Por que estamos engordando ? Parte 2

por Danilo Balu

A Parte 1 está aqui.

As calorias definitivamente não são iguais


A primeira publicação conhecida da definição de caloria foi em 1825 no jornal francês Journal de l’Industrie, des Sciences et des Beaux-Arts. Porém, as leis termodinâmicas que o pesquisador Clément-Desormes propôs à época não se aplicam, necessariamente, ao organismo humano. Independente disso, ela continua sendo usada como base das diretrizes populacionais para combater ou controlar a obesidade, seja para mensurar o consumo (dieta), seja para o gasto (exercício). Ainda que em um organismo animal complexo como o nosso, os diferentes alimentos tenham efeitos igualmente diversos na saciedade, na intervenção da taxa de metabolismo, na resposta e atividade cerebral, nos níveis de glicemia e hormônios que regulam e controlam a gordura corporal.

Mas se há tantas evidências de que as calorias não são todas iguais, por que ainda encaramos a obesidade como se fosse apenas uma questão de calorias? Estudos consistentes questionam isso ao mostrar que dietas ricas em gordura e com restrição de carboidrato resultam maior perda de peso do que as que são baixas em gordura.

Essa visão numérica é um grave erro, justamente por nosso organismo não metabolizar os diferentes macronutrientes da mesma maneira. Um estudo de 1956, ao comparar dietas que consumiam ou 90% de gordura, 90% de carboidratos ou 90% de proteínas, apesar de radical, provou o que muita gente desconfiava: mais do que atentar ao fato que a dieta 90% de gordura foi a que mais possibilitou perda de peso, a diferença nos resultados reforça a ideia de que mais importante do quanto é a ingestão calórica, é o que necessariamente se ingere – ou seja, uma caloria não é só uma caloria.

Além disso, é importante lembrarmos que “caloria” é um termo calculado em função da quantidade de energia necessária para elevar a temperatura de um determinado volume da água. Só que nosso organismo não usa as calorias para isso. Ele as usa para sobreviver, produzir enzimas, sintetizar nutrientes, se movimentar, etc. Lâmpadas é que são classificadas em função da energia que consomem, não em função de sua luminosidade. Algumas são mais eficientes que outras, como as lâmpadas frias modernas, muito mais econômicas que as antigas incandescentes.

Com o organismo acontece algo parecido: a quantidade de energia que diferentes pessoas utilizam para fazer tarefas distintas também é variável. Não podemos jamais acreditar na precisão de quem acha que o controle de peso é algo matemático – como se fosse uma esteira na academia – se não conseguimos calcular com confiança inúmeras outras variáveis.

Nosso peso é uma questão hormonal, não termodinâmica


Muitos são os fatores biológicos que afetam o acúmulo de gordura, mas um é indiscutível e predominante: o hormônio insulina. Dê muita insulina a um indivíduo saudável e ele ganhará peso, e de tudo o que comemos, um tipo de alimento faz o corpo liberar mais insulina na corrente sanguínea: carboidratos refinados, facilmente digeríveis. Esta responsabilidade da insulina como promotora do acúmulo de gordura corporal não é questionada sequer entre aqueles que recomendam que comamos pouca gordura.

É importante atentarmos que na natureza sempre que um tecido ou organismo estiver em crescimento, ou seja, em um estado de anabolismo, de metabolização e formação, ele estará, por definição, consumindo mais calorias do que gastando. Ele estará, necessariamente, em um estado de balanço calórico positivo. Mas novamente temos que lembrar que isso não explica o que é a causa e o que é o efeito desse crescimento.

Uma criança indo à fase adulta, para crescer e se desenvolver de forma naturalmente saudável, sempre terá que consumir mais energia do que gasta. É a lei da física, porém isso não explica o porquê ela está crescendo. Ela não cresce porque come demais, mas come demais porque está crescendo. Toda a cadeia de hormônios envolvidas na infância e depois adolescência faz a criança comer mais para crescer, não o inverso. Suponhamos ainda que esse indivíduo chegue saudavelmente à fase adulta a uma altura de 1,70m e tenha como sonho jogar basquete na NBA. Não seria nada lógico supor que comendo mais e mais ele fosse aumentar essa altura, achando que cresceria ao comer demais. Não, ele não cresceu porque comeu mais, mas ele comeu mais na adolescência porque estava crescendo. Essa é uma lógica inegável.

Enfim, em todos os processos anabólicos na natureza, ou seja, de formação de tecidos, há maior ingestão calórica para permitir esse crescimento; por que então apenas o aumento das nossas reservas de gordura seria um processo unicamente invertido e isolado de toda a natureza? Pela inversão da lógica natural dos exemplos da natureza, a explicação reducionista é achar que o crescimento do tecido adiposo na população atual é resultado de uma ingestão de calorias e gordura.


Nós temos inúmeros exemplos e analogias para fazer. Alguém que vai à academia para ter hipertrofia (aumento de massa muscular) tem que comer mais. Ele não precisa de ninguém o lembrando disso, porque no processo de anabolismo muscular ele necessariamente terá mais fome. Mas nenhum profissional de saúde irá jamais argumentar que ele está mais forte só porque “decidiu” comer mais. Uma grávida “come por dois”, mas ninguém dirá que um feto se desenvolve porque a gestante passou a comer mais, senão o contrário: a futura mamãe come mais porque há um ser vivo em desenvolvimento. E é esse o ponto agora defendido por algumas pessoas que falam sobre obesidade e nosso controle de peso: a obesidade seria um desbalanço (ainda que momentâneo) que nos faz comer mais porque o corpo entrou em um estado de engorda. Comer a mais seria, então, a CONSEQUÊNCIA e não a causa da obesidade.

A hipótese da inversão entre causa e consequência nesta questão da obesidade foi discutida em um artigo publicado no JAMA. Nele, uma das explicações seria que por algumas razões nossas células adiposas estariam armazenando mais energia. Com uma menor disponibilidade na corrente sanguínea, o cérebro “avisaria” o corpo para ingerir ainda mais alimentos (de preferência de rápida oferta de energia) despertando a sensação de fome, enquanto por outro lado, ele pede que economizemos energia (redução do metabolismo). Isso, além de atender às “ordens” do cérebro, gera uma consequência imediata: ganho de peso. Conscientemente, negar esse alimento ao organismo (uma dieta hipocalórica, de corte de calorias), pode resolver o problema apenas momentaneamente. A resposta do corpo é aumentar ainda mais a fome e reduzir ainda mais o metabolismo, gerando letargia, preguiça.

Outros exemplos de aumento de peso corporal (massa adiposa) na natureza acabam reforçando a questão do controle de peso e ingestão alimentar como consequência e não causa. Os esquilos, por exemplo, de tempos em tempos engordarão seguindo um ciclo natural. Mesmo que você os coloque em laboratórios, controlando, sua alimentação (e ingestão calórica), eles engordarão. O mesmo vale para ursos em zoológicos, esses animais reduzirão sua atividade corporal (sedentarismo). É um caso exemplar de ciclo independente das condições ambientais de oferta ou não de alimento.

No começo dos anos 70, o então jovem pesquisador George Wade da University of Massachusetts acabou levando esse exemplo dos esquilos ao extremo. Ele conduziu, com grande rigor, experimentos documentando o que acontecia com ratas que tinham os ovários removidos por ele. Por um desbalanço hormonal, as ratas passavam a comer muito e se tornavam obesas. Na lógica do balanço calórico, ou mesmo da gula como gerador do nosso sobrepeso, diríamos que a falta dos ovários as fez gulosas, ingerindo muitas calorias e consequente causando ganho de peso. Ou seja, essa explicação é tão simplista que ignora o fato que a retirada dos ovários trouxe um desbalanço hormonal às roedoras.

Mais tarde, Wade continuou a pesquisa colocando essas ratas sem ovários em uma dieta com as mesmas calorias da fase pré-cirúrgica. Elas assim foram submetidas à fome, pois o desbalanço hormonal as faziam “querer” engordar, mas as ratas tinham ração apenas equivalente ao que consumiam antes da retirada dos ovários. E se a questão da manutenção de peso for algo matemático, elas teriam assim que manter o peso.

O mais incrível deste experimento é que contrariando a “lógica”, elas continuaram a engordar por ficarem mais letárgicas, muito sedentárias, economizando assim mais e mais energia e continuando seu processo de engorda pelo desbalanço hormonal. A conclusão foi muito diferente do que aponta a tese nunca provada do balanço calórico como regulador primário do nosso peso. A retirada dos ovários mudou toda a regulação do tecido gorduroso, de modo que este tecido entrou em anabolismo, gerando um déficit calórico que foi compensado pela sensação de fome. Havendo comida e disponibilidade de alimento, o animal comerá; se não houver, ele reduzirá seu gasto para que o balanço calórico seja positivo. Veja bem, não vamos negar a matemática (ou a física), mas a fome, a ação de comer demasiadamente nessas ratas era uma consequência do processo de engorda e não a causa!

Nesse cenário, combater a preguiça (faça exercício!) ou a gula (coma menos!) não resolverá o problema se a razão for de desordem hormonal. Esses animais comeram mais para engordar e não ficaram gordos por comer demais.

Quando queremos nos movimentar mais, fazer mais atividade física para compensar um alto consumo ou um baixo gasto, temos que lidar com outro fato: poucas coisas dão tanta fome quanto fazer exercício. Não deixa de ser uma questão de equilíbrio, de homeostase; essa maior fome por causa da prática de esporte é o nosso corpo buscando, ou tentando atingir um equilíbrio, seja aumentando o apetite ou tendo mais preguiça (letargia). É uma resposta natural.

Enfim, se o ponto central de um debate sobre a saúde de um indivíduo fosse as explicações pela sua altura ou ainda os casos extremos dela (nanismo e gigantismo), ou ainda uma hipertrofia muscular, o debate seria no campo dos hormônios e enzimas envolvidos nessa questão. Porém, quando o assunto é obesidade, fechamos a vista, ficamos cegos, invertemos uma lógica inúmeras vezes presente na natureza. Para explicar a obesidade insistimos em partir para o campo do comportamento pessoal e/ou mesmo para uma questão moral, que envolve força de vontade (treinos e dietas), ou mesmo puritanismo e pecados.

Há um claro anabolismo do tecido gorduroso, porém não consideramos sua causa como hormonal e/ou enzimática; partimos para a responsabilidade individual como culpa pelo sobrepeso. Buscamos e equivocadamente achamos as respostas somente do “lado de fora” do organismo, ignorando toda uma complexa rede hormonal e apressadamente transformamos sobrepeso até em uma questão de fraqueza pessoal. Foi um enorme erro, mas já teríamos definido as causas e quando esse quebra-cabeça não fecha, como nas falhas da dieta hipocalórica, vamos buscando dentro de teorias nunca provadas explicações para o que não compreendemos. Ou o indivíduo é que come demais ou é preguiçoso, nem que para isso sugira-se que ele o faça até escondido.

A história e a natureza são repletas de casos que nos possibilitam questionar o balanço calórico como causa e não consequência. Animais de laboratório submetidos a dietas hipocalóricas severas em estudos, ou ainda os relatos de guerras e os períodos de fome contam que os famintos ficaram letárgicos, sonolentos, gastando o mínimo de calorias em uma resposta de sobrevivência do organismo para poupar importante energia. O inverso também é verdadeiro, basta fazermos atividade física para termos fome. 

Exercícios são extremamente ineficientes na promoção da perda de peso. Ou ainda, exercícios físicos não deveriam ser jamais uma abordagem primária para o emagrecimento.


LEMBRE-SE:

1. Engordar não é sobre calorias, mas muito mais sobre o quê se come.

2. A crise de obesidade atual é sobre uma mudança no padrão dos alimentos consumidos no mundo nas últimas décadas, não sobre a quantidade. (*aumento do consumo de carboidratos, principalmente os simples e/ou refinados, e MUITO menos sobre quantidade de calorias, mais sedentarismo ou consumo de gorduras saturadas)

3. A Ciência da Nutrição estabelece pelo menos uma importantíssima diretriz com afirmações SEM respaldo em estudos: a obesidade como resultado primário de comer em excesso.



Danilo Balu é graduado em educação física pela USP e cursou nutrição na mesma instituição. É autor do livro "O nutricionista clandestino", que em suas próprias palavras "não é um livro de dieta, nem um manual para a perda de peso. O objetivo da obra é, sem falsa pretensão, proteger o leitor de equívocos graves que muitos nutricionistas profissionais repetem em revistas e programas de TV. É uma apresentação didática de estudos científicos sérios ao público em geral e o que a conclusão deles nos leva a repensar sobre emagrecimento e controle de peso. Ao terminar de ler a obra o leitor poderá questionar, com conhecimento de causa, seus hábitos alimentares e sua alimentação de modo a favorecer o controle ou perda de peso."

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