O porquê da resistência à insulina te dar doença cardíaca

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Ashley Rekem

Quando a palavra "insulina" aparece, a maioria de nós pensa que tem a ver com açúcar – mas insulina também tem a ver com a maneira como a gordura é utilizada pelo nosso corpo.

Em 1992, o Dr. Denis McGarry publicou um artigo na Revista Science chamado "E se Minkwoski tivesse ageusia ? Um ângulo alternativo ao diabetes". Oskar Minkowski foi o pesquisador que apontou o papel do pâncreas no diabetes. Ageusia refere-se à incapacidade de sentir sabores.

McGarry escreveu: 

A lenda diz que num dia de 1889, Oskar Minkowski percebeu que a urina coletada do seu cachorro pancreatomizado (N.T.: ou seja, que teve o pâncreas extraído cirurgicamente) atraía um número enorme de moscas. Alguns dizem que ele provou a urina e ficou espantado com a doçura. Dessa observação simples mas astuta, ele estabeleceu pela primeira vez que o pâncreas produzia alguma substância essencial para o controle da concentração de açúcar no sangue, e que quando ausente, resultava em diabetes mellitus.

Se Minkowski não pudesse sentir o sabor doce da urina, então ele poderia ao invés ter percebido o cheiro de acetona, resumiu McGarry. Acetona é uma molécula produzida pela quebra de gordura em corpos cetônicos, e frequentemente tem cheiro metálico ou de removedor de esmalte de unha. "Ele certamente teria concluído que a remoção do pâncreas faz com que o metabolismo dos ácidos graxos entre em pane".

McGarry pensou que a fixação no metabolismo anormal da glicose mascarou a importância crucial do metabolismo anormal dos lipídios (gorduras e colesterol), especialmente no caso do diabetes tipo 2, porque ele começa com a resistência à insulina. Eu concordo e acho que a relação entre resistência à insulina e doença cardiovascular emerge mais claramente quando levamos isso em consideração.

Primeiro, o metabolismo normal de energia, o equilíbrio entre o uso de carboidratos e gorduras armazenadas para geração de energia precisa ser compreendido.

Os carboidratos são simplesmente cadeias de moléculas de glicose. Eles são quebrados durante a digestão, fazendo com que os níveis de glicose no sangue aumentem após uma refeição. A subida na glicemia estimula a secreção de insulina pelo pâncreas. A glicose diz ao pâncreas "Tem energia aqui! Por favor produza insulina para me ajudar a entrar nas células". As células então não têm problema absorvendo a glicose quando a insulina sinaliza a elas que abram seus portões. Essa é a tolerância normal à glicose.

Se muita energia (calorias) é consumida, especialmente sob forma de carboidratos, o corpo diz "O que diabos eu vou fazer com toda essa energia ? Meu maquinário celular está funcionando direito com o que você já me deu". A insulina vai então fazer com que o fígado e músculos armazenem a toda a glicose que puderem sob uma forma chamada glicogênio – o equivalente humano ao que o amido é para as plantas.

O fígado e os músculos juntos so conseguem armazenar poucas centenas de gramas de glicogênio. Células de gordura, por outro lado, podem armazenar quantidades enormes de energia sob forma de triglicérides (ácidos graxos ligados a uma mólecula modificada de glicose chamada glicerol), sob comando da insulina.

Então, durante períodos de jejum – o intervalo entre o desjejum e o almoço, entre o almoço e o jantar, entre o jantar e o desjejum – os níveis de glicemia são mantidos pela liberação da energia armazenada, aquebra de glicogênio do fígado e se necessário, de triglicérides do tecido adiposo.

Esses estoques de energia são acessados durante períodos de jejum porque os níveis de açúcar no sangue caem, o que significa que a insulina cai também. Insulina em altas quantidades inibe as enzimas que quebram o glicogênio e a gordura.

Eis o motivo do metabolismo de energia se desregular:

Quando as células são resistentes à insulina, os níveis de insulina ficam mais altos que o normal, mas é quase como se ela não estivesse presente. A insulina quer que as células estoquem ou usem a energia. Entretanto, nessa situação a insulina não consegue impedir que as células do fígado produzam e liberem glicose, contribuindo para altos níveis de glicemia em jejum. A insulina não consegue manter os triglicérides eficientemente armazenados nas células de gordura. Os triglicérides são continuamente quebrados em ácidos graxos livres e chegam à corrente sanguínea, constantemente circulando pelo fígado.

O fígado, cheio de ácidos graxos, é estimulado a sintetizá-los de volta em triglicérides e exportá-los como parte do VLDL, as lipoproteínas de densidade muito baixa. Lipoproteínas são um tipo de molécula híbrida, parte proteína, parte gordura. A proteína, com sua habilidade de viajar pelo sangue, é o meio de transporte para os triglicérides e outros lipídios – substâncias hidrofóbicas que não podem viajar pelo sangue por conta própria.

Esse é também o motivo pelo qual dietas ricas em carboidratos aumentam os triglicérides e muito provavelmente precipitam a resistência à insulina em primeiro lugar. Eles são quebrados em glicose, e quando comidos em excesso e o corpo não pode queimar toda essa glicose, os ácidos graxos são produzidos a partir de certos metabólitos da glicose. Esses ácidos graxos estão ligados então, como mencionei na seção anterior, ao glicerol – para formar triglicérides.

À medida que os VLDL viajam pelo sangue, os triglicérides são quebrados, entregando ácidos graxos de volta ao tecido adiposo, contribuindo para a obesidade visceral (abdominal), e para tecidos como os músculos, fazendo com que gordura acumule-se dentro das células musculares. Gordura pode acumular-se até mesmo nas ilhas de células-beta do pâncreas, levando à sua destruição. McGarry acreditava que o acúmulo de gordura nesses tecidos exacerbava a resistência à insulina ao interferir no metabolismo da glicose.

Quando o fígado fica sobrecarregados por quantidades enormes de ácidos graxos, ele pode começar a fazer uma terceira coisa: armazenar os triglicérides em excesso, fazendo com que o "fígado gorduroso" se desenvolva.

O HDL (lipoproteína de alta densidade) é uma história complicada que não foi inteiramente compreendida. O que é importante saber é que com a resistência à insulina, as concentrações de triglicérides aumentam enquanto o conteúdo de colesterol no HDL cai.

É possível que, uma vez que o fígado esteja num estado comprometido, ele não seja capaz de sintetizar HDL adequandamente, baixando os níveis dessa lipoproteína protetora no sangue. HDL também tira triglicérides do VLDL, um processo que forma LDL (lipoproteína de baixa densidade) a partir do VLDL. Quando triglicérides em excesso são constantemente produzidos pelo fígado, a produção de LDL de tamanho reduzido entra em alto funcionamento.

O que isso tem a ver com doença cardiovascular ?

Doença cardiovascular não é o resultado de um simples acúmulo de colesterol ao longo da parede arterial. Há muito mais que isso na história do LDL do que veio à luz em anos recentes. O teste do LDL que a maioria de nós faz no laboratório é uma medida do colesterol total no LDL (conhecido por LDL-C). Um teste muito mais revelador é saber o número de partículas de LDL (LDL-P). Quanto mais partículas você tiver, pior estará.

Partículas de LDL pequenas têm maior probabilidade de sofrer modificação oxidativa – um estresse para as paredes dos vasos – porque elas ficam por mais tempo devido ao seu tamanho reduzido, e são menos eficientemente removidas da circulação. Elas chocam-se com as paredes arteriais e acumulam-se sob elas, assim como um cravo acumula-se sob a pele.

A resposta inflamatória do corpo envolve enviar glóbulos brancos e outros mensageiros celulares químicos para a área danificada, o que piora o acúmulo. A placa continua crescendo dentro da parede arterial e torna-se algo como uma grande espinha inflamada que pode romper-se algum dia, fechando a passagem da artéria.

Corte transversal de uma artéria
Rasgo na parede arterial
Macrófago
Depósitos de colesterol
Células vermelhas do sangue
Macrófagos espumosos
Depósitos de gordura


Por exemplo, se isso acontecer em uma artéria importante como a coronária, e o coração for privado de oxigênio, então é um infarto cardíaco. Se for no cérebro, é um AVC.

A resposta para esses problemas está nos medicamentos ? Que tal stents e outros procedimentos invasivos ? Stents não são tão eficientes, pois tratam apenas bloqueios individuais, e custam ao sistema de saúde assombrosos 30-50 mil dólares cada. Inflamação é um problema sistêmico.

McGarry postulou que um metabolismo problemático de lipídios precipita a resistência à insulina, enquanto outros cientistas têm argumentado que começa com o metabolismo de glicose danificado que deriva de uma alta ingestão de comidas processadas. Essa é uma questão tipo "o ovo ou a galinha". Independente de quem vem primeiro, o metabolismo de gorduras e de glicose descontrolados provavelmente levam à piora um do outro na resistência à insulina – que estima-se grosseiramente que atinja 100 milhões de americanos segundo a Associação Americana do Diabetes.

Não importa a causa bioquímica exata da resistência à insulina, porque para a maior parte de nós a sensibilidade à insulina pode ser restaurada – mesmo após o diagnóstico de diabetes tipo 2 – e a ameça de doença cardíaca eliminada pela restrição de alimentos processados e pela perda de peso, se necessária.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O glúten está bagunçando sua mente? Descubra agora.

O custo humano da insulina na América

Me sinto feliz e linda!