O que causa doença cardíaca ? Parte 5

Artigo traduzido por Décio Gazzoni. O original está aqui.

por Malcolm Kendrick


O primeiro estágio da doença cardiovascular é avaria do endotélio, a camada única de células que reveste as artérias. Após isso, é preciso ver o que acontece. Antes de olhar para o assunto com mais cuidado, gostaria de levá-lo de volta no tempo cerca de 160 anos. Foi quando os primeiros debates científicos sobre o desenvolvimento de placas estavam ocorrendo.

Rudolf Virchow e Karl von Rokitansky foram os proponentes de diferentes hipóteses naquele momento. Agradeço ao Professor Paul Rosch por fornecer informações sobre as ideias de Virchow. Ele forneceu essa descrição em um de seus boletins.

Rudolph Virchow foi o primeiro a demonstrar a presença de colesterol em ateromas em 1856. Ele descreveu a aterosclerose como “endarterite deformans”. O sufixo “ite” enfatiza que resulta de um processo inflamatório que fere o revestimento interno das artérias, e que os depósitos de colesterol começam a aparecer mais tarde.
Virchow foi bastante específico a respeito quando ele escreveu: “Não é possível deixar de considerar o processo como tendo surgido de uma irritação dos componentes, estimulando-nos para novas ações formativas; até agora, portanto, ele se encaixa em nossas ideias de inflamação, ou pelo menos dos processos que são praticamente aliados a inflamação.”
É possível distinguir um estágio de irritação que precede a metamorfose gordurosa, comparável ao estágio de inchaço, turbidez e alargamento que se observa em outros pontos de inflamação. Portanto, não hesito em tomar partido do antigo ponto de vista sobre esta questão, e em admitir que uma inflamação do revestimento interno arterial é o ponto de partida da chamada degeneração ateromatosa e os depósitos de colesterol vieram mais tarde.

Então, mesmo há 160 anos atrás, eminentes professores reconheciam que placas ateroscleróticas começavam com a ‘inflamação do revestimento interno arterial’, ou seja, o endotélio. Os depósitos de colesterol vêm depois. Bem depois. Posto de outra forma, o colesterol não é a causa da placa, o aparecimento de colesterol em uma placa é parte do segundo estágio de desenvolvimento de placas.

Entretanto, ao mesmo tempo que concordava com esta observação, Karl von Rokitansky acreditava em uma hipótese extra.

Rokitansky propôs que os depósitos observados na camada interna da parede arterial eram derivados principalmente de fibrina e outros elementos do sangue ao invés de serem o resultado de um processo purulento. Subsequentemente, o ateroma resultava de uma degeneração da fibrina e de outras proteínas do sangue, e finalmente estes depósitos se tornavam uma polpa contendo cristais de colesterol e glóbulos gordurosos.


Posto de outra forma, ele acreditava que placas eram, na verdade, coágulos sanguíneos em diferentes estágios de reparo. Ele acreditava nisso porque as placas pareciam exatamente com coágulos sanguíneos, e continham tudo o que é encontrado em coágulos sanguíneos. Especialmente uma grande quantidade de fibrina, que é o componente principal de todos os coágulos sanguíneos. No entanto, Virchow discordou desta ideia por um motivo simples. ‘Como pode um coágulo sanguíneo se formar dentro da parede arterial?’ Ou seja, como pode um coágulo sanguíneo se formar sob o endotélio. Um argumento interessante, e Rokitansky não tinha uma boa resposta. Então ele perdeu a discussão.

Porém, existe uma explicação muito simples para como exatamente um coágulo sanguíneo pode ser encontrado sob o endotélio: porque o endotélio não estava lá quando o coágulo se formou. Ele cresceu em cima do coágulo posteriormente, o que nos leva para Células Progenitoras Endoteliais (CPEs).

Depois da minha última postagem, um leitor fez o seguinte comentário.

E então... o coágulo, agora preso sob o novo endotélio, se torna placa? Se for verdade, parece ser um processo de cicatrização estupidamente “projetado” :-).

Superficialmente, é um bom argumento. Simplesmente incorporar coágulos na parede arterial, onde uma placa é formada que posteriormente é fatal, não parece ser uma boa ideia. Porém, peço que considere o que aconteceria com um coágulo sanguíneo, que encontra-se dentro da parede arterial, que simplesmente se soltasse e pegasse carona na corrente sanguínea. O que aconteceria?

A resposta é simples: ele entupiria a artéria conforme ela se estreitasse. Isso poderia causar um derrame, ataque cardíaco ou algo do gênero. Exatamente como ocorre com a fibrilação atrial, em que pequenos coágulos que se soltam dos átrios se deslocam até o cérebro e se prendem. O corpo não gosta de coágulos sanguíneos andando soltos pelo sistema arterial.

Então isto não acontece/é impedido de acontecer. Quando o endotélio é avariado, um coágulo se forma sobre este ponto. É verdade que uma certa quantidade/uma boa parte deste coágulo irá ser raspado em pedaços pequenos (não grandes o suficiente para criar um derrame), mas um ‘núcleo’ permanecerá. Isto precisa ser eliminado de alguma forma.

Como fazer isso? Só existe uma maneira possível. Primeiramente, cobri-lo com outra camada de endotélio, e depois atacá-lo, decompô-lo e destruí-lo. E isso é exatamente e precisamente o que o corpo faz.

Depois que um coágulo sanguíneo estabiliza, Células Progenitoras Endoteliais (CPEs), que são produzidas na medula óssea e andam soltas pela corrente sanguínea, são atraídas para o coágulo. Elas grudam nele, e então crescem até se tornarem células endoteliais completamente maduras, formando uma nova camada de endotélio, efetivamente puxando o coágulo para dentro da parede arterial. Então o coágulo é atacado e eliminado. Como?

Um fato crítico a ser mencionado aqui é que CPEs nem sempre se tornam células endoteliais, elas também podem seguir um outro caminho de desenvolvimento. Elas podem se tornar monócitos, que por sua vez se tornam macrófagos. Macrófagos são as células de ‘limpeza’ do sistema imunológico. Elas atacam material estranho e então o engolem. Após isso, elas retornam à corrente sanguínea ou se deslocam diretamente para o sistema linfático, e são então transportadas para glândulas linfáticas, onde elas são desmanteladas e todo o ‘material estranho’ é descartado.

O corpo é extremamente esperto, não é? Após o dano ao endotélio, e a formação de um coágulo, as CPEs não apenas cobrem a área danificada, mas elas também se tornam as próprias células que limpam o coágulo/placa e o eliminam. Então, este não é um processo de cicatrização estupidamente projetado de forma alguma. É absolutamente brilhante. Na verdade, provavelmente está acontecendo dentro das suas artérias neste exato momento.

Os problemas começam a acontecer quando o processo de dano endotelial ocorre rápido demais se comparado à capacidade de limpeza do sistema de cicatrização. Danos endoteliais repetitivos e formação de coágulos no mesmo ponto, repetidamente. Neste momento, ao invés de ter cicatrização de coágulos/placas, acaba ocorrendo crescimento e desenvolvimento de coágulos/placas. Ou como Rokitansky escreveu de forma tão eloquente:

Subsequentemente, o ateroma resultava de uma degeneração da fibrina e de outras proteínas do sangue, e finalmente estes depósitos se tornavam uma polpa contendo cristais de colesterol e glóbulos gordurosos.
A seguir: formação de coágulos e problemas associados.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

LCHF para iniciantes

O custo humano da insulina na América

Jejum, uma história