Porque engordamos
por Dr. Marcelo Cardoso
Se esse assunto merece ainda ser discutido é porque se trata de um problema sem solução definitiva e com repercussão na vida das pessoas.
As explicações para o acúmulo de gordura partem, em geral, da idéia de que a gordura é um tecido inerte, uma forma de armazenamento do excedente energético da dieta – se comemos mais do que gastamos o excedente é armazenado. Simples. Para o magro, não para o gordo.
Quem já tentou emagrecer diminuindo a quantidade da comida sabe que: Primeiro, não é fácil diminuir voluntariamente a quantidade da comida. Isso significa não ficar saciado. Isso significa ficar com fome. Segundo, que quando se perde peso inicialmente comendo menos, em seguida o corpo se adapta e pára de emagrecer. Então é preciso comer menos ainda.
Bom, mas aliado à orientação de comer menos, vem a orientação de nos exercitarmos mais. O que significa pedir pra uma pessoa acima do peso, ficar com fome e ainda assim praticar exercícios. Ok, com força de vontade é possível – e haja força de vontade. Mas o corpo se adapta também ao volume de exercícios e, de novo, pára de emagrecer. Então é preciso se exercitar mais ainda.
Ou seja, cada vez é preciso comer menos, e cada vez é preciso se exercitar mais. Essa estratégia não parece funcionar bem a longo prazo (e isso já foi exaustivamente comprovado por estudos sérios e independentes). Pode funcionar para perder um pouco de peso, pode funcionar para perder certo peso em pouco tempo. Mas não transforma pessoas comuns obesas em pessoas comuns magras pro resto de suas vidas.
Então, afinal, porque engordamos? Então, afinal, o que fazer?
Como explicado em textos anteriores, engordamos por oferecer estímulos inadequados ao nosso corpo. Estímulos que comunicam ao corpo uma necessidade de continuar armazenando gordura a despeito das reservas já existentes. E, também como explicado anteriormente, estímulos são considerados inadequados quando não favorecem o funcionamento normal do nosso organismo. O modelo de vida que a maioria das pessoas segue hoje acaba por minar os mecanismos precisos que o corpo desenvolveu para se manter magro, forte e saudável.
Eu percebo no consultório dois tipos de modelo de vida que não dão certo no que diz respeito à saúde e boa forma. Um é na verdade a falta de um modelo lógico e pensado – é fruto dos hábitos e rotinas desenhados desde a infância, sem nenhuma preocupação com resultados, com final imprevisível. Esses são a maioria e, em geral, nem percebem o risco que correm ou mesmo o estado em que se encontram. Ou nem se importam com isso mesmo...
O outro é fruto de aconselhamentos e orientações errados. Querem ter saúde, se esforçam pra isso, mas baseiam-se no que dizem os consensos, os programas de televisão, as revistas, a internet, e mesmo os consensos médicos desatualizados ainda praticados. Esses são a minoria. Esses tentam, vão além da força de vontade, e na maioria das vezes não conseguem os resultados desejados. Os que conseguem o fazem com dificuldade (como se a conquista e manutenção de um corpo magro, forte e saudável fosse algo antinatural). Eventualmente se frustram, desistem. Todos merecem ajuda, mas esses ainda mais.
Todos os fatores sabidamente danosos à saúde influenciam o controle do peso. Isso inclui o sedentarismo, o estresse crônico, a má qualidade de sono, o uso indevido de medicamentos, etc. Tudo é importante. Mas todos os fatores juntos não influenciam tanto a saúde e o controle do peso quanto os itens que ingerimos. Veja bem: nada influencia mais o desfecho em saúde que a dieta. Lembrem disso. Então, num primeiro momento, essa deve ser a prioridade.
Nenhuma novidade em se dizer que uma dieta inadequada dificulta o controle do peso. O que se questiona é a definição de dieta adequada. E é aqui que o senso comum, tanto da população geral quanto da ainda maioria dos profissionais de saúde diverge da ciência séria e independente.
Em 2015/2016 é inaceitável orientar uma dieta baseada em carboidratos (leia-se grãos e farináceos) mesmo que integrais, de baixa gordura, com a substituição das gorduras naturais por óleos artificiais extraídos de sementes, com esquema pré-determinado de horários (leia-se 3/3h ou 2/2h!). Em 2015/2016 é inaceitável caracterizar uma dieta rica em frutas e cereais como a mais adequada para controle do peso. É inaceitável orientar déficit calórico voluntário (comer menos e se exercitar mais) como base do emagrecimento. É inaceitável culpar as gorduras naturais dos alimentos (mesmo as saturadas) como causa de doenças cardiovasculares ou metabólicas. E esses atos são inaceitáveis por dois motivos. Primeiro, que em se tratando de medicina e biologia, nada faz sentido se não for visto à luz da evolução e os seres humanos evoluíram comendo animais e plantas sob demanda (conforme a fome). Segundo, que o que existe de melhor na ciência independente vem demonstrando há pelo menos uma década o contrário das orientações vigentes.
O corpo que usamos hoje tem uma informação genética com alicerce de pelo menos 2.500.000 (2,5 milhões) de anos. Os hominídeos de 200.000 anos já usavam fogo e ferramentas. Nós, Homo sapiens sapiens, já existimos idênticos ao que somos hoje (mesma genética, mesma aparência) há 50.000 anos. De lá pra cá nada mudou em nossos corpos. Mas de lá pra cá nós muito mudamos o modo como o tratamos.
O que nos engorda (e nos adoece) é contrariar a “planta de construção” que a nossa genética desenvolveu ao longo de toda a evolução. É possível descrever várias causas e mecanismos para o sobrepeso, para síndrome metabólica, para o desenvolvimento de doenças crônico-degenerativas. Alguns mecanismos já bem descritos há anos, outros tantos efervescendo recentemente. Mas todos, ao fim e ao cabo, são na verdade a descrição de como um organismo vivo se comporta quando exposto a estímulos biológicos contrários aos quais está adaptado.
Por definição, biologicamente ainda somos os mesmos animais mamíferos onívoros, nômades, caçadores/coletores. As implicações disso são simples e gigantes ao mesmo tempo. Somos um milagre. Mas no caminho da evolução cultural nos distanciamos da nossa verdade biológica. E essa tem sido nossa ruína.
Ninguém está dizendo que devemos viver como humanos primitivos para gozar de plena saúde. Ou mesmo que devemos abdicar das conquistas e facilidades que a vida moderna nos proporciona. Ou ainda que devemos negar nossos desejos e fraquezas sob pena de enveredar por um caminho sem volta. Pelo contrário. Conhecendo melhor os riscos, as melhores escolhas podem ser feitas. Conhecendo melhor as causas temos mais chance de enfrentarmos nossas fragilidades. Ou mesmo as escolhas erradas podem ser feitas com um cálculo mais preciso dos riscos. Com equilíbrio, nada nos afeta.
O que se propõe é o uso de um protocolo confiável para nortear nossas escolhas, nosso conhecimento sobre nós mesmos. É tomar conta da nossa vida e saúde com responsabilidade, sem jogar para terceiros a responsabilidade dos resultados. É entender as regras do jogo.
Seremos mais felizes e mais saudáveis quando aprendermos a usufruir de todo o potencial cultural e intelectual de que dispomos, ao mesmo tempo em que compreendermos nossa realidade biológica.
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