações moleculares, excitação de elétrons ou ionização. As microondas têm o maior efeito sobre as moléculas de água, devido à sua estrutura polar, e essas moléculas de água, rodando rapidamente, transferem energia sob forma de calor para as outras moléculas nos alimentos.

Microondas vazam radiação?


Uma preocupação que muitas pessoas têm sobre os fornos de microondas é o simples fato de que eles emitem, bem, microondas. A exposição à radiação de microondas não foi associada ao câncer e à infertilidade? A evidência é mista; A pesquisa mais publicada conclui que a exposição de baixa intensidade a microondas não representa um risco significativo à saúde humana. (1, 2, 3) Mesmo que isso acontecesse, só seria problemas se as microondas escapassem do forno e encontrassem seu corpo – o que (como você verá abaixo) é improvável.

O FDA exige que os fornos de microondas não emitam mais de 5mW/cm2 de radiação a uma distância de 5cm do microondas. Eles também apontam para o fato de que a radiação de microondas se dissipa rapidamente à medida que você se afasta da fonte, então uma medida tomada a 50cm do microondas seria cerca de 1/100 da medida tomada a 5cm. Esta é uma boa notícia, porque significa que, para evitar a radiação do seu microondas, tudo o que você precisa fazer é afastar-se, enquanto a comida está sendo aquecida.

A outra boa notícia é que, em geral, as emissões reais de microondas parecem ficar abaixo do máximo mandatado pelo governo federal. Um estudo publicado em 2013 sobre microondas na Palestina descobriu que o vazamento de radiação medido a um metro do microondas variou de 0,43 a 16,4μW/cm2 , com uma média de 3,64μW/cm2 (4). Um levantamento de 2001, sobre fornos de microondas na Arábia Saudita, concluiu com 95% de probabilidade, que um microondas vaza entre 0,01 e 2,44mW/cm2 a uma distância de 5cm, e apenas 1 em 106 microondas pesquisados ultrapassava o limite da FDA. ( 5 )

Por comparação, um estudo de 2013 mediu a radiação de microondas emitida por telefones celulares a uma distância de 3,5cm do telefone e encontrou níveis de 10 a 40μW/cm2 durante uma chamada e 0,35 a 10,5μW/cm2 quando em espera (6). Com base nesses números, ter um telefone celular em seu bolso no modo silencioso expõe-o a aproximadamente o mesmo nível de radiação de microondas que fica a um metro do seu microondas enquanto está aquecendo alimentos.

Honestamente, simplesmente não pressione o rosto contra a porta do microondas enquanto a comida estiver cozinhando e fique a alguns metros de distância se puder. Se você estiver preocupado com a exposição à radiação de microondas, provavelmente seria melhor livrar-se do seu celular do que seu forno de microondas. (Mas esse é um tópico para outro dia).

As microondas tornam as proteínas tóxicas?


Agora, vamos falar sobre o efeito do aquecimento por microondas nos alimentos. Uma das reivindicações citadas é que as microondas podem "desnaturar" proteínas, tornando-as tóxicas para o corpo humano. Em primeiro lugar, penso que existem alguns equívocos sobre o que é exatamente "desnaturação". Contrariamente ao que a palavra é frequentemente usada, isso não significa que uma proteína tenha mudado de maneira não-especificada, ficando mais tóxica. Quando uma proteína é "desnaturada", isso significa especificamente que se desdobrou e perdeu sua forma tridimensional, mas todos os aminoácidos da proteína ainda estão ligados.

O calor em geral desnatura as proteínas, então cozinhar seus alimentos (usando qualquer método de aquecimento) desnaturará as proteínas. Cozinhar pode até ser definido como "aquecer o suficiente para desnaturar as proteínas" (7). As alterações no pH também desnaturam as proteínas. Na verdade, adivinhe qual é a uma das funções do ácido estomacal? Desnaturar as proteínas que você ingerir! As proteínas devem ser desdobradas (desnaturadas) antes que as enzimas digestivas possam separá-las em aminoácidos individuais para serem absorvidos no intestino delgado. "Proteínas desnaturadas" não soam tão assustadoras, não é?

Talvez o que as pessoas tenham em mente quando se referem a "desnaturação de proteínas" é, na verdade, isomerização de aminoácidos. Este é um processo completamente diferente, mas é uma mudança que realmente afeta o valor nutritivo das proteínas. Sem entrar na química, os aminoácidos podem existir em duas configurações, denominadas D e L, e a isomerização é o processo pelo qual um aminoácido passa de uma configuração para a outra. Nossos corpos quase exclusivamente usam a forma L de aminoácidos, mas as mudanças de pH e o calor podem fazer com que os aminoácidos nos alimentos se isomerizem nas formas D, que não podem ser digeridas ou utilizadas de forma eficiente pelo nosso corpo. ( 8)

Alguns estudos em que grandes quantidades de D-aminoácidos isolados são dados a roedores apresentam potenciais efeitos nocivos, mas não há evidências de que os níveis de D-aminoácidos normalmente encontrados nos alimentos sejam prejudiciais (9). Além disso, muitos alimentos (como laticínios crus e algumas frutas e vegetais) contêm naturalmente baixos níveis de D-aminoácidos.

Em qualquer caso, não parece haver uma diferença significativa nos níveis de D-aminoácidos em alimentos cozidos no microondas em comparação com alimentos aquecidos convencionalmente. Um estudo realizado em 1989 encontrou níveis mais altos de D-aminoácidos em alimentos aquecidos por microondas em comparação com outros métodos de aquecimento (10), mas vários estudos mais recentes não encontraram diferença (11, 12, 13, 14, 15). Além disso, o consenso geral parece ser que se mais D-aminoácidos são formados, é devido principalmente ao excesso de aquecimento ou distribuição de temperatura desigual, em vez de um efeito específico das próprias microondas.

As microondas destroem nutrientes?


No que diz respeito às vitaminas, minerais, antioxidantes e fenóis das plantas, a retenção não parece depender do método de cozimento. Os níveis de retenção de nutrientes foram por vezes maiores em alimentos preparados com microondas e às vezes menores, dependendo do tempo, temperatura e quantidade de água utilizada no processo de cozimento (16, 17, 18, 19, 20).

Em geral, os nutrientes dos alimentos são perdidos durante qualquer tipo de cozimento e mais nutrientes são perdidos quando a temperatura é maior ou o alimento é cozido por mais tempo. As vitaminas solúveis em água são facilmente eliminadas no líquido de cozimento (nenhuma surpresa nisso!), então os alimentos fervidos tendem a resultar em maiores perdas de nutrientes do que os feitos no microondas com uma pequena quantidade de água (a menos que você beba a água em que você ferveu a comida, e nesse caso em que você vai receber a maioria dos nutrientes).

Como um último ponto de dados interessante, um estudo publicado em 1995 usou ratos para analisar os efeitos globais in vivo de uma dieta preparada em microondas. A dieta consistiu em carne, batatas, vegetais e um pouco de óleo, cozidos no microondas ou convencionalmente, e foi dada a ratos durante 13 semanas. Para ampliar os efeitos adversos do cozimento em microondas, os autores do estudo adicionaram dois grupos experimentais adicionais que receberam alimentos "abusados", que foram reaquecidos e refrigerados algumas vezes de forma convencional ou no microondas (21). Ao final de 13 semanas, eles não encontraram efeitos adversos do cozimento em microondas nos ratos.

Não tenha medo do microondas!


Em conclusão, os fornos de microondas não são tão assustadoras quanto algumas pessoas imaginam. Sim, eles são outra fonte de radiação de microondas em sua casa, mas os níveis são extremamente baixos, e podem ser quase inteiramente evitados, simplesmente afastando-se enquanto a comida está sendo aquecida. E em comparação com a radiação de microondas de outros dispositivos (particularmente telefones celulares), a radiação do seu forno de microondas é insignificante.

Além disso, não há evidências de que as microondas prejudiquem o perfil nutricional dos alimentos. Como os fornos são um dispositivo relativamente novo, eu prefiro pensar que eles são "culpados até que se prove inocentes" e não o contrário, mas dado o que sabemos sobre a radiação EM e seus efeitos sobre as moléculas de alimentos, não existe realmente um mecanismo pelo qual as microondas podem destruir nutrientes, que não seja o simples o calor. E o calor, é claro, é um problema, independentemente do método de cozinhar!

Se você ainda é cético dos microondas depois de ler isso, simplesmente use qualquer método de cozinha que te deixe confortável. Eu talvez seja um dos poucos esquisitos do mundo que ainda não usa um microondas, mas não posso dizer que é por causa de qualquer preocupação de segurança ou preocupação científica. Eu nunca gostei do que eles fazem com a textura de certos alimentos, e por qualquer motivo, nunca consegui usar um.

Mas se você gosta da conveniência de um microondas, não tenha medo de usá-lo - especialmente se usar o microondas para preparar sua comida faça a diferença entre aquecer aquele belo resto de carne ou pegar uma barrinha de cereal para comer!

Nota do tradutor: embora eu muitas vezes caia em falácias ou seja levado a raciocínios errados (como no caso das formigas lowcarb), procuro sempre me manter na rota da ciência. Se aparecerem evidências fortes de que homeopatia funciona (por algum motivo misterioso mas provável), que vacinas causam mais problemas do que evitam ou que microondas são perigosos, não tenham dúvida: eu vou ter que engolir. É isso que faz uma pessoa de ciência que se preza: em vista de evidências fortes, ela engole o choro, o orgulho, e muda de opinião.

Ah, e se provarem que os grãos transgênicos fazem mal, eu vou continuar sem comê-los. Carboidrato demais para o meu gosto :-D

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