Manteiga ou margarina ?

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Zoë Harcombe

Outro artigo foi produzido pelo time de Harvard, que gosta de analisar dados buscando associações entre comida e saúde. Esse é chamado Gorduras saturadas comparadas com gorduras insaturadas e fontes de carboidratos em relação ao risco de doença coronariana: um estudo de coorte prospectivo”.

Os pesquisadores observaram dados já coletados por dois grandes estudos: o Estudo de Saúde das Enfermeiras (84.628 mulheres) e o Estudo de Acompanhamento dos Profissionais de Saúde (42.908 homens). As enferemeiras foram acompanhadas entre 1980 e 2010, e os homens entre 1986 e 2010. Todos eram livres de diabetes, doença cardiovascular e câncer no início. A dieta foi aferida por um questionário de frequência alimentar a cada 4 anos – ou seja, não muito precisamente.

Os resultados foram 7.667 incidentes de doença coronariana (CHD) em 24-30 anos de acompanhamento. Os resultados reportaram que:

  • Consumos mais altos de gorduras poliinsaturadas (PUFAs) estiveram significativamente associados com risco mais baixo de CHD. Comparando o quintil mais alto e o mais baixo resultou numa taxa de risco (HR) de 0.80 (0.73-0.88)
  • Consumos mais altos de carboidratos de grãos integrais estiveram significativamente associados com risco mais baixo de CHD. Comparando o quintil mais baixo e mais alto resultou num HR = 0.90 (0.83-0.98)
  • Consumos mais altos de carboidratos de açúcares/amidos refinados estiveram associados com risco mais alto de CHD. HR = 1.10 (1.00-1.21)

O time então afirmou que substituir 5% da ingestão calórica de gorduras saturdas pelo equivalente em PUFAs, gorduras monoinsaturadas (MUFAs) e carboidratos de grãos integrais estava associado com riscos 25, 15 e 9% menores de CHD, respectivamente.

A conclusão geral do estudo foi "nossas descobertas indicam que gorduras insaturadas, especialmente PUFAs, e/ou carboidratos de alta qualidade, podem ser usados para substituir as gorduras saturadas e reduzir o risco de CHD".

Problema 1


O primeiro ponto a ser relembrado é que isso é associação, e não causalidade. Poderia ser o caso de que as pessoas que comeram mais peixes (PUFAs) e/ou comeram mais cuscuz (grãos integrais) são geralmente mais saudáveis que as pessoas que comem batata frita e pão de hamburguer ? Isso faria do consumo de PUFAs e grãos integrais um MARCADOR de saúde, não FAZEDORES de saúde.

Problema 2


Os números são sempre apresentados como risco relativo, o que é enganador e não deveria ser feito. Pesquisadores responsáveis apresentam risco absoluto, ponto.

As pessoas estudadas totalizaram 127.536. Houve 7.667 casos de CHD em um período de 24-30 anos (use 27 como média). A chance de qualquer pessoa ter um incidente em qualquer outro ano foi de 0.22% (cerca de 1 em cada 450 pessoas). Dado que as enfermeiras tinham 34-59 anos em 1980 (e por conseguinte 64-89 anos em 2010) e que os homens tinham 40-74 anos em 1986 (e por conseguinte 64-98 anos em 2010), eu estou surpresa pela incidência não ter sido muito mais alta. E aposto que esteve maciçamente correlacionada com a idade, como a doença cardíaca sempre é.

Os dados


A tabela 1, com os dados iniciais, era muito interessante. Ela apresentava dados básicos sobre os participantes nos 5 quintis de ingestão de gordura saturada (SFA), do menor para o maior. Isso nos informava de que aqueles no grupo mais alto de SFA consumiam quase o dobro da gordura total do grupo mais pobre em SFA, e quase o dobro da gordura monoinsaturada (MUFA) do grupo mais pobre em SFA. O grupo mais alto em SFA também consumia quase o dobro de gorduras trans do grupo mais pobre em SFA. Eu espero que isso tenha afetado adversamente a saúde do grupo que consumia mais SFA. Isso também me diz que o grupo que ingeria mais SFA estava comendo comida processada – outro fator de confusão.

A tabela 1 também nos dizia que a ingestão total de carboidratos variava de 34.2% da energia (para as mulheres que comiam mais gordura) a 55.1% da energia (para os homens que comiam menos gordura). A ingestão de carboidratos oriundos de grãos integrais era tão baixa quanto 0.72-1.2% das calorias diárias para as mulheres, e ligeiramente mais alta (2-2.5%) para os homens. Os resultados dos grãos integrais foram calculados tendo uma base minúscula, portanto.

Os três resultados-chave apresentados acima (sobre PUFAs, grãos integrais e carboidratos refinados) vêm das tabelas 2 e 3 do artigo. A tabela 2 também encontrou o seguinte, mas que não foi incluido nas descobertas:
  • Ingestões mais altas de gordura total estiveram significativamente associadas com risco mais baixo de CHD. Comparando o quintil mais alto com omais baixo resultou HR = 0.88 (0.90-0.96)
  • Ingestões mais altas de gorduras trans estiveram significativamente associadas com risco mais alto de CHD. Comparando o quintil mais alto com o mais baixo resultou HR = 1.2 (1.09-1.32). Esse foi o achado mais significativo do artigo, mas não foi mencionado no à imprensa nem no resumo
  • Ingestões mais altas de gordura saturada estiveram (não significativamente estatisticamente) associadas com risco mais baixo de CHD. Comparando o quintil mais alto com o mais baixo resultou HR = 0.93 (0.82-1.05)

A parte sobre trocar gordura saturada por alguma outra coisa


Os pesquisadores estimaram que o efeito de trocar 5% da ingestão calórica de gorduras saturadas pelo seu equivalente em PUFAs, gorduras monoinsaturadas ou carboidratos de grãos integrais foi associada a riscos de CHD 25, 15 e 9% menores, respectivamente.

Primeiro – aquele risco relativo aplica-se de novo. Lembre-se de que a taxa de incidência para qualquer pessoa em 1 ano foi de 0.22%. Ainda que tomássemos essas estimativas de risco relativo do jeito que foram dadas, a taxa de incidente seria 0.17, 0.19 ou 0.20% contra 0.22%. Não exatamente merecedora de manchetes, certo ?

Segundo – substituir 5% da ingestão calórica de SAT pode não soar muito, mas é enorme (não são 5% de 9.6% – é REMOVER 5% de 9.6%). A ingestão de gordura saturada (tabela 2) varia de 9.6 a 16.9% da energia total ingerida. O quintil mais baixo precisaria dividir por mais do que 2 a ingestão de gordura saturada (de 9.6 para 4.6%) e o quintil mais alto teria que reduzi-la em aproximadamente 1/3 (para 11.9%).

Terceiro – o que as pessoas estariam cortando na prática, se elas tirassem a gordura saturada significativamente ? A figura 3.4, na página 26, das diretrizes dietéticas americanas de 2010, mostra que a principal fonte de gordura saturada são comidas processadas: pizza; sobremesas baseadas em grãos; sobremesas lácteas (sorvete); frango frito; cachorros-quentes; hamburgueres; tortilhas; balas; batata frita; etc. A manteiga equivale a 2.9% das gorduras saturadas, e o leite, 7.3%.

Você acha que a saúde iria melhorar se as pessoas diminuíssem a sua ingestão de gorduras saturadas cortando pela metade o consumo desse tipo de lixo ? É claro que iria. A saúde iria melhorar removendo ovos, carne e laticínios vindos de animais alimentados com pasto ? É bem o oposto.

A manchete "A manteiga não está de volta" é portanto uma jogada baixa, imprecisa e enganadora de uma universidade que devia fazer melhor. Fazer isso deu aos "Reis das Associações Sem-Sentido de Harvard" a manchete pela qual estavam procurando: “Manteiga não é melhor que margarina”.

Lembra-se do resultado mais significativo e não-reportado do artigo ? Aquele sobre gorduras trans ? Verifique como os óleos vegetais líquidos são processados em uma substância artificialmente solidificada e parecida com manteiga, e você vai perceber o quão perigosa essa manchete foi.

O que tiramos disso tudo ?


O aconselhamento dietético sensato permanece inalterado – coma comida de verdade; não coma comida processada. Manteiga, feita a partir de fontes naturais, é muito melhor para você que gosma hidrogenada (ou algum outro método solidificador), clarificada, desodorizada, emulsificada, colorida (conhecida como margarina). Além disso: estudos de associação, que seletivamente relatam risco relativo, especialmente aqueles que emanam do time "agora te peguei, manteiga" de Harvard, são potencialmente ruins para a sua saúde.

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