O teste de hemoglobina glicada é útil para todo mundo, não apenas para diabéticos

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Ashley Rekem




O teste de hemoglobina A1C é usualmente feito para diagnosticar diabetes tipo II e monitorar diabéticos I e II pelo controle apropriado de glicemia – mas o valor da HbA1C indica muito mais que controle glicêmico. Mesmo não-diabéticos podem se beneficiar ao prestar atenção em seus valores de hemoglobina glicada.

O teste HbA1C e como ele funciona


Hemoglobina é uma proteína crucial dentro das células vermelhas do sangue, que liga-se ao oxigênio e carrega essa molécula vital ao longo do corpo. Há diferentes tipos de hemoglobina, mas a hemoglobina A (HbA) faz perto de 90% do trabalho.

As células vermelhas do sangue são simples, quase que sacos de hemoglobina, e elas absorvem glicose livremente sem a necessidade de insulina. Açúcares como a glicose têm porções reativas que formam ligações com os grupamentos aminas dos aminoácidos, que constituem as proteínas.

Quando um açúcar reage com uma proteína e se liga a ela sem a ajuda catalítica de uma enzima, isso é chamado glicação ou glicosilação não-enzimática. A forma glicada da HbA é chamada HbA1C. Pelos padrões convencionais, se o percentual de hemoglobina glicada for maior que 5.6% do total de HbA, isso é indicativo de metabolismo anormal da glicose.

Geralmente uma relação direta existe entre os níveis médios de glicose no sangue e os valores de A1C. Quanto mais alto os níveis de açúcar ficam após uma refeição e permanecem elevados, menos eficientemente a glicose é metabolizada pelo corpo, e mais glicação acontece. Por exemplo, um A1C de 5% indica uma glicemia média de 90mg/dL nos últimos meses; um A1C de 6% indica uma glicemia média de 135mg/dL.

A força do teste está no prazo de vida da célula sanguínea – cerca de 120 dias. O percentual de hemoglobina glicada dá uma estimativa da glicemia média nos últimos 3-4 meses. Outros exames de sangue como a glicemia em jejum dão apenas retratos de como a glicemia se comporta em dados momentos do tempo. Outra força é que HbA1C pode ser medido a qualquer momento, não há necessidade de jejum, e é barato.

A glicação de proteínas pelo corpo é uma ocorrência frequente, não é específica da hemoglobina.


O teste A1C é um grande indicador da glicação sistêmica de proteínas porque a hemoglobina é uma proteína como qualquer outra no corpo. Quanto mais glicose há flutuando na corrente sanguínea, mais oportunidade ela terá de ligar-se à hemoglobina e proteínas de todos os tecidos.

A ligação da glicose às proteínas pode parecer inofensiva, e apesar de ser um processo natural, a glicação pode ser destrutiva. Proteínas mantêm a integridade estrutural do corpo e desempenham várias funções fisiológicas, mas quando são glicadas elas sofrem mudanças estruturais que frequentemente traduzem-se em mudanças funcionais.

Altos níveis de glicação têm um papel no desenvolvimento da doença cardiovascular, doenças degenerativas, envelhecimento acelerado do corpo – interno e externo – e em muitas das complicações do diabetes; danos aos nervos e vasos sanguíneos resultando em cegueira, falha renal, cicatrização deficiente, amputações e progressão da doença cardiovascular levando a derrames, infartos e falha cardíaca.

A glicação de proteínas inicialmente forma estruturas instáveis que ao longo do tempo tornam-se o que é conhecido como subprodutos finais da glicação avançada (N.T.: em inglês, AGEs).

AGEs são um dos grandes iniciadores dos processos inflamatórios ao longo do corpo. Eles são em grande parte responsáveis por irritar o revestimento das artérias e já foram detectados em lesões das coronárias em pacientes diabéticos. Eles também causam a produção de espécies reativas de oxigênio, também conhecidas como radicais livres, que prosseguem causando ainda mais estragos.

AGEs são em grande parte responsáveis por doenças neurodegenerativas como a demência. Eles danificam vasos de todos os calibres pelo corpo, incluindo os do cérebro, comprometendo a entrega de oxigênio e nutrição aos neurônios. Na progressão do Alzheimer, os AGEs acumulam-se no cérebro levando à amiloidose que causa destruição neuronal e encolhimento cerebral.

Um nível de glicação acima do normal no corpo excede a taxa de encolhimento cerebral causada pelo gene do Alzheimer. Em outras palavras, os efeitos de ter o gene e ter níveis de açúcar altos são cumulativos. Se alguém tem o gene do Alzheimer, o melhor a fazer é controlar estritamente a glicemia para limitar a produção de AGEs.

Diabéticos são 2x mais propensos a desenvolver Alzheimer. Muitos estudos já mostraram que eles têm uma concentração plasmática mais alta de AGEs porque sofrem de níveis glicêmicos médios mais altos, mas em um estudo longitudinal publicado no Jornal de Medicina da Nova Inglaterra, os pesquisadores avançaram um passo na observação. Por cerca de 7 anos eles monitoraram os níveis de açúcar e hemoglobina glicada de 2067 sujeitos para compreender a ligação entre glicemia e demência. Nenhum dos participantes tinha demência, mas alguns tinham diabetes no início do estudo.

524 dos 2067 – cerca de 25% – desenvolveram demência ao final do estudo. Isso incluiu 450 dos 1724 sujeitos que não tinham diabetes ao final do estudo. Em resumo, eles descobriram que não havia um limiar no qual o risco subia ou descia. Aumentos incrementais nas concentrações de açúcar no sangue foram associados com risco aumentado de demência.

AGEs também causam envelhecimento acelerado, e não apenas aceleram a formação de rugas na pele. AGEs danificam o colágeno, uma das proteínas mais abundantes do corpo. Entre seus muitos papeis no corpo, o colágeno dá aos tecidos de órgãos internos e da pele o suporte estrutura, proteção e resiliência. AGEs causam a ligação cruzada do colágeno, destruindo sua forma e habilidade de manter apropriadamente a integridade estrutural do corpo. Isso é especialmente ruim para vasos sanguíneos que endurecem como resultado da ligação cruzada.

AGEs não apenas andam pelo corpo danificando células e proteínas. Eles podem entrar nas células e alterar enzimas, proteínas, DNA e vias de sinalização que dirigem as atividades celulares cotidianas. Mudanças no maquinário celular podem significar erros sérios de funcionamento das células, e nos piores casos de desarranjo celular, câncer.

Limitações do teste HbA1C


A precisão do teste A1C já foi melhorada pelo Programa Nacional de Padronização da Glicohemoglobina (NGSP). Entretanto, quando ela é usada para o diagnóstico de diabetes, a amostra de sangue precisa ser encaminhada a um laboratório que use análise certificada pelo NGSP para garantir os resultados padronizados.

Às vezes as amostras de sangue analisadas no consultório de um profissional de saúde não são padronizadas para diagnosticar diabetes. Os resultados do teste podem variar em mais de 0.5% para cada lado da percentagem real. Isso significa que uma A1C medida como 8% poderia indicar que o valor real estaria entre 7.5 e 8.5%. Ainda assim, é útil fazer o exame no consultório do doutor para ter uma idéia de onde o seu nível glicêmico encontra-se, e então fazer modificações dietéticas a partir dali se necessário.

Resultados falsos de A1C também podem ocorrer por diversas razões. Por exemplo, um A1C falsamente baixo pode ocorrer em pessoas com anemia ou sangramento severo, e em pacientes cujo tempo de vida das células vermelhas é mais curto que o normal. Membros de famílias que têm anemia falciforme e outras desordens da hemoglobina podem ter tipos menos comuns de hemoglobina interferindo no teste.

Além disso, a quantidade real de AGEs formada no corpo pode ser ainda mais alta do que a indicada pelo exame de A1C. Frutose vinda de fontes como o xarope de milho de alta frutose, uma substância da qual a dieta americana está lotada, é ainda mais reativa que a glicose e também forma AGEs. Resistência à insulina, a condição subjacente do diabetes tipo II, causa metabolismo anormal de lipídios e glicose, resultando em excesso de produção excessiva de derivados do açúcar chamados aldeídos, que podem reagir com proteínas e aminoácidos para formar AGEs também.

A Associação Americana do Diabetes recomenda manter a hemoglobina glicada abaixo de 7% para diabéticos, e abaixo de 5.7% para pessoas que não têm diabetes – mas pesquisas emergentes sugerem que para ter boa saúde, deveríamos lutar pelos 5% (ou menos) para contrapor o estabelecimento do diabetes, demência, doença cardíaca e outras condições crônicas.


Referências


  1. Moran, Chris et al. 2015. Type 2 Diabetes, Skin Autofluorescence, and Brain Atrophy. Diabetes: 64(1):279-283.
  2. Münch G. et al. 2010. Advanced glycation endproducts and their pathogenic roles in neurological disorders. Amino Acids: 42(4):1221-36.
  3. Vasdev S. et al. 2007. Role of Advanced Glycation End Products in Hypertension and Atherosclerosis: Therapeutic Implications. Cell Biochem Biophys: 49, 48–63.

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