FUD: ratos na Coca-cola e no miojo, estatinas no hamburguer e o roubo da história de cada dia
Você sabe o que é FUD ?
A sigla, em inglês, quer dizer "Fear, Uncertainty and Doubt" - que traduzindo literalmente, é "Medo, Incerteza e Dúvida": uma prática de marketing que consiste em desacreditar o concorrente espalhando desinformação sobre o produto rival.
O termo não é novo: há referências ao seu uso desde os anos 1920. Mas ele foi tornado popular pelas práticas da IBM nos anos 1970: quando Gene Amdahl deixou a IBM para abrir sua própria fábrica de computadores, os vendedores da IBM passaram a deixar comentários "preocupados com a qualidade dos computadores Amdahl" por onde quer que fossem tentar vender. Algo do tipo "Mas é uma empresa nova, será que os computadores são confiáveis mesmo ? Você vai arriscar ?".
Exemplos mais recentes envolvem:
- A Microsoft afirmando que "o custo total de se manter um sistema Linux é maior que o de um Windows" - quando "se esquecia" de dizer que estava comparando um sistema Linux funcionando em um SERVIDOR caríssimo e um sistema Windows funcionando em um computador BARATO.
- A Apple afirmando que "desbloquear o iPhone poderia deixá-lo vulnerável a ataques de hacker", sem ter evidência alguma.
FUD, embora seja moralmente condenado em muitos países, é uma prática aceita nos EUA. O que nos leva aos ratos.
Ratos ? Sim, aqueles que foram encontrados na Coca-Cola e no Miojo alguns meses atrás:
A coisa mais saudável nessa foto, é o rato
No primeiro caso, alegava-se que a contaminação de uma garrafa de Coca-Cola com um rato e possivelmente outros produtos químicos, causou degeneração neuro-muscular irreversível no entrevistado. Imediatamente surgiram dezenas de vídeos em resposta ao caso, alegando que era jogada de marketing para alavancar as vendas do "Leão de Judá Cola", um refrigerante fabricado por uma empresa do Bispo Edir Macedo - que também é dono do canal de TV que veiculou a notícia. Até aqui, a briga é de cachorro grande - e não vou entrar nessa seara específica.
No segundo caso, um ratinho foi empacotado junto com o macarrão instantâneo mais amado do Brasil - mas ninguém sofreu danos físicos, a não ser o próprio roedor e a imagem da marca.
Conversando com muita gente na época (e até hoje, quando tocam no assunto), eu percebo algumas coisas: falhas de processo produtivo SEMPRE vão ocorrer. O achocolatado vai ser batizado com água sanitária em dado momento; vai cair pelo de rato no catchup algum dia; uma cabeça de galinha fatalmente vai passar inteira pela moagem e acabar parando num nugget; um rato vai ser embalado no pacote de macarrão eventualmente. Isso é estatisticamente inevitável: existem medidas de qual é "o tempo médio entre duas falhas" (MTBF - Mean Time Between Failures), e são usadas exaustivamente em engenharia de automação, administração da qualidade e áreas correlatas. Qualquer máquina vai falhar um dia, ainda que isso aconteça BEEEEEM de vez em quando.
Só que o ponto principal passou batido: o problema da Coca-Cola não é o rato que aparece a cada 10.000.000 de garrafas, e sim o Corante Caramelo IV, o acidificante, o aromatizante e as toneladas de açúcar e xarope de milho de alta frutose que aparecem em TODAS as garrafas. A reportagem até fala sobre a Coca-Cola brasileira ter muito mais Caramelo IV que a de outros países, e que o ingrediente por si, é "potencialmente cancerígeno". Sobre o santo açúcar, é claro, ninguém comenta nada.
Idem para o macarrão instantâneo lotado de glúten, carboidratos e sódio. Idem para o achocolatado e o catchup que são quase açúcar puro. Idem para o nugget com sua carga enorme de farinha de soja, açúcar e sal...
O problema atacado é o desvio do processo, e não o processo em si :-(
Ontem um leitor me alertou para o fato de que a rede de televisão australiana ABC tirou do seu website a edição do programa "Catalyst" que fala sobre estatinas. Nele, a médica/repórter Maryanne Demasi escrutina a demonização da gordura saturada e a febre do uso de estatinas.
O motivo alegado da remoção é o fato de que a ABC foi "questionada quanto à imparcialidade da produção". As estatísticas apontadas para os efeitos colaterais das estatinas (fraqueza muscular, perda de libido, confusão mental), que atingiriam entre 18 e 20% dos usuários, foram criticadas pelo Dr. Rory Collins (renomado cardiologista e pesquisador inglês) e ao que tudo indica, REALMENTE não tinham suporte numérico para serem feitas. O Dr. Aseem Malhotra, cujo artigo citava os valores, já publicou a sua errata. Idem para o Dr. John Abramson.
Mas aqui vem o pulo do gato: mesmo com as correções feitas, o Dr. Collins solicitou à editora do British Medical Journal, Dra. Fiona Godlee, que removesse completamente TODOS artigos que delineiam as estatísticas. Um trecho da resposta da Dra. Godlee está logo abaixo (grifos meus):
"Uma correção é suficiente nesse caso ? Collins entende que não. Ele solicitou a remoção de ambos os artigos. Diretrizes do Comitê Internacional de Ética de Publicações afirmam que jornais devem considerar remover uma publicação se houver evidência clara de que as descobertas não são confiáveis, tanto por desvio de conduta quanto por erro honesto. A questão no caso desses dois artigos é se o erro é suficiente para a retirada, dado que as afirmações incorretas em cada caso eram secundárias ao foco primário do artigo. No caso de Abramson e colegas, o foco era que os dados do CTT (N.T.: Cholesterol Treatment Trialists Collaboration - um conjunto de pesquisas estatísticas sobre o tratamento do colesterol, que acontece desde 1994) falhavam em mostrar que as estatinas reduzem o risco de morte em pessoas que tem um risco menor que 20% de ter doença cardiovascular em 10 anos; no caso de Malhotra, o foco era que a gordura saturada na dieta não é a causa principal de doença cardíaca."
Até o momento, foi destacada uma equipe sem conflitos de interesse para julgar o caso - e decidir ou não pela remoção. Sobre a requisição do Dr. Collins, você consegue perceber alguma semelhança com a figura abaixo ?
Só para constar, o único ponto que o Dr. Collins questiona é a escala dos efeitos colaterais. Ele não entra no mérito de as estatinas serem inefetivas para pessoas com risco cardiovascular baixo - e conforme pode ser visto no "Catalyst", já se sugeriu adicionar estatinas aos condimentos (Catchup com estatinas ? Nham-nham!) e até ao suprimento de água, tudo para prevenir!
A respeito do caso, o Dr. Abramson declarou:
Sim, pois o Dr. Collins afirma que há muito estudos confiáveis demonstrando a segurança das estatinas, feitos pela indústria farmacêutica, que ainda são privados ao seu time de pesquisadores. Ah, me esqueci de falar: Rory Collins recebeu fundos de pesquisa na ordem das centenas de milhões de libras nos últimos anos, vindos de empresas como AstraZeneca (fabricante do Crestor), Merck (fabricante do Vytorin e Zetia) e Bristol-Myers Squibb (fabricante do Pravachol). Também recebeu um prêmio de 50.000 libras da Pfizer (fabricante do Lipitor), pelo seu trabalho "exaltando os benefícios dos medicamentos", quando declarou:
Para mim, parece um conflito de interesses bastante forte.
Eu fico me perguntando o quão grande vai ser a mancha nas reputações de Aseem Malhotra, John Abramson e Maryanne Demasi. Será que estamos presenciando mais um roubo da história ?
A respeito do caso, o Dr. Abramson declarou:
"Isso levanta duas questões. Primeiro, o Dr. Collins está espalhando o medo ao dizer que 'vidas serão perdidas' como resultado dos nossos cálculos. Segundo, se o Dr. Collins acredita que a nossa análise não está correta, ele deveria publicar os dados de pacientes... Assim essa discussão poderia ser baseada em análise direta dos dados ao invés de confiar na representação dos dados dos fabricantes [de remédios]. A essa altura, acredito que não há desculpa para não tornar tais dados públicos e a persistência do segredo só aumenta o nível de suspeita do público."
Sim, pois o Dr. Collins afirma que há muito estudos confiáveis demonstrando a segurança das estatinas, feitos pela indústria farmacêutica, que ainda são privados ao seu time de pesquisadores. Ah, me esqueci de falar: Rory Collins recebeu fundos de pesquisa na ordem das centenas de milhões de libras nos últimos anos, vindos de empresas como AstraZeneca (fabricante do Crestor), Merck (fabricante do Vytorin e Zetia) e Bristol-Myers Squibb (fabricante do Pravachol). Também recebeu um prêmio de 50.000 libras da Pfizer (fabricante do Lipitor), pelo seu trabalho "exaltando os benefícios dos medicamentos", quando declarou:
"Temos por política não aceitar dinheiro pessoal de companhias farmacêuticas, exceto pelos custos de viagem e acomodações para reuniões científicas."
Para mim, parece um conflito de interesses bastante forte.
Eu fico me perguntando o quão grande vai ser a mancha nas reputações de Aseem Malhotra, John Abramson e Maryanne Demasi. Será que estamos presenciando mais um roubo da história ?
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