Dietas ricas em gordura prejudicam o microbioma?

Artigo traduzido por Larissa Hashimoto. O original está aqui.

por Chris Kresser


As pessoas na comunidades de saúde ancestral e Paleo tendem a seguir dietas LCHF (alto teor de gordura, poucos carboidratos). Afinal, quando você corta grãos, corta muitos carboidratos. Mas quais são as desvantagens? O que acontece com o seu microbioma numa dieta high-fat? Se você segue meu trabalho há um tempo, não vai ficar surpreso quando eu disser “Depende”.

Neste episódio nós iremos discutir: 

  • Questões sobre essas descobertas 
  • Muitas fibras e seu impacto em dietas high-fat 
  • Dietas low-carb e baixa em fibras podem ser prejudiciais 
  • Cada pessoa responde à dietas de altos níveis de gordura de uma forma 


Chris Kresser: Olá a todos, Chris Kresser aqui. Sejam bem vindos a mais um episódio da Rádio Saúde da Revolução. Esta semana nós temos uma pergunta da Carrie. Vamos ouvir.

Carrie: Oi, Chris. Aqui é Carrie Bennett do "Carrie B Wellness". Eu tenho uma dúvida a respeito da dieta high-fat e a saúde do microbioma intestinal quando eu estou instruindo meus clientes de nutrição. Depois de ler o livro dos Sonnenburgs sobre a saúde intestinal e o microbioma intestinal, me parece que a opinião deles é de que a gordura pode modificar a microbiota intestinal de um modo negativo. Eu gostaria de saber qual sua visão a respeito disso do ponto de vista da dieta paleolítica. Quero saber se os estudos que usaram como referência utilizaram fontes de gorduras ruins ao invés de gorduras de animais de alta qualidade alimentados com pasto, e saber qual sua opinião se high-fat é saudável para a microbiota intestinal. Obrigada.

Chris: Muito obrigado por enviar sua pergunta, Carrie. Este é um ótimo exemplo da complexidade das pesquisas modernas e onde elas normalmente erram. Alguns estudos realmente mostram um efeito adverso das dietas high-fat no microbioma, mas há muitas perguntas importantes que precisamos fazer sobre estas descobertas.

Questões sobre essas descobertas


  1. A primeira questão é se estes estudos foram feitos em ratos ou humanos. Frequentemente são feitos com ratos, ou outros animais, e simplesmente não está claro quão aplicáveis estas descobertas são para os humanos. Certamente alguns animais compartilham mecanismos fisiológicos com humanos, e nós aprendemos da pesquisa com animais, mas há algumas diferenças importantes também, e o microbioma e o sistema gastrointestinal são algumas.
  2. Segundo, qual a qualidade das gorduras utilizadas no estudo? Carrie citou isto na sua pergunta. A suposição em muitas das pesquisas por aí é de que gordura é gordura, então não importa o tipo de gordura utilizada. Eles frequentemente usam óleo de milho ou óleo de soja nestes estudos, particularmente nos estudos com animais, e eu não acho que essa é realmente uma suposição verdadeira – a de que todas as gorduras nos afetam da mesma forma. Nós sabemos que já existem alguns estudos que sugerem que óleos de sementes industrializados como óleo de soja e óleo de milho afetam o microbioma de uma forma diferente das gorduras tradicionais. Eu acho que se as pessoas abraçarem essa questão e houvesse mais estudos separando os diferentes efeitos de diferentes tipos de gorduras, nós veríamos maior apoio à ideia.
  3. A terceira questão é: qual é o contexto geral da dieta em que a alta ingestão de gordura está ocorrendo? Está é provavelmente a questão mais importante, em minha opinião. Deveria ser óbvio que os efeitos de manter uma dieta rica em gordura no contexto da Dieta Americana Padrão seriam muito diferente de ingerir muitas gorduras em uma dieta rica em nutrientes densos e alimentos não-processados, mas isto raramente é reconhecido nestes estudos. Nossos ancestrais caçadores-coletores, como você sabe, comiam principalmente carne e peixe, frutas silvestres e vegetais, castanhas e sementes, e algumas plantas ricas em amidos. Estas eram as principais fontes de calorias deles, enquanto as seis principais fontes de calorias na dieta industrializada atual são pão, sobremesas a base de grãos, pizza, bebidas adoçadas com açúcar, álcool e pratos a base de frango frito. Nós deveríamos mesmo acreditar que uma dieta high-fat numa alimentação de caçador-coletor a base apenas de alimentos não-processados afeta o microbioma da mesma maneira que uma dieta high-fat no contexto de uma dieta rica em alimentos processados e refinados? Eu acho que há bastante evidência que sugere que a resposta para esta pergunta é não.

Muitas fibras e seu impacto em dietas high-fat

Nós temos estudos que mostraram que a ingestão de muitas fibras mitiga possíveis efeitos adversos de uma alta ingestão de gorduras, e eu vou ler apenas alguns títulos de estudos sobre o assunto e então colocaremos os links nas notas do programa, mas um deles é “Fibra dietética insolúvel de bagaço de pera pode prevenir obesidade induzida por uma dieta rica em gorduras em ratos principalmente por melhorar a estrutura da microbiota intestinal”. Essencialmente, eles descobriram que fibras insolúveis da pera protegem conta os efeitos de uma dieta high-fat que poderiam afetar negativamente a microbiota intestinal.

Aqui vai mais um. “Ingestão de longo prazo de uma dieta rica em fibras probióticas e baixa em proteínas reduz o risco metabólico após administração de uma dieta high-fat e altera singularmente a microbiota intestinal e a expressão genética hepática”. Eles descobriram que consumir probióticos, que são fibras fermentáveis, reduz qualquer risco metabólico que seria causado por uma dieta high-fat e seus efeitos na microbiota intestinal e expressão genética.

E mais um. “Efeitos da fibra de cereais na resistência à leptina e sensibilidade em camundongos C57BL/6J alimentados com uma dieta rica em gordura/colesterol”. Fibras de cereais provavelmente não seriam minha forma preferida de aumentar a ingestão de fibras, mas não deixa de ser fibra e portanto afeta o microbioma intestinal e, neste caso, em ratos que eram alimentados com uma dieta de alta gordura e alto colesterol, a alta ingestão de fibras os protegeu contra a resistência à leptina e melhorou a saúde metabólica em geral.

O último é quase um “palavrão”, e se chama “Fibra dietética previne lipotoxicidade do fígado relacionada à obesidade ao modular o caminho da proteína aglutinadora de elementos reguladores do esterol em camundongos C57BL/6J alimentado com uma dieta rica em gorduras/colesterol”. Então este é bem similar ao que eu mencionei antes deste. Exceto que eles estão observando fibras em geral e se atentando à habilidade destas protegerem contra a lipotoxicidade à qual a obesidade está relacionada.

Não se preocupe se você não compreender tudo isso. Há muitos termos técnicos em alguns dos títulos destes estudos, mas a ideia central é que a fibra protege contra os possíveis efeitos adversos de uma dieta high-fat na microbiota intestinal.

Diante disto, acho que podemos concluir que os efeitos de uma dieta high-fat variam consideravelmente dependendo da qualidade geral da dieta. Contexto é tudo. Este é um dos enormes problemas relacionados à maneira como os estudos nutricionais são feitos hoje em dia, porque o objetivo é frequentemente isolado a uma única variável, especialmente em estudos randomizados controlados, e então determinam-se os efeitos de alterar apenas aquela única variável. Mas esta abordagem, embora possa ser útil se você está estudando os efeitos de uma droga versus placebo, não é muito realístico em se tratando de estudar os efeitos de mudanças nutricionais porque nós não vivemos na ala metabólica de um laboratório onde pode-se controlar todos os aspectos da dieta e apenas alterar uma variável.

Dietas low-carb e baixa em fibras podem ser prejudiciais

Agora, tendo dito isso tudo, eu acho que há algumas advertências importantes que eu gostaria de apontar aqui. Eu argumentei anteriormente que os riscos de uma dieta muito low-carb são os potenciais efeitos negativos na flora intestinal. Pode parecer contraditório com o que eu disse até agora, mas na realidade não. Se você pensar a respeito, isso apóia esta ideia.

Imagine que alguém começa a seguir uma dieta Atkins e está comendo muita gordura e pouquíssimos carboidratos, mas ainda segue de certa forma uma Dieta Americana Padrão. Essa pessoa não come um monte de comidas integrais ricas em fibras, como vegetais pobres em amido. Ela provavelmente não come nenhuma ou muito poucas frutas, e talvez não coma nenhum vegetal rico em amidos e fibras, pouca cebola, alho, alcachofra ou vegetais específicos conhecidos por sua fibra altamente fermentável. Ela pode comer um monte de junk food low-carb como tortilhas low-carb processadas e embaladas vendidas pela Atkins. Talvez coma um monte de queijo e laticínios, o que não é necessariamente um problema para mim se o indivíduo os tolera bem, mas neste contexto, em que estamos falando de fibras fermentáveis, latícinios não possuem nenhuma. Tal pessoa, neste tipo de dieta Atkins, poderia definitivamente sofrer alguns efeitos negativos de uma dieta low-carb high-fat, mas não devido à ingestão de gordura em si, e sim pela falta de fibra fermentável neste tipo de dieta.

Jeff Leach, que está envolvido com o "Projeto Intestino Americano", um expert em microbioma humano, escreveu um artigo interessante há um tempo atrás em que fazia uma alusão a isso, chamado “Desculpem-me, seguidores de low-carb, mas os seus microbiomas não gostam muito de vocês”. Neste artigo ele fala sobre algumas pesquisas muito informais que eles fizeram no Projeto Intestino Americano. Eu acredito que nunca foi publicado, mas eles apenas examinaram... o Projeto Intestino Americano é um projeto de sequenciamento do microbioma onde pessoas enviam uma amostra de fezes e têm o seu microbioma intestinal sequenciado. Eles possuem muitos dados de pessoas seguindo vários tipos diferentes de dietas porque quando você envia a amostra para eles, você tem que indicar que tipo de dieta você segue. Nem todo mundo faz isso, mas muitos fizeram. O que Jeff descobriu foi que pessoas que estavam seguindo uma dieta muito low-carb na realidade tinham um perfil do microbioma diferente das pessoas que comiam mais carboidratos. Mas como ele apontou no artigo, importava o tipo de dieta low-carb que eles estavam ingerindo. Por exemplo, se alguém estava numa dieta low-carb ou mesmo numa dieta cetogênica, mas estava maximizando a ingestão de vegetais ricos em fibras fermentáveis e possivelmente suplementando com amidos resistentes e outras fibras, então o microbioma dessa pessoa seria muito diferente do que o de alguém seguindo uma dieta low-carb como a Atkins que, como comentei, é muito pobre em fibras fermentáveis.

Certamente se alguém está seguindo uma dieta muito baixa em carboidratos e não está prestando atenção na ingestão de fibras, apenas reduzindo ou eliminando coisas como grãos e legumes, que são muito ricos em fibras, e também tubérculos ricos em amido, que são ricos em fibras, é mesmo preocupante. É o tipo de coisa ao qual alguém seguindo uma dieta de longo prazo muito baixa em carboidratos deveria prestar atenção. Eu já até argumentei que um monte de gente que está em dietas cetogênicas ou low-carb deveriam considerar a suplementação com fibras probióticas que sejam não-calóricas, para que não afete a ingestão de carboidratos e atrapalhe a cetose, mas isto poderia mesmo ajudar a aumentar a ingestão de fibras (que para nós do mundo moderno é muito mais baixa do que a dos nossos ancestrais paleolíticos e até mesmo de contemporâneos caçadores-coletores).

A ingestão de fibras é provavelmente uma das maiores diferenças, de fato, entre a nossa dieta moderna, até mesmo nossa versão moderna da dieta Paleo cetogênica, e a dieta de nossos ancestrais. Americanos ingerem em média 15 a 20g de fibras por dia. Em algumas culturas tradicionais chega-se a 100. Eu não acho que todas as culturas tradicionais comiam essa quantidade, mas com certeza eu acho que ficava em média entre 40 e 60, o que é 3 ou 4 vezes mais alto que na dieta industrializada. Dado o que sabemos a respeito de como as fibras alimentam e auxiliam o microbioma intestinal e a importância do microbioma intestinal para a saúde em geral, eu acho que podemos dizer que está é realmente uma diferença significativa que provavelmente é desprezada quando se discute os diferentes tipos de dietas.

Isto é, a propósito, uma das razões pelas quais eu não recomendo uma dieta cetogênica ou low-carb para uma pessoa comum a não ser que haja um objetivo terapêutico que estejam tentando atingir. E mesmo assim, com pacientes eu trabalharia para que conseguissem começar a inserir carboidratos de alimentos não-processados em suas dietas caso possam, após atingir o objetivo terapêutico. Porque em geral eu acho que é mais fácil manter uma microbiota intestinal saudável e níveis adequados de ingestão de fibras quando não se está em uma dieta super baixa em carboidratos. Ainda é possível que, como eu mencionei, você siga uma dieta cetogênica ou low-carb adicionando suplementos de fibras fermentáveis ou até mesmo focando em alimentos muito ricos em fibras, como alcachofras, cebolas e alho, e coisas do tipo, mas isso requer mais atenção e foco, e nem todo mundo, presta esse tipo de atenção.

Cada pessoa responde à dietas de altos níveis de gordura de uma forma


Outra advertência é que é óbvio que nem todo mundo vai responder a uma dieta high-fat da mesma forma. E digo “é óbvio” porque acho que a essa altura isso é óbvio para a maioria de vocês, mas no mundo convencional eles tendem a tratar estas questões dietéticas como se os humanos fossem robôs todos iguais e todos respondessem às comidas e outros estímulos ambientais da mesma maneira. Nós sabemos que isso é completamente falso. Nós não apenas temos diferenças em nossos genes e expressão genética, por exemplo, mas também temos diferenças profundas no nosso microbioma, e nosso microbioma tem genes diferentes e uma expressão genética diferente – que estamos apenas começando a compreender. Se você olhar para alguém que é do Leste da África, por exemplo, e comparar a um Inuit, estas duas pessoas provavelmente respondem de maneiras bem diferentes aos efeitos da gordura e de carboidratos em suas dietas.

Eu acho que estamos indo em direção a uma maior sofisticação para podermos responder a estas questões. Nós teremos todos os “ômicos” como metabolômicos, transcriptômicos, proteômicos, a próxima geração de sequenciamento microbiômico que está além do sequenciamento do DNA 16S que empresas como uBiome e American Gut estão oferencendo, que nos darão uma visão mais refinada do microbioma e até mesmo das expressões dos genes, proteínas e fatores metabólicos que nos ajudarão a responder – um pouco mais objetivamente do que a experimentação – quais macronutrientes são bons para cada pessoa. Eu não acho que já chegamos lá, mas acho certamente chegaremos durante o tempo de vida dos ouvintes desse podcast, e muito provavelmente ainda nos próximo cinco ou dez anos.

A notícia boa é que nós não precisamos necessariamente desses dados para responder tais questões. Nós podemos, eu acho, responder empiricamente muitas delas apenas experimentando diferentes proporções de macronutrientes e observando como a nossa digestão, excreção e todas essas coisas são influenciadas pela saúde de nosso microbioma.

Por último, eu espero que vocês vejam que há paralelos aqui com um monte de perguntas similares. Por exemplo, você com frequência verá esta: “A ingestão de muita gordura saturada aumenta o risco de doenças cardíacas?” Nós temos tentado responder tal pergunta com um simples "sim" ou "não", mas como já dito estamos tentando sofisticar a nossa abordagem aqui, e agora compreendemos que a resposta depende de muitos fatores incluindo o contexto geral da dieta, como acabamos de mencionar. A ingestão de muitas gorduras saturadas está ocorrendo no contexto da Dieta Americana Padrão com uma grande quantidade de alimentos processados e refinados? Ou está ocorrendo no contexto de uma dieta como a paleo? Isso afetará a resposta assim como os genes individuais. A Apolipoproteína E (apoE) da pessoa é tipo 34 ou 44? Ela tem receptor LDL, uma mutação que afeta a habilidade de limpar partículas de LDL? Esta pessoa pode ter uma resposta diferente à gordura saturada e pode precisar limitar o consumo de gordura em comparação a alguém que não tenha tal genótipo.

Nós estamos indo em direção à uma abordagem mais sutil. Ainda temos muito o que aprender, mas enquanto isso podemos observar nossas culturas tradicionais para ajudar a responder tais questões, porque quando olhamos para caçadores-coletores contemporâneos como os Tsimane, sobre os quais escrevi recentemente, da Bolívia, que têm mantido sua dieta e estilo de vida tradicional; os Maasai na África; os Inuits tradicionais; e outras culturas ao redor do mundo que têm mantido deus modos de vida tradicionais. E alguns, como os Maasai, têm uma dieta relativamente rica em gorduras, mas nenhuma evidência de doenças cardiovasculares ou outras doenças crônicas que nos atormentam como diabetes e obesidade. Então isso nos mostra que a alta ingestão de gorduras no contexto de uma dieta tradicional não tem necessariamente os mesmos efeitos do alto consumo de gordura no contexto da nossa dieta e estilo de vida moderno.

Isto, é claro, é o argumento central, seguir uma dieta e estilo de vida geneticamente alinhados - uma dieta e estilo de vida paleo. Isso realmente nos diz o que precisamos saber, que é que o contexto é a chave. Nós não podemos extrapolar descobertas - descobertas isoladas - sobre macronutrientes como gordura ou carboidratos no contexto de uma dieta industrializada, para uma dieta paleo. Se você vir um estudo sobre alto consumo de gorduras saturadas e como isso afeta as pessoas, você precisa pressupor que aquele estudo está sendo feito em pessoas que seguem uma Dieta Americana Padrão, e portanto estes achados não são necessariamente relevantes para você caso esteja seguindo uma dieta paleo. Novamente, esta é uma nuance que frequentemente é desconsiderada não apenas nos estudos mas também em discussões na mídia sobre tais estudos.

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