Alzheimer, cetonas e nos enganando (Parte 3 de 3)
por Amy Berger.
Eu concluí o post anterior introduzindo a ideia de que, quando se trata de um corpo e cérebro que estão sendo alimentados por cetonas, a concentração absoluta de corpos cetônicos no sangue pode ser menos importante do que a capacidade do corpo de usar essas cetonas. Eu expressei a preocupação de que colocar a soma total de nossa fé em níveis elevados de β-OHB pode tirar os olhos do marcador que provavelmente deveríamos estar mais interessados: quão bem um paciente com Alzheimer está funcionando. Talvez alguns pacientes com Alzheimer exijam cetonas acima de 4-5mM. Mas talvez alguns outros estariam muito bem em níveis mais baixos.
Aqui está o meu pensamento sobre isso...
Trocar a floresta da função cognitiva por árvores numéricas
Digamos que alguém tem cetonas no sangue de 4,0mM. Isso seria considerado super bom! Mas talvez essa pessoa não esteja passando por melhorias na função cognitiva que se espera de níveis tão altos. E vamos dizer que outro alguém tem cetonas em 1,4mM. Isso é um pouco menos, mas talvez sua mente esteja nítida e ela se sinta bem. Portanto, não é necessariamente o que os números dizem, mas sim, como alguém está realmente sentindo, pensando e processando as informações. Não importa quão altos estão os níveis de cetonas se as células não podem usá-la de forma eficaz. (Pense sobre suplementos nutricionais: você poderia tomar 1200mg de cálcio de uma forma que não é muito bem absorvida ou 400mg de uma forma que é mais biodisponível Você pode realmente experimentar um maior benefício de uma dose menor porque o corpo é mais capaz de usá-la. As pessoas que argumentam contra o uso de vitaminas e suplementos minerais dizem que você só vai acabar com "a urina cara". Então talvez seja possível que as pessoas acabem com o sangue caro, também. [Ou seja, cetonas aos montes, mas sem usá-las para o melhor efeito possível]).
A verdade é que, na maioria dos estudos que empregam cetonas exógenas, os níveis mais elevados de cetonas tendem a se correlacionar com a melhoria da cognição. Eu não nego isso. MAS: cetonas exógenas devem ser administradas a cada poucas horas, porque os efeitos são transitórios. Como eu disse da última vez, quando elas são usadas, acabam. Fin. Kaput! (E de acordo com os pesquisadores, a meia-vida de β-OHB elevada no sangue induzida por cetonas exógenas é apenas cerca de 1-1,5 horas. Não é tanto tempo assim).
Mas como isso pode se comparar a alguém em uma dieta low-carb, fazendo um pouco de jejum, atividade física de baixo nível à base de gordura e talvez tomando um par de colheres de óleo de coco aqui e ali? Esta pessoa teria cetonas elevadas o tempo todo. (Talvez não 3-5mM, mas certamente mais do que o 0.1-0.2mM típico de uma dieta "equilibrada" [isto é, high-carb].)
Eu continuo voltando a essa questão de LC versus cetogênica (KD) porque acho que é uma distinção importante a se fazer, particularmente quando temos pesquisadores que fazem reivindicações que se resumem a: "É muito difícil para as pessoas mudarem sua dieta, e é por isso estamos tão animados com estas fórmulas de cetonas".
As pessoas podem estar mais inclinados a mudar suas dietas (ou a de seus entes queridos) se acharem que podem ver alguma boa melhora, fazendo, digamos, uma boa e velha dieta Atkins, ao invés de um "plano médico cetogênico" 4:1 ou 3:1 no qual vivem de abacate, macadâmia, creme de queijo, manteiga, creme de espinafre e espargos ao molho holandês, e estão prestes a vomitar toda a gordura. Sim, quando você precisa restringir proteína e obter mais de 80% de suas calorias provenientes de gordura, uma KD é difícil de manter. Você quase tem que organizar sua vida em torno da dieta. Mas um abordagem regular low-carb? Mole-mole! (À propósito: para aqueles de vocês que não sabem, a verdadeira dieta Atkins inclui uma abundância de legumes e até frutas, dependendo da sensibilidade a carboidratos Não é só bacon cheeseburgers sem pão. Por favor, pare de acreditar nos estereótipos sobre este plano nutricional.absolutamente salva-vidas).
E a beleza de uma abordagem mais geral low-carb é que ela é completamente viável na vida real todos os dias. Milhões de pessoas têm feito isso há anos. Como low-carb, eu nunca me encontrei em uma situação social ou em um restaurante onde eu não pudesse encontrar algo apropriado para comer. Comer fora de casa nunca foi um problema, e não é realmente difícil de manter quando você pode comer (dependendo, é claro, da tolerância de carboidratos do indivíduo) acima de 75-100g de carboidratos por dia. Você não tem que viver com creme de leite e bacon. (Apesar de que seria saboroso!) Você pode desfrutar de morangos, iogurte, leite integral, chocolate amargo e pilhas de verduras e legumes de baixo amido. (Mesmo pequenas quantidades de cenoura, beterraba e abóbora!) Não é difícil. É fácil comprar mantimentos, fácil de preparar as refeições, fácil de comer quando se tem pressa e você não tem que enlouquecer sobre os proporções de macronutrientes e nem se estressar sobre a limitação de proteínas. Eu penso que este é o ponto que os pesquisadores estão deixando passar: estão confundindo "low-carb" com uma dieta cetogênica radicalmente estrita.
Então, novamente, deixe-me especular: alguém em uma dieta LC, com as vias metabólicas de uso de ácidos graxos e cetonas aceleradas e sendo utilizadas 24/7 - versus alguém que segue sua mesma velha dieta rica em carboidratos, indutora de resistência à insulina e tendo apenas cetonas exógenas a cada poucas horas - pode (pode) extrair um benefício maior a partir de um nível mais baixo de cetonas. (Dito isto, eu certamente reconheço que existem pessoas que precisam seguir uma dieta cetogênica muito rigorosa e obter cetonas em torno de 3-5mM, a fim de ver os benefícios. Eu só acho que eles podem ser minoria. Além do mais, as pessoas podem começar com uma dieta LC sólida, ver onde isso os leva, e aperfeiçoar a proporção de macronutrientes, se necessário, ao longo do tempo.)
Eu gostaria que houvesse mais ensaios clínicos estudando os suplementos de cetona em conjunto com dietas low-carb. Atualmente há muito poucos, se houver. Quase todos empregam apenas os ésteres de cetona, mas há mais alguns em andamento, e já temos grandes indícios de que a redução de carboidratos combinada com outros ajustes de estilo de vida podem ter impactos impressionantes para Alzheimer e déficit cognitivo leve.
Alguém que tem 70 anos, sedentário e come mais de 200g de CHO por dia dia provavelmente não é tão metabolicamente flexível. Por isso, os dosamos com cetonas exógenas e talvez eles obtenham um pequeno benefício. Mas será que veríamos um benefício muito maior (leia-se: melhor/mais eficaz) dando a mesma dose de cetona para alguém cujas mitocôndrias estão preparadas para utilizar o combustível corretamente? Nós tendemos a nos esquecer de que não podemos apenas empurrar certos compostos em nossos corpos e espera obter automaticamente o benefício pretendido. Certos mecanismos fisiológicos/bioquímicos tem que estar no lugar a fim de usá-los de forma eficaz. É por isso que eu acho que a combinação de cetonas exógenas e uma dieta baixa em carboidratos (e exercício, e qualquer outra coisa que melhora a sensibilidade à insulina e flexibilidade metabólica) iria mostrar muito mais promessa do que temos visto até agora em estudos em que eles administram cetonas, mas não requerem quaisquer outras alterações na dieta ou estilo de vida.
A ressalva que eu daria para um estudo olhando para uma dieta LC para Alzheimer é que teria de ser um estudo de bastante longo prazo, especialmente se os sujeitos forem muito mais velhos. Quanto mais jovem alguém é, mais provável é que ele possa se adaptar rapidamente a uma mudança na dieta. Para alguém de idade avançada, e Alzheimer avançado, ele provavelmente iria demorar mais tempo para trazer a maquinaria metabólica até a velocidade. Eu odiaria ter um ensaio clínico de 6 semanas que determinasse que a abordagem é "ineficaz", quando poderia ter sido de ouro em 3 ou 4 meses.
Fator de confusão: ApoE4
Nós precisamos falar sobre ApoE4.
Considerando o quão longo esse post já ficou, eu não vou inundá-lo com os porquês do genótipo ApoE4. Versão resumida: portadores do gene ApoE4 (tanto hetero e homozigotos) têm um risco significativamente maior de desenvolver Alzheimer. Há muitas razões para isso, mas uma delas parece estar relacionada com o processamento de lípido/lipoproteína. (E4s tende a ter riscos elevados por doenças cardiovasculares, assim como a doença de Alzheimer).
A razão pela qual temos de falar sobre ApoE4 (que eu vou apenas chamar E4 daqui em diante) é porque, em estudos em que cetonas exógenas têm sido utilizadas para melhorar a função cognitiva em pacientes com Alzheimer, pessoas E4 geralmente não mostram uma melhoria tão profunda como outros genótipos, e às vezes eles não mostram nenhuma melhora. O que se passa?
Isto, meus amigos, é porquê de eu ser tão apaixonada pela importância de mudanças na dieta e estilo de vida. Os resultados do estudo mostram que E4S não respondem tão bem aos sais/ésteres de cetona quanto E2s e E3s - que tipicamente empregam as cetonas sem nenhuma outra intervenção. Eu entendo que a variável cetona precisa ser estudada de forma isolada, para se certificar de que realmente são as cetonas e não algum fator de confusão que está resultando no efeito, mas uma vez que é estabelecido que cetonas ajudam - e isto já foi estabelecido (pelo menos, em não-E4s) - então parece que a coisa certa a fazer para os E4s não é levantar as mãos para cima e desistir, mas sim, perguntar por que os E4s não obtêm o mesmo benefício que os outros genótipos . Meu palpite - que é apoiado por um corpo significativo de pesquisa - é que o genótipo E4 não programa qualquer pessoa de desenvolver Alzheimer. O que ele faz é tornar seus portadores mais suscetíveis aos efeitos prejudiciais da dieta moderna e estilo de vida. (mais ou menos como a maneira pela qual os genes BRCA1 não causam câncer de mama, mas aumentam a susceptibilidade.)
De acordo com as pessoas que comem, dormem e respiram este material:
"O alelo APOE Ɛ4 pode não ser inerentemente prejudicial, mas somente em combinação com uma dieta rica em carboidratos, o que é prejudicial em si e é susceptível de ser um dos principais contribuintes para a risco elevado de doença arterial coronária [doença coronária], e, possivelmente, Alzheimer, em populações modernas, com ou sem o alelo APOE Ɛ4". (Lane & Farlow, 2005)
"Deve-se notar que E4 não é inerentemente um alelo danoso; só é prejudicial em combinação com uma dieta HC [high-carb] (que é prejudicial por si própria)". (Henderson, 2004)
"Um 'prescrição Paleolítica' modificada pode prevenir Alzheimer. A prescrição Paleolítica propõe uma mudança na dieta e atividade para um nível mais semelhante ao dos nossos antepassados do Paleolítico tardio. [...] Por conseguinte, seria preferível reduzir a ingestão de carboidratos de alto índice glicêmico e aumentar proteína, fibra e gordura. Dietas semelhantes parecem reduzir o risco de Alzheimer. Já que dietas HC [high-carb] parecem ser a principal causa de Alzheimer independentemente do genótipo apoE, tal dieta, em geral, reduz o risco de Alzheimer. No entanto, esta dieta é predita como sendo particularmente benéfica para aos portadores de apoE4".(Ibid.)
A partir do estudo que inspirou este post: ( "o paciente" está se referindo ao Sr. Newport)
"Tendo em conta o artigo do Henderson et al. indicando que os sujeitos apoE ε4-positivas em seu estudo não mostraram melhora estatisticamente significativa em suas pontuações ADAS-cog em resposta ao tratamento TCM, é de se salientar que o paciente, embora APOE ε4-positivo, exibiu melhora cognitiva e comportamental clara ao consumir quantidades equivalentes ou maiores de TCMs cetogênicos. As descobertas de Henderson et al. (que podem não ter tido o poder estatístico para detectar uma mudança na apoE de sujeitos ε4-positivos) não descartam a possibilidade de que os portadores do alelo ε4 poderiam mostrar melhora cognitiva se estudados por longos períodos de tempo e/ou com doses mais elevadas de TCM ".
Sabe o que mais os resultados de Henderson et al. não descartam? Que tal a potencial eficácia de menores doses de cetonas (ou superior), combinadas com uma dieta low-carb?! (E talvez um pouco de jejum aqui e ali, algumas longas caminhadas e um bom sono.)
Talvez as cetonas exógenas não alimentassem os neurônios famintos dos E4s porque essas pessoas ainda estavivessem comendo massa / pão / biscoitos / algo do gênero, não dormissem o suficiente e fossem muito sedentárias: tantos obstáculos que as cetonas têm que superar . O que pode acontecer com a cognição em E4s quando nós fornecemos alguma cetona exógena, mas seus corpos estão esperando pelo menos usá-la, porque a maquinaria metabólica está no lugar para tal, graças a uma dieta baixa em carboidratos e quaisquer modificações de estilo de vida adicionais das quais são capazes?
Outra razão que eu queria abordar a questão E4 é que as dietas LC muitas vezes - nem sempre, mas muitas vezes - incluem grandes quantidades de gordura saturada. E já que os E4S têm resposta exagerada a lipoproteínas, eles podem precisar ajustar as coisas um pouco. Eu não sou um especialista sobre os prós e contras de E4. (Mas essas pessoas são. Aqui também). Tudo o que sei é que, com o consumo de grandes quantidades de gordura saturada, os E4s tendem a ter o colesterol LDL muito elevado - e eu quero dizer muito elevado, tanto no teor de colesterol e número de partículas. Eles também podem mostrar mudanças desfavoráveis com elevado consumo de outros tipos de gordura, mas a saturada parece ter o maior impacto. (Nós do mundo LC/Paleo geralmente não surtamos sobre o colesterol como o mundo da medicina convencional faz, mas há muito que ainda é indeterminado, e até sabermos algo com certeza, é razoável que essas pessoas se preocupem).
Dito isto, não há nenhuma razão para que que não seja possível um E4 construir uma dieta LC com base em gordura mono e poli-insaturada. E, quando combinado com outras intervenções de estilo de vida que podem ajudar a manter/restaurar a sensibilidade à insulina, é possível que eles nem sequer exijam restrição de carboidratos a um grau extremo. Eu posso ver um lugar para 25-30% de carboidratos em alguém que tem tudo sob controle, especialmente se os carboidratos são provenientes de vegetais sem amido, frutas de menor índice glicêmico, e sim, talvez até mesmo pequenas quantidades de alimentos com amido. Portanto, é possível ter uma dieta low-carb sem que seja super-pesada em gordura, o que parece ser uma forma prudente de abordagem para E4s. Algumas pessoas podem ser capazes de obter os benefícios cognitivos de uma dieta baixa em carboidratos, sem ser super-cetogênica em todos os momentos.
Minha opinião pessoal é: ter cetonas mais altas é provavelmente uma boa coisa para TODAS as pessoas cuja utilização da glicose pelas células cerebrais tornou-se comprometida, independentemente do genótipo. Mas, a fim de equilibrar a saúde cardiovascular a longo prazo e preservação (ou restauração) da função cognitiva, talvez os E4s sairiam-se melhor com um suplemento de cetonas combinado com uma dieta um pouco low-carb, em vez de uma dieta ultra low-carb.
De qualquer forma, o meu propósito ao escrever estas postagens é este: se pensarmos que apenas as cetonas exógenas vão ser algum tipo de "bala de prata" milagrosa para a doença de Alzheimer, acho que estamos nos enganando.
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