Uma perspectiva paleo para o movimento

por Bruno Montoro

Quando as pessoas escutam ou leem a palavra “paleo”, costumam associar à dieta paleo ou dieta paleolítica. Mas o “universo paleo” é muito mais abrangente, e existe uma onda que vem se alastrando pelo mundo e já alcançou o Brasil: a da movimentação natural, métodos naturais de treinamento físico, ou métodos primais de movimentação. Se você já viu alguém correndo descalço, subindo numa árvore ou brincando de imitar bichos no chão, sabe do que estou falando. Mas movimento natural não é simplesmente uma moda: é um hábito que foi esquecido.

Para entender a importância da movimentação natural para o corpo humano, Katie Bowman, em seu livro “Move Your DNA”, diz que se nos preocupamos com a qualidade do alimento que ingerimos, deveríamos nos preocupar com a qualidade do movimento que realizamos. Se evoluímos para comer determinados alimentos, também evoluímos para realizar determinados movimentos.

Dentro desta perspectiva, fazer exercícios dentro de uma academia, em aparelhos que nada tem a ver com a “biomecânica adaptada à savana” dos nossos corpos, seria a mesma coisa que alimentar-se de orgânicos e temperar sua salada com conservantes industriais.

Existe crescente literatura científica que respalda esse raciocínio. A corrida minimalista, ou barefoot running, por exemplo, é um padrão de movimentação natural que influenciou diretamente a biomecânica humana. Difundida mundialmente pelo livro "Nascido para Correr", de Christopher McDougall, possui diversos artigos científicos publicados por Daniel Lieberman, chefe do departamento de biologia evolutiva de Harvard, dentre muitos outros. Não vou me ater à corrida neste texto, pois essa já está sendo desconstruída de forma belíssima pelos profissionais entusiastas do movimento, e parece que finalmente os corredores começaram a perceber que o amortecedor não é importante, mas sim a forma com que você corre.

Quero me ater a outra parte extensa da movimentação natural, que são os gestos realizados nas atividades cotidianas. Agachar, levantar, empurrar, puxar, pendurar, etc. São todos gestos naturais, mas mesmo assim, as pessoas chegam ao fim da sua vida sem conseguir realizar grande parte dos seus movimentos mais fundamentais. E por que será que isso ocorre?

Ficar velho não é desculpa, pois povos que ainda vivem da maneira que nossos ancestrais viviam há 200.000 anos, como caçadores-coletores, terminam suas vidas realizando as mesmas atividades que realizavam na juventude. De acordo com o raciocínio paleo, ou evolutivo, podemos afirmar que o nosso estilo de vida (ocidental, sedentário, visando o conforto) é um dos principais responsáveis pela perda da capacidade de movimentação natural na população.

Não é preciso ir longe, e esperar chegar até a terceira idade para perceber essa influência. Você consegue sentar e levantar do chão sem apoiar-se em nada, mantendo o equilíbrio? Consegue ficar de cócoras com os calcanhares totalmente apoiados no chão? Consegue abaixar pra pegar um peso, de qualquer jeito, sem ter medo de doerem as suas costas? Consegue caminhar descalço na rua ou outro lugar sem doer a planta dos pés? Consegue correr 15 quilômetros se for preciso?

Se você respondeu “sim” a todas essas perguntas, parabéns. Você provavelmente foi pouco influenciado pelo estilo de vida da população ocidental. Mas se você respondeu “não” a qualquer uma delas, é melhor prestar mais atenção ao seu estilo de vida.

Nossos ancestrais caçadores-coletores tinham total controle sobre seus corpos e viviam em um ambiente totalmente mutável, a savana africana. Isso favorecia um estilo de vida totalmente dependente do movimento aonde quem não se mexia, não conseguia alimento e não sobrevivia. 

Hoje estamos no outro extremo, e basta apertar alguns números no seu celular ou acessar um aplicativo que a comida chega na porta da sua casa; e mesmo se você só se alimentar de forma saudável, só precisa dar alguns passos até a geladeira e preparar seu alimento.

Alimento e movimento são coisas extremamente interligadas, e mudar seus hábitos de alimentação sem mudar seus hábitos de movimento torna-se no mínimo incoerente, em uma perspectiva científica evolucionária. Já existem alguns métodos de movimentação natural se espalhando pelo Brasil, mas antes de pensar no exercício, é importante retomar a necessidade do movimento. 

Procure sentar mais no chão, caminhar até o supermercado, andar mais descalço, ou aprender a subir em uma árvore ao invés de simplesmente sentar-se em um aparelho de academia enquanto executa séries de 10 repetições.

Não é necessário voltar ao estilo de vida nômade, largar sua casa e viver como um andarilho, mas pequenas ações podem reaproximar seu corpo de sua movimentação natural e manter a sua funcionalidade.


Referências


  • Bowman, K. Move your DNA. Restore Your Health Through Natural Movement. Lotus. 2014.
  • Lieberman, DE. A História do Corpo Humano. Evolução, saúde e doença. Zahar. 2015
  • Mgdougall, D. Nascido para Correr. Globo Editora. 2010
  • Hanson M; Gluckman P. Incompatibilidades: Doenças associadas ao estilo de vida: Uma bomba relógio. Atheneu. 2010

Sobre o autor


Bruno Montoro é natural de São Paulo (SP). É formado em Fisioterapia com especialização em Ortopedia e Traumatologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM); possui formação em Fisioterapia & BioAntropologia (FBA), cadeias musculares, treinamento funcional e cursos diversos. É Consultor Paleo e Facilitador de Movimento Natural; e Idealizador do Projeto Reprograme-se. Facilitador do Curso Livre de FBA. Faz atendimentos online e presenciais, além de workshops e palestras por todo o Brasil.






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