Teicholz: Como as dietas com pouca gordura podem te matar

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Marika Sboros

No coração do julgamento do professor Tim Noakes está a hipótese dieta-coração, de que a gordura saturada provoca doenças cardíacas. A jornalista investigativa norte-americana Nina Teicholz enfocou a hipótese em seu testemunho em favor de Noakes. Isso foi na audiência da quarta sessão do Conselho de Profissões de Saúde da África do Sul (HPCSA) na Cidade do Cabeo em 25 de outubro.

Teicholz mostrou como o criador dessa hipótese ignorou evidências mostrando que o açúcar e outros carboidratos são causas muito mais prováveis ​​de doenças cardíacas. Aqui ela mostra porque dietas de baixo teor de gordura podem ser letais. Teicholz também analisa o papel do açúcar na ascensão das doenças crônicas. 

A HPCSA acusou Noakes de conduta não-profissional ao dar conselhos não-convencionais para uma mãe amamentando em uma rede social (Twitter). Isso tudo foi por um único tweet. Nele, Noakes disse que os primeiros alimentos bons para o desmame infantil são low-carb, high-fat (LCHF). Em outras palavras, ele estava sugerindo carne, laticínios integrais e legumes.

Teicholz é autora de "The Big Fat Surprise". É um livro inovador que os especialistas reconhecem internacionalmente por mudar a cara da ciência da nutrição. Na audiência, ela falou sobre como sua evidência baseia-se nos 10 anos de pesquisa que levou para escrever o livro.

Ela disse à audiência como o fisiologista norte-americano Ancel Benjamin Keys inventou a hipótese da dieta-coração nos anos 50. Para apoiá-lo, ele precisava de pesquisa. Keys embarcou no "Estudo dos Sete Países" (E7P). Embora fatalmente falho, foi um estudo "extremamente influente", que ainda é muito citado.

"Se você ler 10.000 artigos de nutrição, como eu fiz, todos eles acabam voltando ao E7P de Keys", disse Teicholz. Tornou-se o "Big Bang dos estudos de nutrição modernos".

Os resultados do estudo mostraram exatamente o que Keys esperava que eles fizessem: que os homens que comiam muita gordura saturada tiveram taxas mais altas de morte cardiovascular. Isso ocorreu porque Keys "escolheu" os países que ele incluiu no estudo, disse Teicholz.

Ele evitou países como a Suíça, Alemanha e França, onde sabia que as pessoas comiam muita gordura saturada e ainda tinham baixas taxas de doenças cardíacas, disse Teicholz. Esses países "teriam arruinado suas descobertas sobre as gorduras saturadas".

Teicholz perguntou ao braço direito de Keys, Henry Blackburn, por que Keys evitou esses países. Blackburn disse Keys tinha "apenas uma aversão pessoal a estar nesses países".

Ela apresentou outros problemas com o E7P, que documentou em detalhes em "The Big Fat Surprise". Estes incluem dados "inconsistentess" que Keys não conseguiu resolver.

Dr. Ancel Keys na capa da revista Time, 1961

Um erro é "emblemático". Os homens estudados por Keys na ilha de Creta tornaram-se a base para a "dieta mediterrânea" como a conhecemos hoje. Esses homens pareciam comer muito pouca gordura saturada e tinham taxas muito baixas de doença cardíaca. No entanto, dos três períodos de estudo que Keys passou coletando dados sobre Creta, um caiu durante o mês de Quaresma. Foi quando os habitantes da ilha evitavam religiosamente toda a carne, laticínios, ovos e até peixe.

"O jejum ortodoxo grego é rígido", disse Teicholz. Assim, Keys deve ter subestimado a quantidade de gordura saturada que os cretenses comiam. Keys sabia desse problema, mas o dispensou sem explicação.

Um dos líderes de projetos de Keys, Alessandro Menotti, chefiou a parte italiana do E7P. Muito mais tarde, em 1999, Menotti voltou a reanalisar os dados dietéticos. Ele descobriu que o alimento que melhor se correlacionava com a doença cardíaca não eram gorduras saturadas, mas "doces", disse Teicholz.

Ela perguntou a Menotti como aquela descoberta escapara a Keys. Ele disse a ela que os líderes do E7P "não sabiam como tratar (açúcar). Relatamos os factos e tivemos algumas dificuldades para explicar as nossas descobertas".

Keys claramente sabia que a hipótese de que o açúcar causasse doenças cardíacas competia com a sua própria, disse ela. Ele também sabia que só uma podia estar certa. Keys fazia o que sempre fazia quando lidava com hipóteses inconvenientes: ia para o ataque.

Ele sugeriu que razões financeiras motivavam todos aqueles que promoviam a idéia de que o açúcar causava doenças cardíacas. Ou dizia que eles estavam "simplesmente errados".

Prof. John Yudkin

Um dos defensores mais proeminentes da hipótese do açúcar nos anos 70 foi John Yudkin, professor do Imperial College de Londres. Yudkin é autor de "Puro, branco e mortal - como o açúcar está matando nós e o que nós podemos fazer para pará-lo". 

Keys imperiosamente descartou a teoria de Yudkin como "uma montanha de disparates".

E embora o E7P fosse grande e aparentemente persuasiv0, ele ainda era apenas observacional. Um princípio básico da ciência continua a ser que os estudos observacionais só podem mostrar associação, mas não causalidade, disse Teicholz. Para a causalidade, os ensaios clínicos são necessários, de preferência ensaios clínicos randomizado controlados (RCT) – que são o "padrão ouro".

Teicholz mostrou como os governos ao redor do mundo empreenderam RCTs sobre a hipótese dieta-coração ao longo dos anos 1960 e 1970. Eles usaram alimentos ricos em óleos vegetais, como margarina e leite enriquecido com soja.

Teicholz não entrou nesses detalhes uma vez que uma perita anterior na defesa de Noakes, a pesquisadora britânica da obesidade, Dra. Zoë Harcombe, já tinha analisado grande parte desses estudos em seu depoimento. Teicholz referiu-se brevemente à pesquisa que incluiu o Estudo Finlandês de Saúde Mental, que durou 12 anos. Também incluiu os estudos que os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH) financiaram. Entre eles estão o Estudo dos Veteranos de Los Angeles, a Pesquisa Coronária de Minnesota e o Estudo MrFit.

O NIH sozinho gastou bilhões de dólares em estudos, tentando - e falhando - provar a hipótese de Keys, disse Teicholz. Esses ensaios foram "notavelmente especiais", pois eram ambientes altamente controlados, onde os pesquisadores serviam todas as refeições aos participantes.

Além disso, quase todos esses estudos tinham "desfechos duros". Isso significa que eles tinham "resultados indiscutíveis", como a morte, que "não pode ser contestada". O diagnóstico de um ataque cardíaco é outro ponto final, mas "um pouco mais discutível", disse Teicholz.

Muitos estudos hoje usam ​​"pontos intermediários" muito menos confiáveis. Estes incluem marcadores lipídicos tais como LDL-C (colesterol de lipoproteína de baixa densidade) e HDL-C (colesterol de lipoproteína de alta densidade). Há "um monte de disputa" sobre estes, ela disse, em termos de qual melhor prediz risco de ataque cardíaco.

No total, os ensaios sobre a hipótese dieta-coração incluíram mais de 75.000 indivíduos, principalmente homens, mas algumas mulheres. Eles mostraram que a restrição de gorduras saturadas reduz o colesterol total. No entanto, não houve impacto sobre o resultado final - se as pessoas morreram ou não de um ataque cardíaco.

Nos últimos anos, pesquisadores analisaram globalmente esses dados. Há agora mais de uma dúzia de meta-análises e revisões sistemáticas publicadas, disse Teicholz. Quase todos concluíram que a gordura saturada e o colesterol dietético não causam a morte de uma doença cardíaca.

A pesquisa mostra consistentemente que as dietas de baixo teor de gordura diminuem o HDL-C (o chamado "colesterol bom"). Isso significa que eles realmente aumentam o risco de doença cardíaca.

Alguns órgãos oficiais estão tomando conhecimento, disse Teicholz. A Fundação Canadense para o Infarto e Derrame (CHSF) é o equivalente da Associação de Cardiologia Americana (AHA) nos EUA e da Fundação para o Infarto e Derrame (HSF) na África do Sul. A CHSF reavaliou os dados e em 2015, removeu o limite (como uma porcentagem de calorias) das gorduras saturadas.

Embora poucas pessoas estejam cientes disso, as Diretrizes Alimentares dos EUA para os americanos também não recomendam mais uma dieta pobre em gordura. É precisamente por causa da evidência convincente que ela provoca doenças cardíacas, disse Teicholz. Mas é também porque os ensaios clínicos em mais de 52.000 pessoas mostram uma dieta pobre em gordura como sendo "ineficaz na luta contra qualquer outro tipo de doença crônica".

Teicholz apresentou evidências perturbadoras para mostrar que, em 1981, cerca de 12 estudos consideráveis ​​sobre seres humanos encontraram uma ligação entre a diminuição do colesterol e o câncer. Isso foi principalmente para o câncer de cólon. Outras pesquisas ligaram dietas ricas em óleo vegetal com um risco aumentado de câncer de pulmão.

Prof. Tim Noakes

Teicholz citou a análise feita por Noakes da Iniciativa de Saúde da Mulher (WHI), um estudo americano feito com cerca de 49.000 mulheres durante mais de 7 anos. Ele descobriu que as mulheres com menor resistência à insulina no início do estudo realmente tinham um maior risco de desenvolver diabetes tipo 2 se comessem a dieta pobre em gordura em comparação com a dieta de controle.

A dieta pobre em gordura também piorou o controle da glicose em mulheres com diabetes diagnosticada.

"Ambos os marcadores implicam que a dieta com baixo teor de gordura aumentou o risco de diabetes, em comparação com o grupo de controle comendo uma dieta rica em gordura", disse ela. Os autores da WHI concluíram que os profissionais de saúde devem ter cuidado ao aconselhar as mulheres com diabetes a reduzirem a gordura dietética "a menos que sejam acompanhadas por recomendações adicionais para orientar sobre a ingestão de carboidratos". Em outras palavras, o conselho era que "as mulheres deveriam ter cuidado ao comer tantos carboidratos porque uma dieta pobre em gordura era, por definição, uma dieta rica em carboidratos".

Teicholz disse na audiência: "Assim, é justo dizer que muitos RCTs sobre a hipótese dieta-coração não encontraram evidência de benefício e encontraram alguma evidência de dano."

A hipótese dieta-coração tem sido "a hipótese mais testada na história da nutrição e da doença", disse ela. "E os resultados foram nulos."

Ela apresentou a hipótese concorrente, da relação carboidratos-insulina-obesidade. A evidência para apoiá-la inclui;

  • Mais de 74 ensaios clínicos randomizados, praticamente todos em populações ocidentais
  • Pelo menos 32 ensaios de dietas de baixo teor de carboidratos que duraram seis meses ou mais
  • Três duraram dois anos (o padrão ouro) para ver quaisquer efeitos colaterais adversos.

Estes ensaios estabeleceram que dietas de baixo teor de carboidratos são seguras, disse ela. Eles também estabeleceram eficácia para lutar contra a obesidade, a diabetes, e doenças cardíacas (melhora a quase todos os fatores de risco de doenças cardiovasculares).

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