Ludwig responde ao artigo do Whole Health Source

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por David Ludwig

Eu escrevi o livro Always Hungry? (N.T.: "Sempre faminto?" em tradução livre) para apresentar o modelo celular da gordura (também conhecido como  modelo Insulina-Carboidrato) no controle de peso, em oposição à abordagem "calorias que entram, calorias que saem" para o tratamento da obesidade. De acordo com essa maneira não-convencional de pensar, o ganho de peso ocorre porque as células de gordura são estimuladas pela insulina e outros sinais anabólicos a absorverem e estocarem o excesso de calorias. Quando isso acontece, a concentração de calorias no sangue fica esgotada, deixando poucas delas para o resto do corpo. Percebendo esse problema, o cérebro responde aumentando a fome e baixando a taxa metabólica – similar ao estado de fome – e antagonizando a perda de pso a longo prazo. Nesse sentido, a dieta convencional de baixa caloria é o tratamento sintomático que piora o problema fundamental, ao restringir o suprimento de combustível na corrente sanguínea.

Um dos maiores causadores da secreção aumentada de insulina é o carboidrato altamente processado que inundou a dieta americana durante a febre do low-fat começando dos anos 1970 (correspondendo ao início da epidemia de obesidade). Fatores não-dietéticos, incluindo estresse, privação de sono, inatividade física e contaminantes ambientais que influenciam o sistema endócrino também podem afetar as células de gordura através de sinais hormonais ou neurológicos.

Nós já sabemos há aproximadamente um século que o peso está primariamente sob controle biológico no longo prazo. Infelizmente, essa compreensão falhou em alterar o paradigma de tratamento clínico que permanece focado em métodos comportamentais para alterar o balanço calórico, apesar dos resultados extraordinariamente ruins na prática. É hora de um novo pensar.

Abaixo, eu respondo aos argumentos (em itálico) do Stephan Guyenet, publicados em seu blog Whole Health Source no dia 09/01/2016 (acessado em 20/01/2016). Uma discussão mais completa dessas questões pode ser encontrada em meu livro, minhas revisões acadêmicas (aqui e aqui) e nos trabalhos de Gary Taubes e outros.

1. Comer demais te deixa gordo. Estudos randomizados controlados já mostraram que comer calorias em excesso causa ganho de gordura, quer as calorias venham da gordura ou dos carboidratos, e independente do seu impacto nos níveis de insulina (4, 5). Se você comer calorias demais, independente do motivo pelo qual comeu, vai ganhar gordura (apesar de algumas pessoas serem intrinsecamente mais resistentes que outras ao ganho de gordura induzido por sobre-alimentação). Esse é o motivo pelo qual comer demais permanece um conceito-chave para a compreensão da gordura corporal.

Não no longo prazo. Nos estudos clássicos de alimentação forçada, pode-se fazer voluntários ganhar peso no curto prazo por excessos enormes de alimentação. Entretanto, o corpo responde dinamicamente: os voluntários perdem todo o interesse na comida e sua taxa metabólica tende a aumentar na tentativa do corpo de queimar as calorias em excesso. De fato, voluntários nesses estudos caracteristicamente reportam sentir-se intensamente desconfortáveis. Uma vez que o protocolo termina, o peso tipicamente reduz-se de volta ao ponto de partida [Leibel, Roberts, Norgan, Sims]  — um fenômeno que também foi bem documentado por estudos em animais. Consistente com o modelo insulina-carboidrato, as respostas metabólicas protegendo contra o ganho de peso no longo prazo por alimentação excessiva podem não entrar inteiramente em operação quando calorias excessivas são providas primariamente sob forma de carboidratos de alta carga glicêmica (doces) ao invés de proteína e gordura (amendoins) [Claesson].

Além disso, Guyenet ignora muitos modelos experimentais da obesidade nos quais notavelmente falta a hiperfagia (ingestão calórica acima do normal), ou nos quais comer demais ocorre de maneira secundária ao aumento da adiposidade, tais como em defeitos na sinalização da melanocortina [Asai]. No  que diz respeito a obesidade induzida por dieta, roedores alimentados com rações de alto e baixo índice glicêmico (IG) mostraram a seguinte sequência de eventos: primeiro, hiperinsulinemia; depois, mudanças anabólicas no tecido adiposo; terceiro, maior adiposidade; quarto, menor gasto energético; e só então, quinto, aumento da ingestão energética. Com restrição alimentar para evitar o ganho excessivo de peso, os animais alimentados com alto IG ainda desenvolveram adiposidade (e fatores de risco cardiovasculares associados) —  descobertas que desafiam o modelo convencional de calorias que entram e calorias que saem [Kabir, Kabir, Lerer-Metzger, Pawlak, Pawlak].

mesmo com os modelos prototípicos de hiperfagia tais como dano hipotalâmico e deficiência de leptina, os defeitos metabólicos precedem o excesso de alimentação, e a restrição da comida a níveis normais não impede o desenvolvimento do excesso de adiposidade [Friedman, Dubuc, Bray].

2. Fome é apenas uma das razões pelas quais comemos. Nós não comemos a sobremesa em geral porque ainda estamos com fome depois da refeição. Não bebemos álcool ou colocamos creme e açúcar no nosso café porque estamos com fome. Muita da alimentação que fazemos no mundo desenvolvido tem pouco a ver com a fome – um fenômeno que os pesquisadores chamam de "alimentação não-homeostática".

Novamente, não no longo prazo. A ingestão de alimentos pode variar muito de dia para dia, baseado em numerosas influências ambientais e psicológicas. Muitos de nós comem demais no Dia de Ação de Graças. Mas consistentemente compensamos por comer demais ou de menos no longo prazo, comendo mais após um jejum e menos após um banquete. Mesmo em alguém que ganha peso à taxa de 1kg por ano (o suficiente para causar obesidade na meia-idade), o balanço integrado de calorias permanece incrivelmente estável, com precisão > 99%.

Apesar de estudos de longo prazo em humanos distinguirem a alimentação hedônica da homeostática não terem sido feitos, e que seriam metodologicamente desafiadores, a dominância do segundo tipo é auto-evidente. Uma pessoa morrendo de fome vai comer virtualmente qualquer coisa comestível, enquanto alguém quem comeu demais vai achar mesmo as comidas mais palatáveis, menos atraentes.

Estudos com animais demonstram que os efeitos metabólicos da comida dominam o comportamento alimentar no longo prazo. Roedores parecem gostar do sabor de água com açúcar e, tendo acesso ilimitado, vão consumir demais e ficar gordos (não diferente dos humanos). Mas se a água com açúcar for "temperada" com um produto químico intensamente amargo, os roedores passam por cima do seu desgosto instintivo pelo gosto ruim e continuam a engordar [Sclafani]. Em humanos, já foi mostrado que uma refeição de alto IG ativa o nucleus accumbens, um centro cerebral crítico que media entre recompensa e compulsão, evidentemente através de efeitos metabólicos independentes da palatabilidade [Lennerz].

3. Níveis sanguíneos de gordura e glicose tendem a ser normais ou elevados em pessoas com obesidade e alta insulina, e não mais baixos (6, 7, 8). Isso é porque eles são resistentes à insulina, significando que a insulina não está fazendo seu papel de restringir os níveis de glicose e a gordura sanguíneas tão efetivamente. Uma vez que pessoas com obesidade/sobrepeso não têm menores níveis de energia em circulação que pessoasmagras, isso não pode explicar o motivo delas comerem mais. Obesidade não é uma condição de "fome interna".

As análises estatísticas feitas depois que a obesidade se desenvolveu, ao invés de durante seu estágio dinâmico, são enganadoras. Os mecanismos fisiológicos de muitas doenças só podem ser observados durante o desenvolvimento, antes que o corpo atinja um novo estado estável (embora patológico). Considere por exemplo a doença de Addison, na qual as glândulas adrenais perdem a habilidade de produzir aldosterona, um hormônio crítico que ajuda os rins a reter sódio. À medida que essa condição se desenvolve, o sódio na urina definitivamente eleva-se. mas à medida que as concentrações de sódio no sanguem continuam a cair, menos sódio é entregue aos rins e o sódio urinário diminui. Uma análise estática do sódio urinário em estágio avançado da doença, sem considerar o cenário completo, poderia  ser falsamente interpretado como normal (ou até possivelmente baixo).

De fato, muitas mudanças patofisiológicas secundárias desenvolvem-se com a obesidade e obscurecem a etiologia, incluindo inflamação hipotalâmica, resistência central à leptina e resistência periférica à insulina (apesar de, felizmente, essas serem potencialmente reversíveis através de dieta). Por essa razão, a análise transversão da concentração de calorias no sangue é desinformativa da mesma maneira que medir os níveis séricos de insulina em um estado de resistência à insulina não podem nos dizer nada sobre a ação da insulina nos órgãos-alvo. Além disso, estudos transversais não nos contam se os indivíduos sob estudo estão no processo de ganhar ou per perder peso – uma distinção crítica.

Apesar de a história natural da obesidade não ter sido bem estudada em humanos, pesquisas com animais proveem idéias-chave sobre o mecanismo relevante. Imediatamente após dano hipotalâmico experimental em roedores, a secreção de insulina e o estímulo das celulas de gordura pelo sistema nervoso autônomo aumenta, redirecionando calorias para o tecido adiposo às custas do tecido magro antes que a sobre-alimentação se desenvolva [Friedman, Bray, Penicaud]. Essas descobertas são inteiramente consistentes com o modelo da obesidade com dietas de aoto IG em roedores.

A concentração total de calorias no sangue —  oriunda de glicose, ácidos graxos livres e cetonas — é estritamente controlada por causa da necessidade contínua de energia pelo corpo (variando entre 4 e 6kcal/L, de acordo com um estudo [Walsh]). Uma redução aguda da concentração ou oxidação desses combustíveis provoca fome intensa e ingestão alimentar [Friedman, Thompson]. Reciprocamente, manipulações farmacológicas que aumentam a disponibilidade de combustível metabólico, tais como a inibição da ácido graxo sintase ou da administração de b3 agonista, reduzem a ingestão alimentar [Cha, White]. Apesar de desconsiderada pelo modelo "calorias que entram, calorias que saem", a disponibilidade de combustível pode ser agudamente afetada pelo que comemos, independente de quanto comemos.

Em um estudo cruzado sobre alimentação, 12 crianças receberam refeições com cargas glicêmicas baixas, moderadas e altas com conteúdo calórico similar no desjejum e almoço. Conforme esperado, os níeis de glicose e insulina sanguíneos foram inicialmente mais altos após a refeição de alta carga glicêmica, comparadas às outras duas. Entretanto, de 3 a 5 horas depois, as concentrações de glicose e ácidos graxos livres no sangue estavam mais baixas que antes da refeição. Também nesse instante, os hormônios do estresse tiveram alta secreção e a sobre-alimentação ocorreu depois da dieta de alta carga glicêmica  —  evidência da relevância clínica desses eventos metabólicos [Ludwig]. Em outro estudo, o total calórico combinado no sangue foi mais baixo no período pós-prandial avançado após uma refeição rica em carboidratos, comparado às refeições moderadas ou pobres em carboidratos, coincidindo com uma queda no gasto energético [Walsh].

De fato, baixa glicemia após o conumo de uma dieta de alto carboidrato é tão comum que é considerado "normal" [Lev-Ran, Brun]. Mesmo quando glicose é dada intravenosamente para impedir a hiperglicemia, já se reportou que elevar os níveis de insulina aumenta a fome, a palatabilidade do açúcar e causa hiperfagia (presumivelmente devido à supressão de ácidos graxos) [Rodin].

Juntas, essas descobertas proveem um mecanismo para compreender como a resposta hormonal à ingestão de carboidratos de alta carga glicêmica poderia limitar o acesso a combustíveis metabólicos e causar ganho de peso.

4. Células de gordura não têm afinidade aumentada por gordura em pessoas com obesidade e alta insulina. Na prática, pessoas com obesidade e liberação elevada de insulina liberam gordura do seu tecido adiposo a uma taxa mais alta que pessoa magras com insulina mais baixa (taxa de lipólise total mais baixa; 9). Novamente, isso pode estar relacionado ao fato de que elas são resistentes à insulina.

Novamente, análises transversais podem ser enganadoras. A questão relevante não é se alguém é obeso ou magro, mas se essa pessoa está no processo de ganhar (ou perder) peso. Tal informação fundamental não pode ser discernida a partir de análises estáticas. Muitos modelos animais da obesidade claramente mostram sensibilidade aumentada na gordura, e resistência à insulina aumentada nos músculos durante os críticos estágios iniciais do desenvolvimento, tais como com dano hipotalâmico, uma dieta de alto IG (ambas consideradas acima) ou administração de insulina periférica [Cusin].

5. Gordura corporal é regulada pelo cérebro, não pelo tecido adiposo ou o pâncreas. Há vasta literatura de pesquisa mostrando que o cérebro regula a ingestão de alimentos, gasto energético e metabolismo do tecido adiposo para regular o tamanho das reservas corporais de gordura (10). Não há mecanismo conhecido intrínseco ao tecido adiposo ou ao pâncreas secretador de insulina que faça isso. Diferenças genéticas que impactam a gordura corporal tendem a estar localizados em genes que afetam o funcionamento cerebral, não o tecido adiposo ou a sinalização da insulina (11, 12).

É claro que o cérebro media a fome e a taxa metabólica, mas esse fato não nos diz nada sobre influências periféricas e externas.  Em qualquer modelo de homeostase metabólica, o cérebro precisa receber dados do corpo, e estes plausivelmente incluem a concentração de combustíveis metabólicos em circulação, hormônios periféricos e a rica inervação autonômica aferente que trasnmite informação do trato gastrointestinal e do tecido adiposo para o cérebro [Yamada, Coppack].

Contrário à afirmação, mecanismos diretos relacionam secreção aumentada de insulina à obesidada, conforme ilustrado pelo ganho de peso excessivo com tumores produtores de insulina, variantes genéticas do promotor de insulina, administração direta de insulina periférica e outros modelos [Le Stunff, Cusin, Sigal].

Em experimentos com animais, a manipulação genética de numerosas vias bioquímicas fora do cérebro resulta em obesidade, incluindo ablação do receptor de insulina específico dos músculos [Kim], a sobre-expressão específica pelo tecido adiposo da 11-beta hidroxisteróide desiderogenase tipo 1 (uma enzima envolvida no metabolismo de glicocorticóides) [Masuzaki], e sobre-expressões específicas pelo tecido hepático do esterol elemento ligação proteína reguladora 1c (um fator de transcrição que regula a lipogênese de novo) [Knebel]. De fato, o desenvolvimento da obesidade seguindo-se à administração experimental de insulina provê evidência convincente de que os efeitos anabólicos perficéricos desse hormônio dominam quaisquer efeitos catabólicos centrais [Cusin].

6. Altos níveis de insulina não predizem ganho de peso futuro (13, 14). Essa é uma predição básica da hipótese que foi testada muitas vezes, e a maioria da evidência não a suporta.

Níveis de insulina sérica não proveem medida significativa da ação da insulina. Níveis de insulina circulante podem aumentar por duas razões, cada uma com significância fisiológica oposta. Hiperinsulinemia primária – resultande de dieta, causas endógenas ou administração direta de insulina – produz ação aumentada da insulina e ganho de peso. Hiperinsulinemia secundária é um processo compensatório que surge da resistência à insulina e que resulta em ação reduzida da insulina e serve para proteger contra ganho de peso constante. A maioria das análises observacionais falha em fazer tal distinção e é portanto desinformativa.

Um modelo simples da hiperinsulinemia primária é administração de insulina. Pessoas com diabetes tipo 1 que recebem tratamento inadequado de insulina invariavelmente perdem peso, não importa o quanto consumam.  Da mesma maneira, a iniciação do tratamento com insulina no diabetes tipo 2, ou o tratamento excessivo no diabetes tipo 1 previsivelmente causam ganho de peso. Um componente desse efeito é metabólico, não simplesmente as diferenças na perda de glicose pela urina [Carlson].

Em animais, a administração de insulina causa ganho de peso. Mesmo quando a ingestão de alimentos é restrita para impedir o ganho de peso, os animais ainda tornam-se excessivamente gordos, mostrando que a insulina dirige os combustíveis metabólicos para o tecido adiposo às custas do tecido magro [Torbay]. Além disso, um experimento transgênico com ratos descobriu que reduzindo a hiperinsulinemia primaria reduzia a expressão pelo tecido adiposo branco de proteína desacopladora, aumentava o gasto de energia e protegia os animais da obesidade induzida por dieta. Os investigadores concluíram que "a hiperinsulinemia em circulação leva à obesidade induzida por dieta e suas complicações"  [Mehran].

7. Se a insulina alta fosse um grande contribuidor para a obesidade, perda de peso seria um processo de feedback positivo. Em outras palavras, quanto mais peso você perdesse, mais fácil seria perder ainda mais peso. Isso é porque a perda de peso por si reduz os níveis de insulina, tanto entre e após refeições (15, 16). E ainda assim, o que observamos é o oposto: a perda de peso torna-se mais difícil à medida que você emagrece, independente dos níveis decrescentes de insulina (um processo de feedback negativo).

Da mesma maneira que acima, esse raciocínio junta níveis de insulina e ação da insulina. Com perda de peso em uma dieta convencional, as células de gordura tornam-se crescentemente sensíveis à ação da insulina, mas se a dieta permanecer com uma carga glicêmica alta, a hipersecreção de insulina vai exercer um efeito anabólico grande demais sobre as células de gordura. Consequentemente, uma proporção crescente do (reduzido) suprimento calórico torna-se direcionado ao tecido adiposo, empurrando ao corpo para a fisiologia da fome – apetite aumentado, taxa metabólica reduzida, aumento da produção dos hormônios do estresse – ainda que os estoques totais de calorias sob forma de gordura permaneçam acima do normal. Esse mecanismo provê uma explicação para as dificuldades que a maioria das pessoas tem em aderir à restrição calórica, ainda que os estoques de gordura do corpo permaneçam altos.

8. Comidas que levam a maiores níveis sanguíneos de glicose e insulina não resultam em maior fome subsequente. O estudo mais aprofundado examinou 38 comidas comuns e não descobriu relacionamento entre o índice glicêmico e a fome subsequente, e um relacionamento inverso entre níveis de insulina e fome (ou seja, comidas que causavam a maior liberação de insulina tendiam a ser mais saciantes ; 17).

Os problemas metabólicos que se seguem a uma dieta de alta carga glicêmica ocorrem várias horas após comer. A revisão citada por Guyenet, de 20 anos atrás, examinou respostas glicêmicas e insulinêmicas 2 horas depois da refeição. Conforme extensivamente revisado [Ludwig], os problemas metabólicos com comidas de alta carga glicêmica emergem tarde no período pós-prandial (cerca de 3 a 5 horas depois), quando a disponibilidade de combustíveis metabólicos é reduzida [Ludwig, Walsh, LudwigRoberts]. Análises que falham em distinguir entre efeitos rápidos (quando a glicemia aumenta) e efeitos tardios (quando os combustíveis metabólicos decrescem) serão desinformativos.

9. Dietas que reduzem as variações bruscas de glicemia e insulina não são uma ferramenta efetiva para o controle de peso. Isso já foi mostrado repetidamente por estudos randomizados controlados durando mais de 2 meses (18, 19, 20, 21, 22, 23), incluindo um estudo de 18 meses feito pelo grupo de Ludwig que descobriu que uma dieta de baixo índice glicêmico resulta na mesma perda de peso e de gordura, e na mesma satisfação dos participantes, que uma dieta low-fat padrão (24). Isso apesar do fato de que esses estudos não frequentemente controla por fatores de confusão dietética tais como conteúdo de fibras, densidade calórica, proteínas e/ou palatabilidade (ou seja, a dieta "de baixo índice glicêmico" é frequentemente uma dieta baseada em produtos não processados).


A maioria dos estudos comportamentais de dieta sofre de severa falta de aderência, inferências limitantes.  A vasta maioria dos estudos comportamentais de longo prazo sobre macronutrientes e peso corporal falham em produzir diferenciação significativa entre os grupos de tratamento devido à sua fraca intervenção e os desafios inerentes de mudança de comportamento no longo prazo. Portanto não é de surpreender que tais estudos não mostrem diferenças impressionantes no peso entre grupos. Podemos certamente desenvolver melhores métodos comportamentais, mas para compreender a eficácia intrínseca da dieta requer pesquisa de qualidade mais alta, tais como estudos alimentares. Os melhores e maiores desses estudos demonstram claramente a superioridade de dietas low-carb e baixo IG, incluindo os de Shai e Larsen. Além disso, Guyenet desconsidera um grande achado do nosso estudo clínico de 18 meses de relevância especial para o modelo insulina-carboidrato.

Em 1999, meus co-autores e eu iteramos um componente central do modelo insulina-carboidrato, conforme se segue:

Vários fatores que aumentam a secreção de insulina ou a sua ação (intrínseca às ilhotas, aos locais de ação periférica, ou dietética) poderiam promover a obesidade. Indivíduos que, talvez por razões genéticas, têm uma resposta insulínica exuberante à glicose podem ser especialmente sensíveis ao índice glicêmico dietético. [Ludwig].

Os resultados da pesquisa translacional, pesquisa observacional e estudos de alimentação proveem suporte forte para essa hipótese. Nesses estudos, a secreção de insulina:

  • predisse a maioria das variações em peso em roedores alimentados com uma dieta de alto IG (R2 = 0.84, P < 0.0001), mas nenhuma das variações entre animais alimentados com baixo IG (R2 = 0.003, P = 0.94) [Pawlak].
  • esteve associada com ganho de peso após 6 anos (R2 = 0.26, P < 0.0001) e mudança na circunferência abdominal (R2 = 0.30, P < 0.0001) no Estudo da Família de Quebec entre aqueles comendo uma dieta pobre em gorduras e de alta carga glicêmica, mas não entre aqueles comendo uma dieta rica em gordura e baixa carga glicêmica (P > 0.05) [Chaput].
  • influenciou a resposta à dieta em nosso estudo clínico de 18 meses, de maneira que indivíduos com alta secreção de insulina mostraram perda de peso significativamente maior em uma dieta de baixa carga glicêmica (5.8kg) do que em uma dieta pobre em gordura (1.3kg, P = .004; P for interaction = 0.02) [Ebbeling]
  • predisse mudanças adversas na composição corporal e metabolismo seguindo-se à perda de peso [Hron]

10. Bilhões de pessoas globalmente comem dietas de alto IG e permanecem magras. Muitas dietas tradicionais são muito ricas em amidos e pobres em gordura. Se alimentos que promovem grandes variações de glicemia e insulina fossem o fator primário da obesidade, essas pessoas não deviam ser obesas ?

Os chamados estudos "ecológicos" que comparam populações diferentes compõem o nível mais baixo de qualidade de dados epidemiológicos. O arroz branco consumido por camponeses na China pode mantê-los longe da fome —  mas não diz nada sobre os efeitos em outras populações. Agora que esses indivíduos estão mudando-se para as cidaes, levando suas dietas ricas em carboidratos, mas deixando de lado os altos níveis de atividade física, as taxas de obesidade e diabetes estão disparando. O que não equivale a dizer que dietas low-fat são inerentemente insalubres. Mas à medida que os americanos cortaram a gordura nos anos 1970, eles também aumentaram o consumo de grãos de alta carga glicêmica, batatas e açúcares adicionados —  não de frutas, vegetais não-amilosos ou leguminosas.

11. Não há evidência de que nossos apetites aumetem, e de que nossos níveis de energia caiam porque nossas células adiposas estão coletando a gordura da circulação. Você pensaria, dado o quão frequente isso é repetido, que deveria haver algum tipo de evidência de que esse processo aconteça na prática na obesidade comum. E ainda assim, apesar de ter lido um grande número de trabalhos de Taubes e Ludwig, eu não encontrei nada mais concreto que especulação e analogias. A evidência concreta que encontrei (3 e 4, acima) não condiz com a afirmação.

O paradigma existente não funciona e é hora para uma nova forma de pensar! O modelo das calorias que entram e que saem afirma que controle de peso é simplesmente uma questão de comer um pouco menos e mover-se um pouco mais. Apesar de o nosso ambiente alimentar moderno poder oferecer muitas tentações, é no fim das contas uma questão de força de vontade. Entretanto, essa maneira de pensar desconsidera 1 século de pesquisa mostrando que o peso corporal é controlado mais por biologia do que por força de vontade no longo prazo. De fato, a epidemia de obesidade tem progredido apesar do foco incessante no balanço calórico feito pelo governo, pelas instituições de nutrição e recentemente, pela indúsria alimentícia (com os seus "pacotes de apenas 100 calorias!"). Para piorar, o modelo convencional culpa as pessoas obesas de falharem em controlar seu balanço calórico. Mas se o controle consciente do balanço calórico fosse tão crucial, como as pessoas conseguiam evitar variações maciças no peso antes da noção de calorias ser inventada 1 século atrás.

Contrário à afirmação o modelo insulina-carboidrato é fundamentado em ciência sólida, conforme detalhado acima e sumarizado aqui:

  • O corpo luta contra a restrição calórica, com apetite aumentado e taxa metabólica mais baixa —  adaptações metabólicas que fazem a perda de peso progressivamente mais difícil ao longo do tempo
  • Disfunção metabólica envolvendo células de gordura pode ser definitivamente demonstrada como precedendo a sobre-alimentação, ao menos em alguns modelos de obesidade
  • A hiperinsulinemia primária promove o armazenamento de calorias no tecido adiposo, reduz a concentração de calorias na corrente sanguínea, dispara a sobre-alimentação e causa ganho de peso. Em uestado de hiperinsulinemia, a restrição de alimentos pode diminuir a taxa de ganho de peso, mas não evida a adiposidade excessiva
  • Carboidratos altamente processados causam mais secreção de insulina, caloria por caloria, do que qualquer outro alimento, e estão consistentemente associados com o maior ganho de peso nos melhores estudos de coorte [Mozaffarian].
  • Os estudos de maior qualidade sobre perda de peso —  com medidas para garantir a diferenciação entre os grupos tratados —  mostra vantagens claras de uma dieta de carga glicêmica reduzida comparada a dietas low-fat
  • Reduzir a carga glicêmica parece atenuar as adaptações biológicas que antagonizam a perda de peso, incluindo redução do gasto energético [Pereira, Ebbeling].

Então, o modelo insulina-carboidrato argumenta que restrição calórica causa um estado de privação no corpo, resultando nas marcas registradas da fome: apetite aumentado e taxa metabólica decrescente. Essa contra-ataque do corpo pode ser mitigado pela qualidade da dieta —  especialmente ao reduzir o consumo de carboidratos altamente processados —  resultando em perda de peso no longo prazo com menor dificuldade. O modelo insulina-carboidrato também provê uma explicação mais plausível do que a falta de força de vontade, para os resultados ruins das dietas convencionais (dado que a maior parte das pessoas com obesidade tem um desejo forte de conseguir perda de peso duradoura).

É claro, muito mais pesquisa será necessária para atingir a compreensão plena das etiologias da obesidade e a variabilidade individual em resposta ao tratamento. Até então, precisamos manter nossas mentes abertas a abordagens novas, potencialmente mais eficientes, à crise de saúde pública das doenças relacionadas à obesidade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O glúten está bagunçando sua mente? Descubra agora.

O custo humano da insulina na América

Me sinto feliz e linda!