O misterioso vírus que poderia causar obesidade

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

Extraído do livro The Secret Life of Fat (N.T.: "A vida secreta da gordura") por Sylvia Tara,



Randy tem 62 anos e 1.85m. Ele cresceu em uma fazenda em Glasford, Illinois, na década de 1950. Randy foi criado com a forte disciplina de uma família de agricultores. A partir do 5 anos de idade, ele saía da cama ao amanhecer, e antes do café-da-manhã já tinha colocado suas botas e jeans para ordenhar as vacas, empilhar feno e limpar os galinheiros. Entrava dia, saía dia, não importava o tempo ou como ele se sentia: Randy fazia suas tarefas fisicamente exigentes. Somente quando seu trabalho estava completo ele iria para a cozinha para o café-da-manhã.

Cuidar das galinhas era um trabalho árduo: envolvia entrar no galinheiro, retirar as aves de suas gaiolas sujas e espantá-las para dentro de um recinto fechado. Este processo era sempre um pouco amendrontador porque os animais podiam ser bastante agressivos após ficarem trancados a noite toda. Em uma dessas ocasiões, quando Randy tinha 11 anos, um galo particularmente grande e agressivo usou suas esporas na perna do garoto. Randy sentiu o a pele rasgar-se e gritou de dor. Ele disse que sentia-se como sendo fisgado por um anzol grosso. O galo deixou um longo corte, e o sangue escorreu pela perna de Randy até o tornozelo. Ele correu de volta para a casa para limpar a ferida, pois frangos são bastante sujos depois de uma noite em suas gaiolas.

Alguns dias depois, Randy notou uma mudança no seu apetite. Ele estava constantemente com fome, sentia-se atraído pela comida e pensava nisso o tempo todo. Ele começou a comer entre as refeições e a comer demais quando finalmente sentava-se para jantar. Randy sempre fôra um garoto magro, mas no ano seguinte ele ganhou cerca de 10kg. Seus pais pensaram que poderia ser a puberdade, embora parecesse um pouco cedo. Sua adiposidade era também incomum, dado que todos na família eram magros. Randy tinha disciplina. Ele se forçou a comer menos, mudou para alimentos de baixa caloria e exercitou-se mais. Mas quando entrou na adolescência já estava entre 30 e 40kg acima do peso. Ele diz: "Eu ganhei todo esse peso ainda que aqueles tivessem sido alguns dos meus anos mais ativos na fazenda".

A família de Randy apoiou seus esforços para controlar seu peso. Eles prepararam alimentos de baixa caloria, deram-lhe tempo para exercitar-se, e não o pressionaram a comer coisas que ele não queria. No entanto, ele continuou a lutar com seu peso durante a faculdade. Randy continuou pensando no momento em que tudo mudou. Ele tinha sido o garoto mais magro entre seus amigos. E então ele foi cortado por aquele galo.

O caso curioso de galinhas indianas


Em Mumbai, na Índia, Nikhil Dhurandhar seguiu os passos de seu pai Vinod no tratamento da obesidade. Mas Nikhil esbarrou no mesmo obstáculo que assombra médicos de obesidade em todos os lugares. "O problema era que eu não era capaz de produzir algo para os pacientes que promovesse perda de peso significativa e sustentável por longo prazo", diz ele. "Os pacientes continuavam voltando."

O destino interveio na vida de Dhurandhar um dia, quando conversava com seu pai e um amigo da família, SM Ajinkya, um patologista veterinário, durante o chá. Ajinkya descreveu uma epidemia que explodiu pela indústria avícola indiana matando milhares de galinhas. Ele identificou o vírus e o nomeou usando, em parte, suas próprias iniciais: SMAM-1. Após a necropsia, Ajinkya explicou, descobriu-se que os frangos tinham timos reduzidos, rins e fígados aumentados, e gordura depositada no abdômen. Dhurandhar pensou que isto era incomun porque tipicamente os vírus causam a perda do peso, não ganho. Ajinkya estava prestes a prosseguir, mas Dhurandhar o deteve: "Você acabou de dizer algo que não soa bem para mim. Você disse que as galinhas tinham muita gordura no abdômen. É possível que o vírus os tenha tornado gordos? "

Ajinkya respondeu honestamente: "Eu não sei", e exortou Dhurandhar a estudar a questão. Essa conversa fatídica colocou Dhurandhar em um caminho investigativo como parte de seu projeto de doutorado: se um vírus poderia causar ganho de gordura.

Dhurandhar avançou e organizou um experimento usando 20 galinhas saudáveis. Ele infectou metade delas com SMAM-1 e deixou a outra metade não-infectada. Durante o experimento, ambos os grupos de frangos consumiram a mesma quantidade de alimento. No final do experimento, apenas os frangos infectados com o vírus SMAM-1 tinham se tornado gordos. No entanto, embora as galinhas infectadas fossem mais gordas, tinham níveis mais baixos de colesterol e triglicérides no sangue do que as aves não-infectadas. "Era bastante paradoxal", lembra Dhurandhar, "porque se você tiver um frango mais gordo, você esperaria que ele tivesse maior colesterol e triglicérides circulantes, mas em vez disso esses níveis foram na direção errada".

Para confirmar os resultados, ele montou um experimento de repetição, desta vez usando 100 galinhas. Novamente, apenas as galinhas com o vírus SMAM-1 no sangue se tornaram gordas. Dhurandhar estava intrigado. Um vírus, ao que parece, estava causando obesidade. Dhurandhar pensou em uma maneira de testar isso. Ele organizou três grupos de galinhas em gaiolas separadas: um grupo que não estava infectado, um segundo grupo que estava infectado com o vírus e um terceiro que enjaulava galinhas infectadas e não-infectadas. Dentro de três semanas, os frangos não-infectados que compartilhavam uma gaiola com os infectados tinham contraído o vírus e ganharam uma quantidade significativa de gordura corporal em comparação com as aves isoladas não-infectadas.

Gordura, ao que parecia, poderia ser contagiosa.

Agora, Dhurandhar é um homem de ciência. Ele é racional e calmo. Mas mesmo ele tinha que admitir que a idéia era surpreendente. Isso significa que espirrar alguém pode transmitir obesidade? Isso agora parecia possível em animais, mas e os humanos? Injetar o vírus em pessoas seria antiético, mas Dhurandhar tinha uma maneira de testar os pacientes para ver se eles haviam contraído o vírus no passado.

Dhurandhar diz: "Naquela época eu tinha minha clínica de obesidade e estava fazendo exames de sangue dos pacientes para seu tratamento. Eu pensei que eu poderia muito bem tomar um pouco de sangue e testar anticorpos para SMAM-1. Os anticorpos indicariam se o doente esteve infectado pelo vírus  no passado. A sabedoria convencional diz que um adenovírus de galinhas não infecta seres humanos, mas eu decidi verificar de qualquer maneira. Descobriu-se que 20% das pessoas que testamos eram positivas para anticorpos anti-SMAM-1. E aqueles 20% eram mais pesados, tinham maior índice de massa corporal e menor colesterol e triglicerídeos mais baixos em comparação com os indivíduos anticorpos negativos, assim como as galinhas tinham. "Dhurandhar observou que as pessoas que tinham sido infectadas com SMAM-1 eram em média 15kg mais pesadas do que as não- infectadas.

Os quilos continuam vindo


Enquanto Nikhil Dhurandhar estava na Índia perseguindo sua curiosidade sobre a gordura, Randy estava procurando por soluções próprias. Depois de um breve período como professor, ele voltou para a terra da família em 1977 porque amava a agricultura.

Randy casou-se e teve quatro filhos. Em jantares familiares e reuniões de férias, ele comia ao lado de todos os outros, mas tentava comer menos que eles. Ainda assim, seu peso cresceu: ao final dos 30 anos, ele pesava 135kg. Ele se lembra de sentir fome o tempo todo, embora mesmo quando ele se abstinha, isso não ajudava a perder peso. "Eu poderia passar várias semanas controlando a comida com rigor, comendo muito menos do que os outros à minha volta, mas se eu saísse da minha dieta apenas por uma refeição, o peso voltaria".

O esforço para controlar a alimentação, mesmo quando era bem-sucedido, tornou a vida de Randy miserável: "Eu não posso te dizer o que é estar com fome o tempo todo. É um estresse contínuo. Tente. A maioria das pessoas que dão conselhos não precisam sentir na pele."

No outono de 1989, Randy pediu uma carteira de motorista comercial. A inscrição exigia um exame médico. Após o exame de urina, a enfermeira perguntou a Randy se ele se sentia bem. "Normal", ele respondeu. Mas a enfermeira disse a Randy que ele teria que dar uma amostra de sangue porque ela pensou que o laboratório tinha derramado solução de glicose em sua amostra de urina. O exame de sangue mostrou que o nível de glicose de Randy estava próximo de 500mg/dL (uma leitura normal é 100). Afinal, o laboratório não tinha cometido um erro com a amostra de urina... Os números de Randy estavam apenas fora da escala. Alarmada, a enfermeira notificou o médico de Randy, que então o testou para os níveis de açúcar no sangue em jejum. Os resultados mostraram que Randy tinha resistência à insulina e diabetes severa.

Com 40 anos e 158kg, Randy estava em apuros. Se ele não corrigisse o problema em breve, começaria a desenvolver complicações sérias de diabetes, incluindo doenças cardiovasculares e lesões nervosas.

Tendo experimentado e falhado várias dietas, Randy e seu médico decidiram que a melhor esperança era um programa hospitalar para diabéticos graves. A equipe testou o sangue de Randy com freqüência para determinar a dosagem ideal e o momento das injeções de insulina para regular seu açúcar no sangue. Randy aprendeu sobre a dieta Diabetic Exchange, que atribui aos pacientes um número específico de porções de carne, carboidratos, vegetais e gordura. Ele cortou todos os carboidratos refinados, incluindo o pão. Ele diz, "Eu não comi uma fatia de pão ou pedaço de pizza por anos."

Mas esse programa seria suficiente? Randy sempre teve dificuldade em controlar seu peso, embora não por falta de tentativa. Ele estava lutando contra a gordura desde a infância, controlando porções, exercitando-se e evitando comer socialmente. Mas sua disciplina não era páreo para sua própria gordura. Randy tinha que ter seu peso sob controle permanentemente. O ambiente hospitalar foi útil. No entanto, apesar de estritamente aderindo à dieta, ele só caiu alguns quilos.

O vírus em americanos


Depois de assumir uma bolsa de pós-doutorado na Universidade de Wisconsin, Madison sob o Dr. Richard Atkinson, Dhurandhar estava animado para finalmente ser livre para prosseguir o que ele amava. Ele tinha uma curiosidade intensa sobre vírus e estava ansioso para começar a encontrar respostas. No entanto, quando tentou obter amostras do vírus SMAM-1 que ele tinha trabalhado na Índia, o Departamento de Agricultura dos EUA se recusou a conceder-lhe uma licença de importação. Ele ficou profundamente desapontado.

Incapaz de obter SMAM-1, Dhurandhar se aproximou de uma empresa que vende vírus para pesquisa. Seu catálogo listou cerca de cinqüenta adenovírus humanos. Ele diz: "Eu ia comprar o adenovírus humano, mas não havia UM adenovírus - havia 50 adenovírus humanos diferentes! Então fiquei travado novamente. Eu me perguntava "como eu faço isso?". Devemos começar com o número um, número dois, número três, número 50, 49, 48? Então, com um pouco de adivinhação e principalmente de sorte, decidimos trabalhar com o número 36. Nós gostamos do número 36 porque era antigenicamente único - o que significa que não reage de forma cruzada com outros vírus do grupo e os anticorpos contra outros vírus não o neutralizam."

Foi uma escolha feliz. Descobriu-se que Ad-36 tinha qualidades semelhantes ao SMAM-1 em galinhas. Atkinson pensou que Ad-36 poderia muito bem ser uma forma mutada de SMAM-1. Quando Dhurandhar infectou frangos com Ad-36, sua gordura aumentou e seu colesterol e triglicerídeos diminuíram, assim como aconteceu com SMAM-1. Dhurandhar queria ter certeza de que ele não estava recebendo um falso positivo, então ele injetou outro grupo de galinhas com um vírus chamado CELO para garantir que outros vírus também não estavam produzindo gordura em galinhas. Além disso, ele manteve um grupo de galinhas que não tinham sido injetado com nada. Quando ele comparou os três grupos, apenas o grupo Ad-36 ficou mais gordo. Dhurandhar então experimentou os experimentos em ratos e macacos. Em todos os casos, o Ad-36 tornou os animais mais gordos. Marmotas infectadas ganharam cerca de três vezes mais peso que as não-infectadas, e a sua gordura corporal aumentou em quase 60%!

Então veio a grande questão: Ad-36 teria algum efeito sobre os seres humanos? Dhurandhar e Atkinson testaram mais de 500 indivíduos humanos para ver se eles tinham anticorpos contra o vírus Ad-36, indicando que haviam sido infectados com ele em algum momento de suas vidas. Sua equipe descobriu que 30% dos indivíduos obesos testavam positivo para Ad-36, contra apenas 11% dos não-obesos - que dá uma razão de 3 para 1. Além disso, os indivíduos não-obesos que deram positivo para Ad-36 eram significativamente mais pesados ​​do que aqueles que nunca tinham sido expostos ao vírus. Mais uma vez, o vírus foi correlacionado com a gordura.

Em seguida, Dhurandhar desenvolveu uma experiência ainda mais rigorosa. Ele testou pares de gêmeos pela presença de Ad-36. Ele explica: "Aconteceu exatamente da maneira que hipotetizamos – os gêmeos Ad-36 positivos foram significativamente mais gordos em comparação com o suas contrapartes Ad-36 negativas."

É óbvio que é antiético infectar seres humanos com vírus para pesquisa, de modo que o estudo não pode ser perfeitamente confirmado. Mas, Dhurandhar diz, "Isso é o mais próximo que você pode chegar de mostrar o papel do vírus em seres humanos, sem infectá-los."

Uma nova maneira de gerenciar a gordura - parar a culpa


O médico de Randy o tratava há anos e sabia que a luta de seu paciente era difícil e contínua. O médico encaminhou Randy para um endocrinologista - Richard Atkinson, da Universidade de Wisconsin - que estava tendo algum sucesso com casos difíceis de obesidade.

Randy foi ver Atkinson, sabendo que, se ele não controlasse a gordura, ela ia matá-lo. A primeira coisa que Randy notou sobre Atkinson foi que ele era gentil. Ele não fez Randy se sentir culpado por seu peso. "Outros lugares colocam a culpa em você", diz Randy. "Eles voltam para o seu passado, o que você fez para chegar aqui. São muito críticos. Atkinson não fez nada disso. Ele disse ok, estamos aqui agora, como podemos corrigi-lo? Ele estava muito orientado para o futuro."

Atkinson tinha projetado um programa de longo prazo para tratar a obesidade. Ele explicou aos seus pacientes que a obesidade é uma doença crônica e eles estariam em tratamento "para sempre." Nos primeiros três meses do programa, os pacientes se reuniam vários dias por semana e participavam de uma palestra explicando a obesidade e as bases para o acúmulo de gordura. Depois disso, as visitas diminuíram de semanais para quinzenais, depois bimestrais. Aqueles que começaram a recuperar o peso foram convidados a retomar as visitas mais freqüentes. Os sujeitos tinham de se comprometer com o programa completo para se matricularem.

Atkinson também introduziu Randy para seu novo assistente pós-doutor, um jovem cientista da Índia, Dr. Nikhil Dhurandhar. Dhurandhar examinou Randy e estudou suas amostras de sangue. Randy testou positivo para anticorpos para Ad-36, significando que ele provavelmente tinha sido infectado com o vírus em algum ponto no passado. Randy lembrou-se de ser arranhado por aquele galo quando era criança, e que depois seu apetite explodiu e ele começou a ganhar peso rapidamente. Seus problemas com a comida e o rápido acúmulo de gordura - ele entendia tudo agora. Se ele era como as galinhas, os macacos, os gêmeos e os outros seres humanos no estudo, então sua infecção com Ad-36 estava ajudando seu corpo a acumular gordura. Ele diz: "O que Atkinson e Dhurandhar fizeram por mim mudou minha vida. Eles fizeram tudo fazer sentido. Foi muito libertador e muito empoderador. "

Como um vírus leva a gordura?


Como um vírus como Ad-36 causaria gordura? Atkinson explica, "Há três maneiras que nós pensamos que Ad-36 faz mais gordos: (1) aumenta a absorção de glicose do sangue e converte-a em gordura; (2) aumenta a criação de moléculas de gordura através da ácido graxo sintase, uma enzima que cria gordura; e (3) permite a criação de mais adipócitos para estocar toda a gordura, ao mobilizar células-tronco que podem se transformar em osso ou gordura, em gordura. Então as células de gordura que existem estão ficando maiores, e o corpo está criando mais delas."

Os investigadores reconhecem que o corte da espora do galo pode ter sido o início da infecção de Randy. Mas eles são cautelosos - a transmissibilidade de Ad-36 de galinhas para humanos nunca foi estudada diretamente.

Embora Dhurandhar e Atkinson tenham conduzido vários estudos fortes mostrando a contribuição do Ad-36 para a gordura, o ceticismo permanece. Atkinson diz: "Lembro-me de dar uma palestra numa conferência onde eu apresentei 15 estudos diferentes em que Ad-36 causou ou foi correlacionado à gordura. Ao final, um bom amigo me disse: "Eu simplesmente não acredito nisso." Ele não deu uma razão; Ele simplesmente não acredita. As pessoas são realmente presas em comer e exercitar-se como os únicos contribuintes para gordura. Mas há mais.

Dhurandhar acrescenta: "Há uma diferença entre ciência e fé. O que você acredita pertence à fé e não à ciência. Na ciência você tem que seguir pelos dados. Tenho enfrentado pessoas que são céticas, mas quando eu lhes pergunto por que, elas não podem identificar uma razão específica. Ciência não é sobre crença, é sobre fato. Há um ditado: 'Em Deus nós confiamos; todos os outros, tragam dados'".

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