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A história sombria da indústria açúcareira

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por David Singerman




Na segunda-feira (12/09/2016), um artigo do Jornal da Associação Médica Americana (JAMA) reportou que nos anos 1960 a indústria do açúcar pagou cientistas de Harvard para publicarem um estudo que culpava a gordura e o colesterol pela doença coronariana, enquanto inocentava totalmente o açúcar. Esse estudo, publicado pelo prestigiado Jornal de Medicina da Nova Inglaterra em 1967, ajudou a estabelecer por décadas a agenda de saúde pública, projetada para guiar os americanos na direção de alimentos pobres em gordura, o que aumentou o consumo de carboidratos e exacerbou a nossa epidemia de obesidade.

Esta revelação nos relembra corretamente de observar a ciência da nutrição financiada pela indústria com ceticismo, e de continuar a exigir transparência na pesquisa científica. Mas terminar o domínio da indústria açucareira sobrea dieta americana vai requerer um conhecimento mais amplo sobre as várias maneiras comoela, por 150 anos, tem moldado a política governamental de maneira a estimular o nosso vício em açúcar.

A indústria do açúcar moderna é um produto do século XIX, quando a política federal chave a respeito do açúcar não era uma diretriz, mas uma tarifa nas importações. Nas décadas após a Guerra Civil, o consumo americano de açúcar anual per capita mais que dobrou, de 14.4kg em 1870 para 36kg em 1910. Como resultado, o governo ficou viciado em açúcar também: por volta de 1880, o açúcar era responsável por 1/6 do orçamento federal.

Para proteger os refinadores domésticos, que eram então os maiores empregadores das cidades do norte, a tarifa distinguia entre dois tipos de açúcar: "refinado" e "cru". Açúcar refinado que era direcionado ao consumo direto pagava uma taxa muito mais alta que os cristais de açúcar crus direcionados ao refinamento e branqueamento. Mas no final dos anos 1870, novas fábricas de açúcar no Caribe começaram a ameaçar essa estrutura protecionista. Tecnologicamente sofisticadas, essas fábricas podiam produzir açúcar que, enquanto fosse cru pelos padrões do governo, era consistentemente muito mais próximo ao açúcar refinado do que jamais havia sido antes. A indústria americana agora encarava uma potencial competição estrangeira.

Os maiores refinadores do país mobilizaram-se em diversas frentes. Eles fizeram lobby junto ao congresso dos EUA para adotar instrumentos químicos que poderiam medir a percentagem de sacarose numa carga de açúcar, e declarar um açúcar como "refinado" se o conteúdo de sacarose fosse suficientemente alto. Previamente, os oficiais da alfândega julgavam um carga de açúcar por sua cor, cheiro, sabor e textura – como se fazia no comércio do açúcar havia séculos. Agora os refinadores argumentavam que tais métodos sensórios eram alvo de abuso porque dependiam de uma apreciação subjetiva. Eles demandaram um padrão científico ao invés – um que poderia revelar que alguns dos açúcares "crus" seriam puros o suficiente para serem sujeitados a taxações mais altas – e conseguiram.

Seu apelo pela objetividade científica pode ter soado razoável, mas mascarava objetivos maldosos. Como a indústria do tabaco nos anos 1960, esses refinadores sabiam que questões científicas eram mais difíceis para leigos adjudicarem, e então mais fáceis de manipular para vantagem da indústria. Se os refinadores fossem subornar um químico da alfândega para desviar os resultados a seu favor – como foram rotineiramente acusados de fazer por décadas começando nos anos 1870 – tal corrupção seria muito mais difícil de detectar pelo governo, do que seria quando todo mundo podia ver e cheirar o mesmo açúcar como forma de avaliação.

Além do lobby, os refinadores iniciaram uma campanha pública para dissuadir os americanos de comer açúcar cru. Uma das suas propagandas comuns mostrava um inseto nojento que supostamente habitava o açúcar cru e causava uma doença chamada de "coceira de confeiteiro" naqueles que o manipulavam. Outros panfletos sugeriam que as fábricas cubanas operadas por escravos ou trabalhadores chineses iriam "dar às pessoas açúcar cheios de bichos e sujeira cubana".

O objetivo real dos refinadores, é claro, não era a saúde dos americanos; era maximizar seus lucros na venda de açúcar. Graçar em parte à sua influência sobre a política de impostos e aos novos métodos alfandegários, os grandes refinadores foram rapidamente capazes de formar a Sugar Trust, um dos mais notórios e bem-sucedidos monopólios da história. No início do século XX, a crença nos benefícios à saúde do açúcar refinado era tão difundida que aumentar o consumo de açúcar dos americanos tornou-se um objetivo da política federal.

Olhando para trás, para a transformação feita pela indústria do açúcar (uma substância comestível derivada de uma planta) em sacarose (uma molécula), também vemos as raízes do "nutricionismo" na política dos EUA. Essa é a idéia de que o que importa para a saúde humana não é a comida por si, mas sim um punhado de fatores bioquímicos isolados. Como os críticos Michael Pollan e Marion Nestle já argumentaram, o nutricionismo é melhor em ajudar a as empresas a venderem seus produtos como saudáveis ("Agora com ômega-3!") do que em promover o nosso bem-estar.

Hoje a indústria do açúcar permanece politicamente poderosa, com consequências tanto para a saúde pública quanto para o meio-ambiente. O jornal Miami Herald reportou nesse verão, por exemplo, que a indústria contribuiu com US$57 milhões para as eleições da Flórida nos últimos 22 anos; enquanto isso, os oficiais do estado encontram resistência contra seus esforços em fazer com que as companhias paguem pelos estragos feito aos Everglades (N.T.: parque nacional).

Se queremos verificar o poder da indústria açúcareira, estaremos bem-servidos ao reconhecer o longo registro – tanto passado quanto presente – das suas maquinações.

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