Sobre o tempo e os propósitos da vida
Gostaria de ter mais tempo para ler e escrever. Com esta pequena frase, resolvi começar este artigo sobre minhas reflexões sobre o tempo e os propósitos na vida. Tema bastante pertinente a ser dissertado em um blog sobre alimentação, saúde e emagrecimento, aliás.
Reconheço que minha motivação para propor este tipo de discussão filosófica aqui no Paleodiário não foi a mais agradável do mundo. Pelo contrário, foi até bastante sofrida. Nos dois últimos meses, tive um problema de saúde e sofri duas perdas pessoais. Graças a Deus, nada com minha família (ainda que eu não seja religioso, não existe uma expressão melhor para ser dita no momento).
Primeiro, um dos professores da faculdade que mais influenciaram minha carreira atual veio a falecer com pouco mais de sessenta anos. Ele era um homem doente, já havia enfrentado câncer, era tabagista inveterado e outras coisas mais. Não foi necessariamente uma surpresa ter morrido. Ainda assim, era um amigo querido e não estará mais aqui para compartilhar seu conhecimento. Quase no mesmo dia, perdi outra pessoa que também influenciou bastante minha carreira. Esta não era tão próxima em termos de convivência, mas o choque não foi menor por causa disso. Ela tinha idade próxima à minha e decidiu acabar com a própria existência. Sim, suicídio. Uma depressão profunda que não deu tempo de ser superada. Tudo acabou em segundos. Resumo da ópera: em menos de 24 horas, duas pessoas importantes se foram.
E, já que estávamos em agosto, para fazer jus ao ditado popular (“tudo o que é ruim nunca vem sozinho”), tive um dor nas costas muito forte, que eu suspeitava que fosse só uma crise de ciático. Mas, resolvi ir a um médico, porque, né, "só para garantir". O médico suspeitou que fosse isso também, só que, cuidadoso, pediu uma ecografia de abdome total. E o colega dele que fez a ecografia ficou com cara de capivara o tempo inteiro, sem dizer uma só palavra. Eu sou uma pessoa ansiosa por natureza. A ignorância me agonia profundamente. Aí, imaginem o somatório: um ansioso com dor, um médico que pediu um exame aparentemente desnecessário e outro médico que, por longos minutos, ficou passando um negócio gelado e melecado no seu bucho sem dizer uma palavra além de resfôlegos e sussurros incompreensíveis. Ao final, a cereja do bolo: “Pode se limpar e se vestir. O exame fica pronto hoje às 16h. Se o teu médico quiser discutir o diagnóstico, pede para ele me ligar”. Fechou a boca, levantou e saiu. Não consegui sequer falar “tchau. Foi um prazer para mim também”.
Fui ao banheiro do consultório limpar aquela gosma do ultra-som e colocar minhas roupas. Enquanto realizava a tarefa, comecei a refletir sobre os comentários e as caras do médico que recém havia me examinado e só consegui chegar a uma conclusão: “Minha doença é tão grave que nem sequer pôde me ser dita ali, na hora. Tenho pouco tempo de vida.” Saí dali e tomei o rumo de casa. De tão nervoso, dei uma ré no carro e arranhei o para-choque traseiro numa pilastra do estacionamento. “Foda-se. Vou morrer mesmo. O que isso importa?” Cheguei em casa perto das dez da manhã. Encarnei o ator de novela mexicana na frente da minha esposa. Ela riu. Achou que eu estava exagerando. Não me importei. Brinquei com minha filha até a hora do almoço e a levei na escolinha. Passei o resto do dia deitado no sofá, fazendo nada e sofrendo por antecipação até às 16h, quando levantei e fui buscar o exame.
Não era nada! Dois pólipos na minha vesícula de 4 mm, com características benignas. Pólipos de colesterol, apenas. Nada de mais a se fazer, exceto monitorar. Fiquei aliviado e ao mesmo tempo muito irado com o médico do ultra-som. Por que o sujeito não me disse na hora que não era nada? Por que me deixou passar mais de seis horas do meu dia vivendo com um miserável, achado que nada mais valeria a pena? O meu médico original, o que pediu o exame, riu de mim. Diagnósticos graves são comunicados na hora para o próprio médico que pede o exame e há um encaminhamento do paciente. Assim ele me contou. Aí, foi minha vez de rir também. Fui bobo. Deixei minha ansiedade hipocondríaca tomar conta do meu pensamento racional.
Este episódio juntamente com as perdas que vivenciei serviram para não me deixar esquecer que nosso tempo é limitado e este limite é imprevisível. Pode ser daqui a muito tempo ou pode ser para breve, já que o mundo é igualmente imprevisível. O que podemos fazer para viver nosso tempo sem entrar em pânico com a possibilidade de haver um fim para tudo logo à frente? Esta é a pergunta de um trilhão de dólares que todos deveríamos fazer e que muitos tentaram responder.
Normalmente, o que a maior parte da humanidade fez e faz é buscar alento nas religiões, por isso todas as crenças tem uma literatura própria versando sobre a vida após a morte. Como eu disse, não sou uma pessoa religiosa, por isso recorri à filosofia, especialmente à escola de pensamento chamada Estoicismo. Que fique claro que não estou condenando ninguém que busque orientação de vida em qualquer uma das centenas de religiões que existem no mundo. Cada um que faça o que achar melhor com sua vida. Vou expor aqui a minha forma de encarar a volatilidade do mundo e divulgar os meios para que outras pessoas, se por acaso se identificarem, possam buscar aprofundamento no tema.
O estoicismo surgiu na Grécia Antiga (onde mais?) no século III a.c., cujo, digamos, fundador foi Zenão de Cítio. Todavia, quem mais divulgou esta escola filosófica foram os romanos, especialmente o filósofo Sêneca e o imperador Marco Aurélio. Atualmente, um dos grandes pensadores a basear sua obra no estoicismo é, em minha humilde opinião, Nassim N. Taleb, o qual já deu as caras por aqui. Na sua essência, o estoicismo prega que como nós não controlamos os eventos externos, tudo o que podemos fazer depende de nossas ações e comportamentos. Ou seja, o que está a nosso alcance fazer, fazemos, o que não está, deixemos para lá. Isso parece uma linha de conduta tipo “vamos tapar o sol com a peneira” em uma primeira olhada, mas, analisando-se de maneira um pouco mais aprofundada, significa justamente utilizar o tempo limitado de que dispomos de maneira a aproveitá-lo com o que interessa de fato.
Exemplo clássico: adianta se estressar no trânsito quando o mesmo está lento? Sua raiva vai fazer os carros na sua frente andarem mais rápido? Com certeza, não vai. A única coisa que você vai conseguir é ter uma enxurrada de adrenalina e cortisol no sangue, fazendo a pressão sanguínea subir. Isso sim no longo prazo pode ter consequências. Então, o melhor a ser feito é colocar uma música, ouvir um podcast ou áudio-livro, relaxar e esperar as coisas se resolverem sozinhas. Não é algo fácil de fazer na prática, vide o meu caso com o ultra-som, mas é algo que se deve ter em mente sempre, para que se possa exercitar este tipo de atitude todo dia. Já que o mundo é imprevisível e as coisas vão acabar acontecendo, deve-se sempre tentar tirar proveito daquilo que não é agradável, embora nem sempre isso seja possível ou simples. A busca pelo aperfeiçoamento deve ser contínua. Tudo bem, mas aí a pergunta: como não se preocupar com as coisas que não estão em nosso alcance interferir, se muitas destas coisas podem nos ferir ou matar?
A resposta é que a filosofia estóica não prega a imprudência, a negligência nem o descaso com o perigo. Ela pode parecer niilista, mas no fundo, é exatamente o contrário disso. O que ela preconiza é o uso sábio do tempo que temos para as coisas úteis. Esta coisa útil pode ser o planejamento de uma viagem, levando-se em conta o que pode dar errado nesta viagem. “Perder tempo” em uma viagem respeitando os limites de velocidade, por exemplo, ou não ultrapassando sem ter certeza que a pista contrária está livre significa chegar um pouco mais tarde no destino, mas vivo e inteiro para aproveitar o resto da vida que resta. Na verdade, por mais que o percurso de uma viagem seja imprevisível devido a gama infinita de probabilidades e interações com os outros elementos em uma estrada, existem meios para se antever o que pode dar errado e se prevenir antes que aconteçam.
Este estudo da realidade é algo que Taleb descreve muito bem em suas obras, mas cuja regra de ouro pode ser resumida como “sempre analise o que você perde e o que você pode ganhar se agir de determinada maneira”. O intuito é chegar a uma matriz de retorno de “perdas mínimas, ganhos máximos”. No caso da viagem, agindo de maneira imprudente para se ganhar alguns minutos na estrada, corre-se o risco de uma perda muito grande (vida) para pouco ganho em termos de tempo (na média, estima-se que 15-20 minutos). Este tipo de raciocínio pode ser feito para qualquer aspecto da vida e qualquer tomada de decisão, inclusive para encontrar motivo para se seguir uma alimentação mais saudável.
Muita gente não consegue se livrar de certos hábitos alimentares, como se entupir de porcarias industrializadas. O motivo é simples: é bom demais! Todos temos nossas fraquezas em termos de comida e garanto que nenhuma delas se relaciona com um prato de salada. Minhas tentações alimentares, por exemplo, em ordem de grandeza são: sorvete, pastel frito, pé-de-moleque e torta de chocolate. Nada disso é saudável e meus pólipos na vesícula têm a ver com isso. Acabei consumindo mais de alguns destes alimentos nos meses de inverno, por conta do frio que faz aqui no Rio Grande do Sul onde moro (dias cinzas e frios me deixam mais propenso a comer coisas por puro prazer e não estou falando de brócolis) e das festinhas infantis que fui acompanhando meus filhos. Não engordei um quilo sequer, meus parâmetros sanguíneos ainda estão bem dentro dos limites, mas o meu HDL baixou e os triglicerídeos subiram um pouco, acendendo o sinal de alerta. Desta forma, resolvi vigiar mais de perto e maneirar na esbórnia para não me perder no caminho.
Envolve certo sacrifício fazer isso? Sim! Envolve perder um tempo a mais cozinhando e escolhendo alimentos mais saudáveis? Sim! É menos prazeroso? Absolutamente sim! Todavia, pensando nas perdas prováveis e nos ganhos potenciais, me parece uma equação razoável de se aceitar, pois se está, basicamente, escolhendo entre pequenos prazeres ao longo de um grande prazo ao invés de grandes prazeres em um curto prazo. Este tipo de escolha é muito difícil ainda para o ser humano, uma vez que a expectativa de vida que temos hoje, de mais de 70 anos, foi conquistada pela humanidade somente na segunda metade do século XX. Pouco tempo para nosso cérebro primitivo, pré-histórico, de mais de 200 mil anos, aceitar.
Até os anos 1950-60 a perspectiva para a maioria da população era casar cedo, ter filhos logo e não ficar fazendo muitos planos para o futuro, pois se podia morrer de muitas coisas diferentes, mesmo nas famílias com mais posses. Então, fazia sentido aproveitar ao máximo tudo de bom que a vida tinha para oferecer (fumo, álcool, drogas, doces). Hoje, com os avanços da medicina, uma amigdalite ou uma simples unha encravada infeccionada já não representam mais um grande risco para ninguém. As ameaças hoje se chamam diabetes, hipertensão e todas as suas consequências.
O que mudou? Mudou que hoje o longo prazo é algo concreto de acontecer para uma proporção da população muito maior do que há cinqüenta anos, mesmo entre os menos favorecidos. Contudo, a mentalidade do "viva intensamente, pois a vida é curta" persiste. Então, o povo ainda está se entregando aos prazeres da mesa farta e açucarada, com o diferencial de que, agora, as consequências disso aparecem. A equação se inverteu. Antigamente, pensar em ter um propósito de vida de longo prazo, buscar conhecimento para realizar este intento, maneirar nos hábitos para chegar na idade desejada, reduzir os riscos de que coisas ruins aconteçam era perda de tempo. Hoje, viver tão intensamente os prazeres momentâneos e sofrer consequências futuras é perder este tempo extra proporcionado pelo aumento na expectativa de vida. Em poucas palavras, o que se ganha é uma certeza efêmera à custa de uma opcionalidade futura. Este tipo de raciocínio é o âmago da filosofia estóica e colocá-lo em prática envolve um esforço diário de auto-controle para domar os instintos primitivos ainda fortes dentro de cada um de nós.
Nassim N. Taleb, filósofo estoico moderno. Vale a pena ler o que este ser humano escreve e fala.
Para concluir, todos nós que estamos aqui no PaleoDiário, seja lendo, comentando, divulgando ou produzindo conteúdo, fizemos a opção de investir tempo na busca de uma alimentação e de um meio de vida mais saudáveis, com o intuito de ganharmos mais tempo para realizarmos diversos propósitos ao longo da vida. Não é fácil, não é tranquilo, não é simples. Envolve mudar muitas crenças, quebrar diversos paradigmas e desagradar algumas pessoas, mas o que escolhemos comer é a única coisa sobre a qual temos controle e de acordo com a filosofia estoica, deve ser a principal coisa pela qual valeria a pena investir nosso tempo. Todo o resto poderia esperar.
Até a próxima!
Guilherme Ceolin é mais um animal bípede e tagarela tentando encontrar seu lugar no mundo, que calhou de ser biólogo e doutor em Botânica. Paga suas contas atuando como professor universitário federal na UFSM-FW, onde desenvolve projetos com temas ligados ao mundo das plantas, sejam elas bonitas ou feias, saborosas ou não. Se diverte, relaxa e desestressa lendo e escrevendo sobre divulgação científica (Deviante, onde também participa do Scicast Podcast) e literatura (Wattpad), brincando com os filhos, pesquisando ingredientes, cozinhando e comendo.
Guilherme Ceolin é mais um animal bípede e tagarela tentando encontrar seu lugar no mundo, que calhou de ser biólogo e doutor em Botânica. Paga suas contas atuando como professor universitário federal na UFSM-FW, onde desenvolve projetos com temas ligados ao mundo das plantas, sejam elas bonitas ou feias, saborosas ou não. Se diverte, relaxa e desestressa lendo e escrevendo sobre divulgação científica (Deviante, onde também participa do Scicast Podcast) e literatura (Wattpad), brincando com os filhos, pesquisando ingredientes, cozinhando e comendo.
Comentários
Postar um comentário