Pode Uma Dieta Prevenir Diabetes E Câncer? E não é suco verde!

Artigo traduzido por Décio Gazzoni. O original está aqui.

por Peter Bowes


Pessoas obesas de baixa estatura de uma comunidade equatoriana comem o que querem e não sofrem de câncer e diabetes. Será possível fazer o mesmo na dieta de Peter Bowes?

Com a ajuda de um banquinho, Mercy Carrion escala a mesa de exames. A mulher obesa de 50 anos tem apenas 115.6 cm de altura. Apesar de ser obesa, Mercy não mostra sinais de desenvolver diabetes, e apresenta uma pressão arterial notavelmente baixa de 100/70. “É por isso que não ligam muito para o seu peso,” diz seu médico, Jaime Guevara-Aguirre.

Mercy, que possui uma rara doença genética, é um de seus pacientes de longo prazo. Ela e seus colegas sabem que estão de alguma forma protegidos contra diabetes, câncer e um apanhado de outras doenças que nos ameaçam conforme envelhecemos. Como tal, possuem uma atitude despreocupada em relação à saúde e condição física.

Mercy ri enquanto diz para seu médico que dieta não é com ela. Ela segue uma dieta típica equatoriana de alta caloria, onde arroz faz parte de quase todas as refeições. No dia seguinte, fomos visitá-la em casa em uma comunidade agrícola pobre na província de El Oro, distante uma hora de vôo. Sua geladeira está cheia de carne vermelha, mortadela e ovos. Há bananas de sobra, que geralmente são servidas fritas.

Esta dieta de alta caloria contribui para seu excesso de peso. Mas, paradoxalmente, a biologia que causou seu ganho de peso também pode ser o que a protege de doenças. Estou fascinado, parcialmente porque a condição desta mulher está tão relacionada com uma dieta que venho seguindo pelos últimos três anos.

Na realidade, não seria correto chamá-la de “dieta”. Ela certamente causa perda de peso a curto prazo, mas pesquisadores preferem enxergá-la como um investimento no futuro. Eles dizem que tal dieta poderia iniciar um processo regenerativo que levaria a melhora na saúde e longevidade. Se a teoria for válida, eu poderia desfrutar de um menor risco de câncer, um sistema imunológico fortalecido, melhores habilidades cognitivas e pouca ou nenhuma chance de contrair diabetes.

Eu me inscrevi para essa dieta há três anos atrás como parte de um intrigante ensaio clínico na Universidade da Califórnia do Sul, Los Angeles. A dieta consiste em reduzir minhas calories por até dois terços, ao longo de cinco dias consecutivos, uma vez por mês a cada três meses. No restante do tempo, eu me alimento normalmente, sem restrições. Após três anos, acabei de completar minha décima Dieta da Imitação de Jejum (FMD - Fasting Mimicking Diet).

A ciência é baseada em anos de experimentos com leveduras, vermes, moscas, ratos – e estudos de equatorianas com um tipo de nanismo.

Um pesquisador israelense, trabalhando com pessoas que apresentam deficiências de crescimento, identificou pela primeira vez a condição no final da década de 1950. Mas Zvi Laron levou mais duas décadas para descobrir o mecanismo por trás da síndrome de Laron, como ela passou a ser conhecida.

Laron descobriu que seus pacientes apresentavam o hormônio de crescimento primário do corpo em abundância na corrente sanguínea, uma observação que aparentava desafiar a lógica, visto que eles apresentavam deficiências de crescimento. Ele acabou concluindo que seu nanismo era provocado por danos a receptor de hormônio de crescimento no fígado. Isto resulta em níveis baixíssimos de outro hormônio de crescimento, conhecido como fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1).

Na sequência natural de eventos, o hormônio de crescimento, secretado pela glândula pituitária, atinge os receptores de hormônio de crescimento, iniciando a produção de IGF-1 no fígado. Mas se uma mutação danificou estes receptores, ocorrem dois efeitos principais: o corpo é incapaz de produzir IGF-1 e o indivíduo é mais sensível ao hormônio insulina, que ajuda a controlar a quantidade de açúcar no sangue.

Como o IGF-1 estimula as células a crescer e se dividir, a falta desta hormônio está associada a um menor nível de câncer – divisão descontrolada de células. Ao mesmo tempo, uma maior sensibilidade à insulina ajuda a prevenir diabetes.

Existem cerca de 350 pessoas no mundo vivendo com a síndrome de Laron. O próprio Laron identificou casos no Oriente Médio, Europa e Ásia, mas cerca de um terço das pessoas afligidas com esta condição vivem em Loja, uma província remota e montanhosa no sul do Equador. Conhecidos popularmente como Larons, eles crescem até atingir cerca de um metro de altura, e atingem a puberdade tardiamente. Os homens não atingem a maturidade completa até pelo menos os 22 anos, e nas mulheres, entre 16 e 19 anos.

Eles não gostam de serem baixos e detestam serem chamados de anões, mas o gene recessivo responsável por seu crescimento deficiente pode se revelar um valiosíssimo acidente da natureza, já que eles aparentam ter o que a maioria das pessoas querem: uma capacidade de prevenir doenças incapacitantes.

Historiadores pensam que os Larons do Equador são descendentes de conversos, judeus sefarditas que se converteram ao cristianismo e fugiram para a América Latina na época da inquisição espanhola, no século XVI. Inicialmente, devia haver uma única pessoa, sem sintomas externos, mas que transmitiu o gene recessivo. Assume-se que, ao longo de gerações, relações consanguíneas nesta pequena e isolada comunidade equadoriana levou ao nascimento de crianças com cópias deste gene herdadas de ambos os pais – o que provoca a síndrome de Laron.

Jaime Guevara-Aguirre, o médico de Mercy, começou a estudar em 1988 os equatorianos com síndrome de Laron. Fortemente determinado a compreender os mecanismos por trás de sua condição, Guevara-Aguirre tem tratado cerca de 100 pacientes com a síndrome nas últimas três décadas. Ele os visita em casa, pega amostras, faz exames de sangue e se reúne com suas famílias.

Ao longo deste tempo, Guevara-Aguirre viu apenas um paciente com a síndrome morrer de câncer, e nenhum de diabetes. A situação contrasta fortemente com seus parentes sem síndrome de Laron, cuja taxa de mortalidade por câncer é 17% e por diabetes, 5%. Apesar de terem mais gordura no corpo, os Larons possuem menor resistência à insulina e uma incidência muito menor de diabetes. E eles não precisam fazer jejum para isso. Eles comem o que querem e frequentemente são obesos. Como a mutação em seus receptores de hormônio de crescimento bloqueia a produção de IGF-1 no corpo, eles podem engordar e mesmo assim não desenvolver diabetes.

“Eles são a versão humana do que a pesquisa de muitos grupos mostrou em organismos simples”, diz Valter Longo, biogerontologista e diretor do Instituto de Longevidade da Universidade da Califórnia do Sul. Longo e outros mostraram que é possível estender significativamente a vida de leveduras, vermes nematoides, moscas e macacos rhesus introduzindo mutações que afetam o crescimento. Por exemplo, uma mutação em um único gene permite que leveduras – o mais simples dos organismos – vivam três vezes mais do que o normal. Cientistas também descobriram que ratos, quando modificados geneticamente para que seus receptores de hormônio de crescimento sejam comprometidos, vivem 40% a mais do que o normal. Além disso, suas vidas mais longas também são livres de doenças graves.

“Trata-se de um aumento notável na duração da vida saudável, além da longevidade”, segundo Longo. E ele acredita que o mesmo pode se aplicar a seres humanos. O processo de envelhecimento parece ser controlado, em organismos distantemente relacionados, por genes e mecanismos similares. Existe uma ampla gama de estudos que dão suporte à ideia que os caminhos de controle do crescimento estão envolvidos em promover as doenças da velhice, afirma David Gems, Professor de Biogerontologia no Instituto de Envelhecimento Saudável da University College de Londres. “A questão dos anões Laron do Equador”, segundo ele, “é que eles fornecem evidências tentadoras de que o controle do envelhecimento se estende dos modelos animais para os seres humanos.”

A comida é chamada ProLon. Ela vem em pequenas e cuidadosamente organizadas caixas brancas. Elas contêm sopas de vegetais, pequenas barras energéticas, biscoitos de couve, chás de ervas e uma bebida energética, junto com uma advertência de que a Dieta da Imitação de Jejum “não é voltada para diagnosticar, tratar, curar ou prevenir nenhuma doença”.

As refeições foram fornecidas para mim inicialmente em 2013, gratuitamente, como parte do ensaio clínico na Universidade da Califórnia do Sul. Elas são produzidas pela empresa L-Nutra de Los Angeles, fundada por Longo. ProLon não está disponível comercialmente, embora a L-Nutra planeje começar a vendê-la em algum momento de 2016. (Por questões de transparência, Longo afirma que ele não tem interesse financeiro no produto. Ele criou uma fundação sem fins lucrativos chamada Create Cures (Criar Curas), que, segundo ele, focará em prover intervenções rápidas, “similares a jejum”, para tratar condições como câncer, doença de Alzheimer e esclerose múltipla, para as quais atualmente não existe cura. Longo planeja doar todas as suas ações na L-Nutra para a fundação.)

O ensaio clínico foi estabelecido pelo grupo de Longo para descobrir se as pessoas teriam condições de lidar com uma dieta tão rigorosa. A comida formulada em laboratório é projetada para ser nutritiva ao máximo com o mínimo de calorias. Baseado em duas décadas de pesquisas, a idéia é produzir os benefícios do jejum sem efetivamente jejuar.

A prática de jejum é uma tradição milenar em muitas sociedades e religiões. Ela provoca uma série de mudanças a nível celular – incluindo uma redução nos níveis de IGF-1. Em outras palavras, ela tem um efeito similar sobre o meu corpo à mutação genética que provoca a síndrome de Laron.

Mas poucas pessoas estão preparadas para tolerar um período longo de tempo com pouca comida, mesmo que seja benéfico para sua saúde. Para a maioria das pessoas, mesmo um período de cinco dias é uma perspectiva assustadora. A FMD busca diminuir o fardo de um jejum total ao mesmo tempo que promove os aspectos positivos de privação de comida.

Longo e sua equipe de nutricionistas acredita ser necessário fazer a dieta apenas três a quatro vezes por ano para obter os resultados, embora não exista uma regra para todos, e a frequiencia recomendada irá depender da saúde e hábitos gerais de alimentação do indivíduo. Longo prefere uma dieta de baixa proteína (de preferência baseada em plantas), entre os ciclos da FMD, para otimizar seus efeitos. Aqueles que costumam seguir uma dieta ocidental típica de alta caloria, rica em carnes vermelhas e alimentos processados podem, segundo Longo, precisam de intervenções mais frequentes para obter um efeito duradouro em sua saúde.

A equipe de pesquisadores de Longo se refere a ela como um “regime de jejum periódico”. Cada ciclo traz consigo uma montanha-russa de emoções e desafios físicos, como eu descobri no papel de uma de suas primeiras cobaias humanas.

O regime requer 100% de aderência. Meu primeiro instinto foi de comer compulsivamente nos dias que antecediam o início do regime. Isto, eu rapidamente aprendi, é fútil e contraproducente. O melhor preparo é uma transição gradual para o plano de cinco dias. É muito mais fácil fazer pequenas refeições e cortar totalmente lanches e bebidas com cafeína (que também são de alta caloria), no período de alguns dias antes da FMD, do que alterar de forma repentina e extrema sua ingestão de comida.

Em teoria, o primeiro dia deve ser o mais fácil, com as refeições ProLon contendo 1.090 calorias (10% proteína, 56% gordura, 34% carboidrato) – mais do que nos quatro dias remanescentes, em que as refeições são de apenas 725 calorias (9% proteína, 44% gordura, 47% carboidrato). No entanto, descobri que poderia ser o mais desafiador.

Alguns voluntários se queixaram de fortes dores de cabeça, que podem ser causadas por desidratação, uma vez que cortar a comida também reduz sua ingestão de água (o Regime de Imitação de Jejum permite beber água à vontade). Dores de cabeças também podem ocorrer conforme o cérebro se acostuma a metabolizar gordura ao invés de glicose. E para os que consomem muito café, a queda brusca no consumo pode causar estragos. Com a permissão dos pesquisadores, eu continuei a tomar uma xícara de café preto por dia. Eles abriram uma exceção para membros do ensaio como eu, que sentiam que sua dose diária de espresso era tão importante que poderia colocar em risco a aderência à dieta (uma única xícara, sem leite ou açúcar, não afetou significativamente minha ingestão diária de calorias).

As dores de cabeça normalmente diminuem após algumas horas e, após um certo número de ciclos, não eram mais de forma alguma um problema para mim. É como se o corpo aprendesse o que esperar e rapidamente se adaptasse a um estado temporário de restrição calórica. Ataques de fome vão e vem. Após tolerar as primeiras ondas de desconforto, os roncos do estômago dão lugar a um estado Zen de corpo e mente.

Isto faz um certo sentido – uma sensação de cognição afiada é um efeito comumente relatado da cetose, o processo através do qual o corpo metaboliza corpos cetônicos, um combustível alternativo produzido pela quebra da gordura quando as reservas de glicose do corpo estão vazias. A maioria dos participantes do ensaio também disseram que sentiam uma maior lucidez, mas outros relataram que sentiram fadiga mental durante o ciclo de cinco dias. Eu senti as duas coisas. Em alguns dias, exaustão pura, mas em outros momentos, meu cérebro estava a todo vapor.

O impressionante é que 95% dos participantes seguiram o regime à risca. Este é um ponto importante: aqueles que tiveram maior dificuldade de seguir a dieta tendiam a ser pessoas que consomem alimentos convenientes – refeições para microondas e assemelhadas – e comiam principalmente refeições baseadas em carne, ricas em proteína animal. Pode-se dizer que esse é também o grupo que mais se beneficiaria da dieta.

“Pessoas que vinham de uma dieta muito pobre, onde comiam bastante comida processada, muitos doces, fast food e coisas do tipo, estas acharam a dieta muito desafiadora”, diz o Dr. Felice Gersh, um conselheiro médico voluntário da L-Nutra, que diz ter acompanhado 48 pacientes na Dieta de Imitação de Jejum. Para pessoas em uma “dieta terrível”, Gersh recomenda um processo de desintoxicação de quatro semanas de suas dietas regulares antes da Dieta de Imitação de Jejum, pois “de outra forma a dieta pode ser devastadora”.

Conversei com Sandra, outra adepta da dieta, que completou uma rodada da FMD e planeja fazer mais. Ela se descreve como “uma americana típica – eu gosto de comer”. “Se eu posso fazer isso, qualquer um pode”, diz ela. Seu objetivo é perda de peso. Aos 55 anos de idade, conseguiu perder pouco menos de 2 kg, um valor baixo frente ao resultado atingido pela maioria das pessoas – a cada ciclo de jejum, eu perdi aproximadamente 3-4 kg.

Sandra fala de forma entusiasmada sobre a FMD. Ela, como muitos outros no ensaio, diz que faria de novo. Tento ser imparcial, mas honestamente eu sinto o mesmo. Então, após completar o ensaio de 2013, decidi continuar. Fiz a dieta quatro vezes em 2014 e duas vezes em 2015.

O benefício mais tangível foi o controle de peso. Embora eu tenha inevitavelmente ganho de volta parte do peso depois de voltar a comer normalmente, eu, como Sandra, descobri que a minha tendência a fazer lanches diminuiu, mesmo quando não estava na dieta. O grupo de Longo relatou uma queda significativa na quantidade de IGF-1 no corpo dos participantes do estudo após uma rodada de 5 dias da FMD. Após retornar a uma dieta, o nível de IGF-1 voltou a crescer, mas sem atingir o original. Rodadas subsequentes da dieta seguiram um padrão semelhante.

É possível que estas boas sensações não passem de viés de seleção – pessoas que se oferecem para um ensaio de dieta tem maior tendência a reagir de forma entusiasmada do que aquelas em uma situação real. Mas, imediatamente após cada intervenção de cinco dias, me senti revigorado. Senti que estava mais forte na academia, embora não esteja claro se isso pode ser diretamente conectado à dieta. Afinal, isto não é muito diferente da forma que outros dizem se sentir após seguir qualquer outra dieta ou desintoxicação da moda. E eu ainda fico doente. Mas as recompensas em potencial para a minha vida futuramente continuam a despertar meu interesse.

Acompanho Longo em uma viagem de campo ao equador. Enquanto chacoalhávamos no banco traseiro de uma picape, ele recordava a primeira vez que fez a jornada, quando as estradas da montanha eram bem mais esburacadas. Ele ouviu falar dos Larons pela primeira vez há cerca de uma década, impressionado por saber que existia uma população humana isolada com a mesma mutaçnao que os seus ratos, e aparentemente desfrutando dos mesmos benefícios. Era uma oportunidade única de estudar um grupo de pessoas de diversas gerações com deficiência reconhecida de IGF-1. “Para mim, eu diria que o que aconteceu há 10 anos foi como ganhar na loteria”, ele diz. “De repente, eu tinha 100 anos de observação”.

O Instituto de Endocrinologia, Metabolismo e Reprodução foi fundado por Jaime Guevara-Aguirre em Quito, Equador, em 1987. Num prédio que não chama a atenção no agitado centro da cidade, ele atende seus pacientes e guarda seus registros médicos, formando um amplo banco de dados de pessoas com síndrome de Laron. Quando Longo veio pela primeira vez, ele ficou impressionado que Guevara-Aguirre conhecia todos por nome.

Um por um, em vilarejos longínquos, Guevara-Aguirre identificou pessoas com as características peculiares da síndrome de Laron. Além de serem baixas, elas tendem a apresentar testas salientes, cavidade nasal achatada e voz aguda.

Sabe-se que os Larons são sensíveis à insulina, o que os protege de diabetes. Uma teoria é que eles possuem menos gordura depositada no fígado porque ela é redistribuída subcutaneamente, levando a ganho de peso corporal. Ser gordo poderia então ser um bom sinal de que o fígado está saudável. Exames de ressonância magnética no fígado de um grupo de Larons, incluindo Mercy, não encontraram problemas, e nem exames de ultrassom. O fígado de Mercy estava em condição perfeita – nenhum sinal da esteatose normalmente associada com a resistência à insulina e diabetes.

Para Longo, os paralelos com seus ratos de laboratório – geneticamente modificados para bloquear a ação do receptor de hormônio de crescimento – eram assombrosas. Assim como seres humanos com síndrome de Laron, esses ratos também apresentam fígados saudáveis e acumulam gordura subcutânea. “As similaridades entre os ratos e os seres humanos são inacreditáveis”, diz John Kopchick, um biólogo molecular da Universidade de Ohio.

O laboratório de Kopchick descobriu um composto que pode tratar pessoas com acromegalia, uma condição rara que é, de certa forma, a anti-síndrome de Laron. Estas pessoas possuem um excesso de hormônio de crescimento circulando no sangue, e desenvolvem mãos e pés extraordinariamente grandes, além de traços faciais pronunciados como lábios grossos. O composto de Kopchick, pegvisomanto – atualmente à venda na forma do medicamento Somavert – bloqueia o hormônio de crescimento em seu receptor, diminuindo o nível geral de IGF-1 no corpo.

Ao ministrar o medicamento a ratos normais, estes ficaram significativamente mais saudáveis que outros ratos que não receberam o medicamento. Kopchick afirma que eles tinham menor chance de desenvolver diabetes, câncer de mama e de próstata. Para aprofundar o teste, ele e seus colegas fizeram modificações genéticas em ratos para desativar seu receptor de hormônio de crescimento. O resultado? Ratos anões obesos com baixos níveis de IGF-1 e resistência a doenças. Mais precisamente, houve uma redução de 49% em mortes por doença neoplásica – ou crescimento anormal de células – o que inclui câncer. Os ratos também viviam por muito tempo, uma descoberta feita acidentalmente quando um técnico de laboratório perguntou a Kopchick o que deveria fazer com seus ratos idosos. Alguns tinham quatro anos de idade – 18 meses a mais do que se esperaria que vivessem. Estes eram os ratos de laboratório mais longevos do mundo. 

“Valter, Jaime e eu acreditamos que reduzir os níveis de IGF-1 é uma das chaves para aumentar a longevidade e, o mais importante, na minha cabeça, tempo de vida saudável”, afirma Kopchick. Por exemplo, IGF-1 não causa câncer, mas uma vez que uma célula se torne cancerígena, ele promove o crescimento da mesma. Reduzir IGF-1, portanto, aparenta tornar mais difícil que o câncer se estabeleça, algo que se confirma em testes de laboratório. Quando células mamárias humanas (não-Laron) foram misturadas com plasma sanguíneo Laron (com baixo IGF-1), e expostas a peróxido de hidrogênio para simular danos celulares por oxidação, elas mostraram resistência a danos. E quando o estresse se tornou excessivo, elas se auto-destruíram, algo que no corpo teria o efeito de impedir que o câncer se espalhasse.

Segundo Longo, “Existem diversos artigos agora mostrando que [pessoas com síndrome de Laron] raramente contraem câncer e diabetes – pessoas estas em pelo menos dois continentes. E existem também os dados em ratos, que dão forte amparo aos dados em seres humanos”.

É impossível extrapolar resultados de um ensaio clínico para estimar as chances de qualquer outra pessoa desenvolver câncer ou diabetes. Apesar disso, Longo diz que as melhoras observadas nos chamados biomarcadores associados a estas doenças (tais como os níveis de proteína ou moléculas de sinalização no sangue) eram imediatamente aparentes. Por exemplo, um marcador conhecido como proteína C reativa, cujos níveis sobem quando há inflamaçãoo no corpo, foram reduzidos após a FMD. Isto, sugere Longo, significa que a dieta pode ajudar a reduzir o risco de doença cardiovascular.

Freddy Salazar, um Laron de 43 anos de idade, vive com os seus pais em uma casa situada em uma encosta pitoresca acima da cidade de Piñas. É uma região com uma beleza natural de tirar o fôlego. Fizemos uma visita em uma manhã abafada de inverno, com uma camada grossa de neblina envolvendo a casa dos Salazar. Eles vivem uma vida simples, cultivando a própria comida. As dependências abrigam uma criação considerável de porcos, enquanto galinhas estão espalhadas pelo quintal.

Guevara-Aguirre e Longo estão ansiosos para entrevistar os anciãos da família a respeito da saúde deles e da família estendida. Mas não é fácil. Piñas é bastante afastada – leva-se horas dirigindo através das montanhas para chegar a uma só pessoa com síndrome de Laron. Alguns viveram boa parte de suas vidas distantes da sociedade, aparentemente envergonhados ou tímidos com a sua aparência. Guevara-Aguirre e Longo estão trabalhando em uma teoria que a deficiência do receptor de hormônio de crescimento pode ter um papel na prevenção não apenas do câncer, diabetes e doença cardiovascular, mas da doença de Alzheimer também. Mas há dificuldades para encontrar registros médicos, especialmente das gerações mais velhas.

Os Salazar se amontoam em torno da mesa de jantar. Freddy, o único membro com síndrome de Laron da família, tem sete irmãos. Seus pais, com idades de 83 e 75 anos, são portadores da condição. Eles também vem de famílias grandes. Seus históricos de saúde são uma mina de ouro de informação. Tios e tias morreram cedo de uma variedade de condições, especialmente câncer. Guevara-Aguirre os questiona a respeito de seus ancestrais e toma notas detalhadas. Ele irá posteriormente cruzar suas histórias com registros de hospitais locais e certidões de óbito. É um processo meticuloso e contínuo.

Guevara-Aguirre está ciente de que está trabalhando com uma amostra relativamente pequena – estudos epidemiológicos geralmente envolvem milhares de pessoas. Mas ele afirma que não interessa quão pequeno é este grupo. “Eles são um modelo surpreendente de seres humanos que possuem uma mutação que desabilita seus receptores de hormônio de crescimento, então deve significar alguma coisa”.

Seu sonho é encontrar um tratamento acessível para o nanismo causado pela mutação, mas mantendo seus benefícios para saúde.

“É uma tragédia para os pacientes, sabe, seu tamanho é um tremendo obstáculo sob qualquer ponto de vista. Eu conversei com eles. Eles não gostam da sua altura, é simples assim. E bastante óbvio”.

Guevara-Aguirre também acredita que existem “limites” para a proteção de seus pacientes contra doenças. Embora necessite de mais estudos, ele afirma que pode ter identificado dois deles que são diabéticos. Ele acredita que a dieta equatoriana, que tem se tornado cada vez mais ocidentalizada com comidas ricas em açúcares refinados, irá levar a mais doenças para os Larons. “Eles ainda estarão protegidos, mas não tanto quanto antes.”

“Permita-me dar-lhe o ser humano perfeito”, diz ele. “Seria um paciente com síndrome de Laron que foi tratado com IGF-1 até atingir a altura máxima.” Dar este hormônio de crescimento extra durante a infância poderia ajudar Larons a atingir uma altura normal. Então, segundo ele, o tratamento poderia ser interrompido e eles ainda teriam sua “proteção impressionante” contra doenças metabólicas.

Parece um milagre, mas este medicamento já existe. É IGF-1 em forma sintética, mas é muito caro – Guevara-Aguirre estima que custaria até US$20.000 por ano para tratar um único paciente. Ele acredita que as empresas farmacêuticas deveriam se oferecer para fornecer a medicação, considerando o quanto elas e a ciência médica se beneficiaram estudando a condição de seus pacientes. “Eles nos deram seus dados clínicos e seu sangue”, diz ele, argumentado que isto também criaria uma oportunidade única de pesquisa para comparar crianças Laron tratadas com IGF-1 com parentes que não apresentam a síndrome.

Enquanto isso, Longo e Kopchick estão desenvolvendo uma droga similar à Somavert, algo que imita a mutação genética dos Larons e que poderia estender os mesmos benefícios de saúde a pessoas normais, similarmente aos ratos de Kopchick. Uma forma desta droga já está em uso clínico, uma injeção diária para tratamento de acromegalia. O que eles precisam fazer agora é inventar uma droga de ação prolongada que possa ser engolida e tomada com menos frequência. E que seja mais barata – Somavert custa milhares de dólares por mês. Um ponto crucial é que, embora Somavert seja licenciada como um tratamento para acromegalia, Kopchick acredita que o FDA (N.T.: órgão equivalente à ANVISA nos EUA) dificilmente liberaria uma droga como essa como um tratamento preventivo para promover o envelhecimento saudável.

E então existe a FMD, a dieta que reduz IGF-1. São biscoitos, sopas e barras energéticas. David Gems afirma que é um conceito inteligente, porque é algo que as pessoas podem tentar imediatamente. Pílulas poderiam funcionar melhor, ele complementa, mas devido ao investimento requerido e à necessidade de garantir sua segurança, trazê-las ao mercado seria um processo difícil. Com uma dieta, os usuários simplesmente precisam comer o que ela prescreve – e abrir mão de outras comidas e bebidas – com um mínimo de orientação.

Longo, que nunca almoça como parte de seu próprio regime de restrição calórica, diz que seu objetivo é fornecer aos médicos “ferramentas que eles nunca tiveram”: uma dieta clinicamente testada e com resultados comprovados.

Desde a publicação dos resultados iniciais, versões caseiras da FMD apareceram na internet, tentando replicar as receitas da ProLon com alimentos que as pessoas podem comprar. Longo enfatiza que as pessoas devem se consultar com médicos e não adotarem nenhuma dieta de jejum por conta própria – indivíduos com diabetes, anorexia e outras doenças metabólicas podem morrer. Ele diz que o regime é “complicado”, com as caixas de Prolon compastas de um balanço delicado de ingredientes clinicamente testados.

Alguns dos pesquisadores com os quais eu conversei, tal como João Pedro de Magalhães, que estuda a genômica do envelhecimento na Universidade de Liverpool, manifestam preocupações de que a FMD poderia, a longo prazo, apresentar efeitos colaterais. Outros, tais como Gems, questionam se o regime funcionará a longo prazo.

Conceitualmente, no entanto, a ideia parece ter mérito. Guevara-Aguirre acredita que os Larons equatorianos provam isso. “É por isso que tenho tanta certeza de que é bom ter baixo IGF-1”. Mas como um amante da comida, e especialmente de carne, ele não está convencido que uma dieta baseada em jejum terá muitos adeptos. “Todo mundo concorda que jejuar é bom. O problema é na hora de fazer... até agora eu não tive sucesso”.

E eis a surpresa: os Larons do Equador, em média, vivem até a mesma idade que seus vizinhos e parentes, e não mais, embora as causas de morte sejam diferentes. Pessoas com síndrome de Laron apresentam uma taxa de mortalidade superior à média de causas não-relacionadas ao envelhecimento, tais como acidentes. Por serem pequenos, eles estão mais propensos a serem derrubados da estrada. Eles também apresentam tendência a sofrer de alcoolismo e problemas psicológicos, e tem uma taxa mais alta de suicídio. É um fato surpreendente e preocupante que, a despeito de sua proteção extraordinária contra doenças, os Larons do Equador não tem vidas excepcionalmente longas.

Esta história apareceu primeiro em Mosaic e foi republicada aqui sob uma licença Creative Commons.

Nascido na Inglaterra e naturalizado nos Estados Unidos, Peter Bowes é um jornalista autônomo e comentarista. Ele é formado em biologia e passou boa parte de sua carreira trabalhando em notícias, assuntos da atualidade e produção de documentários para a BBC. Um colaborador regular do canal BBC News, BBC World News, Radio 4, Radio 5 Live, Radio 2 e BBC World Service, ele cobre de tudo, desde ciência e política até Hollywood e o Vale do Silício. Ele tem forte interesse nas questões envolvendo a longevidade humana e estilos de vida que promovem envelhecimento saudável. Peter vive em um rancho na Califórnia com sua companheira, cachorro, bodes e uma lhama.

Mosaic é dedicado a explorar a ciência da vida. Semanalmente, publicamos um texto sobre um aspecto da biologia ou medicine que afeta nossas vidas, nossa saúde ou nossa sociedade; contamos histórias com profundidade real sobre as ideias, tendências e pessoas que influenciam na prática contemporânea das ciências da vida.

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