Os pombos de Skinner


Alguns meses atrás, li um livro chamado "The Handmaid's Tale", de autoria de Margaret Atwood. 

Nele, em um futuro distópico duas coisas aconteceram:



  1. A capacidade reprodutiva dos humanos decaiu por conta da poluição e de doenças sexualmente transmissíveis. Isso fez com que mulheres jovens e férteis fossem reduzidas à condição de reprodutoras apenas, em regime de escravidão.
  2. O governo dos EUA foi substituído por uma teocracia militar cristã, muito similar em hábitos ao que vemos no Afeganistão e seus talibãs. O país foi rebatizado como "República de Gilead" e os "comandantes", chefes militares mais velhos, tinham direito a concubinas além de suas esposas oficiais. As concubinas eram usadas apenas para reprodução, numa tentativa de reverter o declínio populacional, e as relações sexuais – estupros – entre os chefes e elas aconteciam sempre na presença das esposas.


Não vou entrar em detalhes sobre a história, que é extremamente deprimente, mas recomendo a leitura. No entanto, algumas coisas do texto fizeram acender diversas luzinhas na minha cabeça. A narradora – Offred – relembra sua vida pré-Gilead, e em determinado momento fala sobre um experimento que estudou na faculdade de psicologia:

"... e então o experimento com pombos treinados para bicar um botão, o que fazia um grão de milho ser liberado. Três grupos de pombos: o primeiro ganhava um grão por bicada, o segundo ganhava um grão a cada duas bicadas, e o terceiro ganhava um grão aleatoriamente. Quando o responsável interrompia a liberação dos grãos, o primeiro grupo desistia rapidamente; o segundo grupo, pouco depois. O terceiro grupo nunca desistia. Eles bicavam até morrer, mas não abandonavam a tarefa. Vai saber a que horas funcionaria ?" (Tradução livre, direto do inglês)

No livro, o trecho é uma alegoria ao fato de que os chefes estupravam suas escravas na esperança de conceber filhos. Como a concepção é aleatória e prejudicada pelos fatores listados anteriormente, as "tentativas" poderiam se estender indefinidamente até que estupradas ou estupradores morressem, sem sucesso em gerar bebês. Os pombos bicariam até a morte.

Não achei referências no mundo real sobre o experimento citado, mas obviamente a autora faz alusão o trabalho conduzido por B. F. Skinner nas décadas de 1930-1970 – a partir dos quais Skinner desenvolveu suas hipóteses de psicologia comportamentalista. Um trecho da Wikipedia sobre os testes com pombos feitos por ele:

É possível um pombo ter superstição? A superstição humana é um fenômeno complexo e sua história de desenvolvimento na vida das pessoas ainda não é compreendida. A despeito da complexidade, os fenômenos, ou aspectos deles, tem sido investigados pelos cientistas por meio de modelos animais. Skinner chegou a estudar o efeito da liberação de alimento em intervalos de tempo fixo e variável a pombos. Independente do que os pombos fizessem em uma caixa, um alimento era liberado e o pombo podia então consumi-lo. Ele observou que os pombos, durante algum tempo passavam a se comportar como se a comida estivesse associada ao que eles estavam fazendo. Um dos pombos passou a mover a cabeça para um lado e para o outro, enquanto outro dava voltas na gaiola, e assim por diante. Skinner chamou esse padrão de comportamento supersticioso. Seus trabalhos foram pioneiros nesta área e impactantes para toda uma geração de pesquisas sobre superstição na psicologia experimental.

Quantas pessoas você conhece que entram e saem de dietas da moda, e repetem esse comportamento indefinidamente ? Dieta do repolho, emagrece 5kg. Sai, engorda 5kg. Dieta da sopa, emagrece 8kg. Sai, engorda 8kg ou mais. Dieta da lua, do tomate, da revista Caras, da Ana Maria Braga, do Gugu, dieta convencional. Quantas delas vão seguir bicando aleatoriamente, à espera de um resultado duradouro para o seu problema ? Quantas farão isso até o fim da vida, num eterno efeito safona ou mesmo desistindo completamente e entregando-se ao ganho de peso descontrolado ?

É difícil não soar piegas e nem parecer dono da verdade, principalmente porque dietas de restrição calórica funcionam para algumas pessoas. O problema é que nosso cérebro insiste me nos pregar peças e nos faz confundir a exceção com a regra

Desde o final dos anos 1950, sabemos que a maioria esmagadora das dietas convencionais baseadas em restrição calórica simplesmente falha:

A maioria das pessoas obesas não vai permanecer no tratamento para obesidade. Daqueles que permanecem, a maioria não vai perder peso, e daqueles que perdem, a maioria vai recuperá-lo [1]

As estatísticas do estudo de Stunkard e McLaren-Hume mostraram que apenas 12% dos pacientes perderam 9kg, embora tivessem dezenas a perder; apenas 1 pessoa em 100 perdeu 18kg e, 2 anos depois, apenas 2% dos pacientes tinham mantido uma perda de 9kg. 

Isso dá um total de 98% de falhas em dietas convencionais de restrição calórica. NOVENTA E OITO POR CENTO. 

Eu sempre cito/parafraseio a analogia do Teco Mendes, quando ele pergunta "quantas pessoas voariam do Brasil para a Europa, se soubessem que 98% dos aviões caem no meio do Atlântico ?"

Infelizmente, nos concentramos nas exceções: vemos as fotos de quem "chegou à Europa" fechando a boca e malhando muito, idolatramos os poucos pombos cujas bicadas produziram aleatoriamente um grão de milho. A barriga deles está cheia, mas quais as chances de termos a mesma sorte ? 

Referências


  1. Stunkard A. and M. McLaren-Hume, “The results of treatment for obesity: a review of the literature and report of a series”, Archives of Internal Medicine, (1959).

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