O relatório científico guiando as diretrizes dietéticas americanas: ele é científico ?

Artigo traduzido por Hilton Sousa e Antônio Junior. O original está aqui.

por Nina Teicholz.

Ele tem um impacto grande na dieta dos cidadãos americanos, e aqueles da maioria das nações ocidentais, então por que o aconselhamento dos experts que suporta as diretrizes dietéticas do governo americano não leva em consideração toda a evidência científica ? 

O relatório dos experts que suporta o próximo conjunto de Diretrizes Dietéticas para os Americanos falha em refletir muita literatura científica relevante em suas revisões de tópicos cruciais, e por conseguinte arrisca-se a dar um panorama errôneo, mostrou uma investigação do Jornal Britânico de Medicina (BMJ). As omissões parecem sugerir uma relutância por parte do comitê por trás do relatório, em considerar quaisquer evidências que contradigam os últimos 35 anos de aconselhamento nutricional.

Publicadas uma vez a cada 5 anos, as diretrizes têm uma grande influência sobre a dieta dos EUA, determinando a educação nutricional, rotulagens, prioridades das pesquisas governamentais nos Institutos Nacionais de Saúde e nos programas públicos de alimentação – que são usados por cerca de 25% dos americanos todo ano [1]. As diretrizes, que foram publicadas pela primeira vez em 1980, também direcionaram as políticas da nutrição globais, com a maioria das nações ocidentais subsequentemente adotando aconselhamentos similares.

As diretrizes são baseadas em um relatório produzido por um comitê conselheiro – um grupo de 11-15 experts que são apontados para revisar a melhor e mais atual ciência para fazer recomendações nutricionais que ao mesmo tempo promovam ciência e combatam a doença. O último relatórido do comitê foi publicado em fevereiro [2] e está sob revisão pelas agências governamentais de saúde e agricultura, que vão finalizar as diretrizes no outono.

As preocupações sobre as diretrizes desse ano foram sem precedentes, com cerca de 29.000 comentários públicos submetidos, quando comparadas às 2000 submetidas em 2010. Em meses recentes, à medida que oficiais do governo convertem o relatório científico em diretrizes, o Congresso buscou intervir. Em junho, ele propôs um requisito de que as diretrizes sejam baseadas apenas em ciência "forte" e também que foquem-se em preocupações nutricionais sem consideração de sustentabilidade. Outros tópicos debatidos incluem as novas reduções propostas do consumo de açúcar e carne vermelha.

Estas questões vão provavelmente vir à tona numa audiência congressional sobre as diretrizes em outubro, quando dois secretários de gabinete estão agendados para testemunahr.

O BMJ também descobriu que o relatório do comitê usou padrões científicos fracos, revertendo esforços recentes feitos pelo governo para fortalecer o processo de revisão científica. Esse escorregão parece ter feito o relatório vulnerável a tendências internas, bem como a agendas externas.

O relatório de 2015 afirma que o comitê abandonou métodos estabelecidos para a maioria de suas análises. Desde seu surgimento, o processo das diretrizes sofreu de uma falta de métodos rigorosos de revisão da ciência da nutrição e da doença, mas um esforço enorme foi feito em 2010 para implementar revisões sistemáticas de estudos para trazer rigor científico e transparência ao processo de revisão. O Departamento Americano de Agricultura (USDA) produziu a Biblioteca de Evidências em Nutrição (NEL) para ajudar a conduzir revisões sistemáticas usando um processo padronizado para identificar, selecionar e avaliar estudos relevantes [3].

Entretanto, em seu relatório de 2015 o comitê afirmou que não usou as revisões do NEL em mais de 70% dos tópicos, incluindo alguns dos mais controversos em nutrição [4]. Ao invés, ele confiou em revisões sistemáticas feitas por associações profissionais externas, quase exclusivamente a Associação Americana de Cardiologia (AHA) e o Colegiado Americano de Cardiologia (ACC), ou conduziu um exame ad hoc da literatura científica sem critérios sistemáticos bem definidos para como os estudos ou revisões externas fora identificadas, selecionadas ou avaliadas.

O uso de revisões externas por associações profissionais é problemático porque esses grupos conduzem reviões de literatura de acordo com padrões diferentes, e são suportados por indústrias alimentícias e farmacêuticas. Os relatórios da ACC receberam da indústria 38% da sua renda em 2012, e a AHA reportou 20% da sua renda vinda da indústria em 2014. Conflitos de interesse potenciais incluem, por exemplo, décadas de suporte de fabricantes de óleos vegetais, cujos produtos a AHA há muito promove para saúde cardiovascular. Essa confiança em grupos financiados pela indústria claramente mina a credibilidade do relatório governamental.

Gorduras saturadas


Sobre as gorduras saturadas, por exemplo, o comitê não pediu à NEL para conduzir uma revisão formal da literatura dos últimos 5 anos, ainda que esse tópico claramente merecesse re-examinação. Quando o comitê começou seus trabalhos em 2012, existiam diversos artigos proeminentes, incluindo uma meta-análise [5] e duas revisões grandes (uma delas, sistemática) [6, 7] que falhavam em confirmar associações entre gorduras saturadas e doença cardíaca.

As restrições à gordura saturada têm sido um dos fundamentos da política nutricional desde as primeiras diretrizes em 1980 e têm tido um papel dominante em determinar quais comidas, tais como laticínios desnatados e carnes magras, são considerados "saudáveis". Ao invés de requisitar uma nova revisão à NEL sobre a literatura recente nesse tópico crucial, entretanto, o comitê de 2015 recomendou extender a restrição atual das gorduras saturadas, de 10% das calorias, baseado em uma revisão da AHA e da ACC [8], uma revisão da NEL de 2010 e a seleção ad hoc do próprio comitê de 7 artigos de revisão (ver a tabela A) [9].

A revisão sistemática da NEL sobre gorduras saturadas de 2010 [10] só cobria a literatura publicada de 2004 a 2009, o período no qual o comitê de 2010 tinha sido solicitado a revisar. Menos de 12 estudos pequenos são citados, e nenhum suporta a idéia de que as gorduras saturadas causem doença cardíaca (veja a tabela B).

Mais significativamente, essa revisão omite um grande estudo clínico controlado, a Iniciativa da Saúde da Mulher (WHI), que incluiu 49.000 pessoas e conseguiu uma redução significativa da ingestão de gordura saturada no grupo de intervenção – e que comparado aos controles, não observou benefícios para esse grupo na incidência de eventos fatais e não fatais por doenças cardíacas coronarianas e por doença cardiovascular total, incluindo derrame [11].

Artigos sobre gorduras saturadas publicados desde 2010 foram cobertos pela revisão ad hoc do comitê, que não usou um método sistemático para selecionar ou avaliar estudos. Uma das meta-análises que ele citou foi discutivelmente inapropriadamente incluída porque considerava óleos poliinsaturados ao invés de gorduras saturadas [12]. Outra análise citada em grande detalhe já tinha sido coberta pelo review da NEL de 2010, então incluí-la novamente resulta em contagem dupla [13]. Três meta-análises concluíram que gorduras saturadas não aumentam a mortalidade cardiovascular [14, 15, 16], mas o comitê minimiza esses achados. E duas outras meta-análises incluídas tinham resultados mistos: gorduras saturadas geralmente pareciam mais aterogênicas que as poliinsaturadas, mas menos aterogênicas que os carboidratos ou as monoinsaturads [17, 18]. Apesar dessa evidência conflitante, entretanto, o relatório do comitê conclui que a evidência ligando o consumo de gorduras saturadas à doença cardiovascular é "forte".

Talvez mais importante sejam os estudos que nunca foram sistematicamente revisados por quaisquer dos comitês [19]. Esses incluem os grandes estudos randomizados controlados financiados pelo governo sobre gorduras saturadas e doença cardíaca dos anos 1960 e 1970. Somados, esses estudos acompanharam mais de 25.000 pessoas, algumas por até 12 anos. Eles são alguns dos mais ambiciosos e bem-controlados estudos nutricionais já feitos [20, 21, 22, 23, 24, 25]. Esses estudos mostraram desfechos de saúde mistos para gorduras saturadas, mas revisões críticas da época, incluindo uma feita pela Academia Nacional de Ciências, que aconselhava contra o inconclusivo estado da evidência sobre gorduras saturadas e doença cardíaca, foram descartados pelo USDA quando ele lançou as primeiras diretrizes dietéticas em 1980 [26]. Comitês subsequentes nunca voltaram para revisar sistematicamente aqueles estudos, e ao invés confiaram em outros relatórios governamentais.

Dietas de baixo carboidrato


Outro tópico importante que foi insuficientemente revisdo foi a eficácia de dietas de baixo carboidrato. Novamente, o comitê 2015 não requisitou à NEL revisões sistemáticas da literatura dos últimos 5 anos. O relatório diz que isso foi porque, após conduzir "pesquisas exploratórias" da literatura desde 2000, o comitê só pôde achar "apenas evidência limitada sobre dietas de baixo carboidrato e saúde, particularmente evidências derivadas de populações americanas" [27].

O relatório não provê documentação sobre essas "pesquisas exploratórias", ainda que muitos estudos de restrição de carboidratos tenham sido publicados em jornais revisados por pares desde 2000, quase todos feitos em populações americanas. Esses incluem 9 estudos piloto, 11 estudos de caso, 19 estudos observacionais e no mínimo 74 estudos randomizados controlados, 32 dos quais duraram 6 meses ou mais (veja a tabela C). Uma meta-análise e uma revisão crítica concluíram que dietas de baixo carboidrato são melhores que outras abordagens nutricionais para controlar diabetes tipo 2 [28, 29] e duas meta-análises concluíram que uma dieta moderada a pobre em carboidratos é altamente efetiva para obter perda de peso e melhorar a maioria dos fatores de risco para doença cardíaca no curto prazo (6 meses) [30, 31]. Os benefícios de perda de peso em diferentes dietas tenderam a convergir no longo prazo (12 meses), de acordo com várias revisões, mas uma meta-análise recente mostrou que se os carboidratos forem mantidos "muito baixos", a perda de peso é maior que uma dieta low-fat mantida por 1 ano [32]. Dado o preço crescente cobrado por essas condições e a falha de estratégias existentes em fazer progressos significativos no combate à obesidade e diabetes até hoje, seria de esperar que o comitê das diretrizes acolhesse quaisquer novas e promissoras estratégias dietéticas. É então surpreendente que os estudos listados acima foram considerados insuficientes para merecerem uma revisão.

Novas estratégias


A abordagem do comitê à evidência sobre gorduras saturadas e dietas de baixo carboidrato reflete uma falha aparente em endereçar quaisquer evidências que contradigam o que foi o aconselhamento nutricional oficial pelos últimos 35 anos. A fundação desse aconselhamento tem sido recomendar comer menos gorduras e produtos animais (carnes, laticínios, ovos) enquanto altera-se a ingestão calórica na direção d emais produtos vegetais (frutas, legumes, grãos e óleos vegetais) para uma boa saúde. E nas décadas passadas, esse aconselhamento permaneceu virtualmente inalterado [33].

Como as diretrizes obviamente não levaram a uma saúde melhor, entretanto, houve uma necessidade de encontrar novas estratégias para atacar as doenças relacionadas à nutrição. A nova proposta do comitê para um limite ao consumo de açúcar é uma idéia.  A mudança mais significativa do comitê, que começou em 2010, entretanto, foi redobrar seus esforços em enfatizar uma dieta baseada em plantas. Isso pode ser visto de diversas maneiras no relatório de 2015, nenhuma das quais é suportada por evidências fortes.

Novas propostas feitas pelo relatório de 2015 incluem não apenas remover a carne da lista de alimentos recomendados como parte de dietas saudáveis, mas também ativamente aconslehar reduções de "carnes vermelhas e processadas" [34]. Esse conselho tem sido o assunto de muito debate, que os apoiadores das diretrizes caracterizaram como um conflito entre os auto-interesses da indústria da carne versus os esforços virtuosos para salvaguardar a saúde (e o meio-ambiente) [35, 36]. Mesmo  formatado dessa maneira, o debate falha em endereçar a questão fundamental à nutrição: reduzir a carne leva a uma saúde melhor ? Consultando a NEL por uma revisão nesse tópico produz um fato surpreendente: uma revisão sistemática sobre saúde e carne vermelha não foi feita. Apesar de diversas análises observarem "produtos de proteína animal", essas revisões incluíram ovos, peixes e laticínios, e portanto não isolaram os efeitos da carne vermelha (ou de qualquer tipo) sobre a saúde [37].

Imporante, alguns dos achados do relatório também contradizem o aconselhamento do comitê contra a carne vermelha. Por exemplo, para suportar a idéia de que a carne vermelha prejudique a saúde, o comitê repetidamente cita um grande estudo randomizado controlado conduzido na Espanha. Entretanto, esse estudo não procurou reduzir o consumo de carne vermelha e processada no grupo experimetnal, comparado ao grupo de controle – então não se pode dizer que suporte o conselho do comitê [38]. Além disso, o único diagrama sobre carne vermelha no relatório do comitê, que traça os dados de estudos observacionais, mostra um número aproximadamente igual de benefícios à saúde associados com dietas mais ricas e mais pobres em carnes vermelhas [39].

Dietas recomendadas


Outra movimentação clara em direção a uma abordagem baseada em plantas no relatório, é a introdução da "saudável dieta vegetariana" como uma das três dietas recomendadas (as outras sendo a "saudável dieta em estilo mediterrâneo" e a "saudável dieta em estilo americano") [2]. Uma revisão da NEL de uma dieta vegetariana saudável existe, mas conclui que a evidência para os poderes dessa dieta para o combate de doenças é apenas "limitada", que é a classificação mais baixa para dados disponíveis [40]. Além disso, apesar da NEL conduzir 8 revisões sobre frutas e legumes, nenhuma encontrou evidência forte (nível 1) para suportar a afirmação de que essas comidas podem prover benefícios à saúde [41].

Em geral, a qualidade da evidência suportando as três dietas recomendadas pelo relatório é limitada (tabela D). O comitê só pode achar eviências que vão de "limitadas" a "não atribuíveis" para mostrar que essas dietas protegem contra osteoporose, anormalidades congênitas ou doenças neurológicas e psicológicas [27]. A revisão da NEL encontrou apenas evidência "limitada" ou "insuficiente" de que as dietas poderiam combater o diabetes [42]. Em um movimento altamente heterodoxo, o comitê das diretrizes ignorou as revisões sistemáticas da NEL nesse tópico e decidiu aumentar a classificação para "moderada", baseado na sua opinião de que um artigo de revisão de dados observacionais, que mostrava resultados positivos, era particularmente forte.

E as dietas recomendadas são melhores que as outras para ajudar pessoas a perder peso ? Sobre essa questão, o relatório classificou a evidência como moderada, ainda que para suportar tal afirmação, atualmente só exista um único estudo clínico feito em 180 pessoas com síndrome metabólica, que descobriu que dieta mediterrânea produzia mais perda de peso que uma dieta com pouca gordura [43]. Um estudo randomizado controlado listado pela revisão na prática não avaliou perda de peso, apenas a capacidade de aderir à dieta [44] – o que, apesar de importante, é relevante apenas se a dieta funcionar. Três estudos [45, 46, 47] e uma revisão da AHA/ACC [8] concluíram que comparadas a outras dietas, as recomendadas pelas diretrizes dietéticas ofereciam no melhor caso uma vantagem marginal em combater a obesidade (menos de 450g em um período de testes de até 7 anos).

O relatório também deu uma classificação forte à evidência de que suas dietas recomendadas possam combater doenças cardíacas [27]. Novamente, diversos estudos são apresentados, mas nenhum suporta de maneira inambígua essa afirmação. Oito estudos revisados pela NEL para suportar essa classificação forte incluem um etudo que não deveria ter sido incluído por não ter grupo de cotnrole comparável [49]: 3 mostraram nenhum efeito benéfico sobre a saúde cardiovascular a não ser pressão arterial melhorada (e estudaram populações hipertensas) [50, 51, 52]; outro, também feito com hipertensos, mostrando que a dieta recomendada tinha desfechos cardiovasculares piores que outras opções que eram mais ricas em gordura monoinsaturada ou proteína [53]; um mostrando resultados mistos sobre fatores de risco cardiovasculares (apesar de o nível de LDL cair, também caiu o nível do "bom" HDL) [54]; e o maior de todos, que concluiu que a dieta era ineficaz em reduzir risco cardiovascular [11]. O comitê também cita uma revisão da AHA/AAC, mas esse artigo examina artigos já cobertos pela revisão da NEL, então incluí-los novamente é fazer contagem dupla [8]. O comitê revisou outros estudos mais recentes, mas não usando quaisquer métodos sistemáticos ou pré-definidos.

Em conclusão, as dietas recomendadas são suportadas por uma quantidade minúscula de evidência rigorosa que apenas marginalmente apoia as afirmações de que elas podem promover melhor saúde que as alternativas. Além disso, as revisões da NEL das dietas recomendadas descontam ou omitem dados importante. Houve no mínimo 3 estudos financiados pelo NIH, envolvendo cerca de 50.000 pessoas, mostrando que uma dieta pobre em gorduras e em gorduras saturadas é ineficaz para combater doença cardiovascular, obesidade, diabetes ou câncer [11, 46, 55, 56, 57, 58, 59]. Dois desses estudos foram omitidos da revisão da NEL. O terceito estudo foi incluído, mas seus resultados são ignorados. Essa ignorância é particularmente chamativa porque esse estudo, o WHI, foi o maior experimento nutricional da história [55, 56]. Cerca de 49.000 mulheres seguiram uma dieta pobre em gordura e rica em frutas, legumes e grãos, por uma média de 7 anos – ao final dos quais os investigadores não encontraram vantagem significativa dessa dieta para perda de peso, diabetes, doença cardíaca ou câncer de qualquer tipo [11, 56, 57, 58, 59]. Críticos descartam esse experimento por várias razões, incluindo o fato de que o consumo de gordura não variou o suficiente entre os grupos de intervenção e de controle, mas o percentual de calorias tanto de gorduras quanto de gorduras saturadas foram mais de 25% mais baixos no grupo de intervenção que no de controle (26.7 x 36.2% na gordura total, e 8.8 x 12.1% nas gorduras saturadas) [57]. Os achados do WHI foram confirmados por outros estudos de tamanho considerável e são portanto difíceis de descartar. Quando os achados omitidos desses estudos são fatorados na revisão, a preponderância esmagadora da evidência rigorosa não suporta quaisquer das afirmações de saúde do comitê para suas dietas recomendadas.

Uma área final examinada pelo BMJ, na qual o relatório oferece aconselhameto que contradiz seus dados, é a respeito do sódio. O comitê diz que "concorda" com um relatório recente do Instituto de Medicina, que afirma que a evidência é "inconsistente e insuficiente para concluir que reduzir a ingestão de sódio a menos de 2300mg/dia tenha qualquer efeito sobre o risco cardiovascular ou mortalidade por todas as causas" [9]. E apesar disso o relatório recomenda que a ingestão de sódio "deveria ser menor que 2300mg/dia" e encoraja a escolha sem reservas de opções com menos sal.

Perguntas sobre viés


A total falta de dados científicos sólidos e métodos adequados no relatório de 2015 poderia ser vista como uma relutância em afastar recomendações dietéticas existentes. Muitos especialistas, instituições e indústrias têm interesse em manter a opnião de status quo, e esses interesses criam um viés em seu favor. Abandor os métodos de revisão da NEL, como o comitê de 2015 fez, abre a porta não só para a polarização, mas também para a influência de agendas externas e os interesses comerciais, e tudo isso pode ser observado no relatório.

Por exemplo, um viés para a visão de longa data que as gorduras saturadas são prejudiciais pode ser visto no relatório de designação delas, juntamente com açúcar, como uma nova categoria que chama de "calorias vazias". O relatório menciona várias vezes a necessidade de reduzir o "açúcar e gorduras sólidas", porque, "ambos fornecem calorias, mas pouco ou nenhum nutriente". No entanto, esta associação não é apoiada pela ciência da nutrição. Ao contrário do açúcar, gorduras saturadas são principalmente consumidos como parte inerente de alimentos como ovos, carne e laticínios, que juntos contêm quase todas as vitaminas e minerais necessários para uma boa saúde.

Não seguir os métodos da NEL também permitiu a agendas externas entrar no relatório, mais claramente na forma do nova consideração para a sustentabilidade ambiental. Embora, como afirma o relatório, os efeitos ambientais de produção de comida e bebida sejam consideráveis, eles estão fora do mandato formal da comissão para fornecer ao governo federal com a "evidência científica atual sobre temas relacionados com a dieta, nutrição e saúde."  Em um novo desenvolvimento para 2015, o USDA contratou um analista de política alimentar centrado em questões ambientais para supervisionar as diretrizes do trabalho do comitê, refletindo uma nova agenda no processo.

Muito tem sido escrito sobre como as indústrias tentam influenciar a política da nutrição, por isso é de estranhar que ao contrário de autores na maioria das principais revistas médicas, os membros da comissão diretriz não são obrigados a listar os seus potenciais conflitos de interesse. Uma investigação superficial mostra vários desses conflitos possíveis: um membro recebeu financiamento de pesquisa da California Walnut Commission e da Tree Nut Council, bem como das gigantes dos óleos vegetais Bunge e Unilever. Outro recebeu mais de US$10.000 da Lluminari, que produz conteúdos multimídia relacionados com a saúde para a General Mills, PepsiCo, Stonyfield Farm, Newman's Own, e "outras empresas". E, pela primeira vez, o presidente da comissão não vem de uma universidade, mas da indústria: Barbara Millen é presidente da Millennium Prevention, uma empresa sediada em Westwood, MA, que vende plataformas baseadas na web e aplicações móveis para o auto-monitoramento de saúde. Enquanto não há nenhuma evidência de que estes potenciais conflitos de interesse influenciaram os membros da comissão, o relatório recomenda um consumo elevado de óleos vegetais e nozes, bem como o uso de tecnologias de auto-monitoramento em programas de controle de peso.

Ainda assim, é importante notar que em um campo onde dólares em pesquisas públicas são escassos, quase todos os cientistas de nutrição aceitam financiamento da indústria. De longe a maior influência é provável que seja viés em favor de uma hipótese institucionalizada, bem como um viés de "boa pessoa"  para distorcer informações para o que é percebido como fins justos.

O relatório é altamente confiante de que suas conclusões são apoiadas por boa ciência, afirmando que "A base de evidência nunca foi tão forte para orientar soluções." Millen disse ao BMJ, "Você simplesmente  não responde a estas perguntas sobre a base da NEL. Onde nós não sentimos que precisávamos, nós não fizemos. Sobre temas onde não havia diretrizes abrangentes, nós não fizemos. Nós usamos esses recursos e aquele tempo para cobrir outras questões. A noção de que cada pergunta que nós colocamos deveria ter uma NEL é falha". Ela disse que iria para o tapete "para defender a abordagem da comissão". "É por isso que você tem um comitê de peritos... para trazer conhecimentos, incluindo as nossas próprias análises originais ".

"Essas pessoas sabem como fazer este trabalho. As pessoas que criticam isto estão vindo do ponto de vista de que elas não gostaram da resposta. Eles não gostam do fato de que estudos randomizados controlados testando esses padrões alimentares foram bem-sucedidos. Eu acho que você tem que ler o relatório. NEL nos ajudou a fazer as buscas para fazer a atualização da literatura. Isso é indicado. Se ele não o satisfizer, isso é tudo que posso dizer. É bem-definido e foi revisado por dezenas de pessoas".

Sobre gorduras saturadas, especialmente, ela disse: "Nós pensamos que acertamos em cheio." Millen disse que o trabalho de sua comissão não tinha sido inteiramente sem metodologia, mas tinha "funcionado com a assistência NEL e USDA para identificar a literatura de pesquisa." Ela disse que "ficou claro que as gorduras poliinsaturadas reduzem o risco de doença cardíaca e mortalidade, ainda que a "evidência não seja tão clara sobre se a substituição de gordura saturada por gorduras monoinsaturadas ou carboidratos reduz o risco de doença cardiovascular, e provavelmente depende do tipo e origem."

Em dietas pobres em carboidratos, ela disse que não havia "provas substanciais" a considerar. "Muitas dietas populares não têm provas. Mas você pode conseguir boa saúde, a resposta é sim. "

Em relação a conflitos de interesse do comitê, ela disse que os membros foram vetados pelo conselho do governo federal. Ela não quis revelar detalhes das atividades de sua empresa. Os críticos do relatório, ela disse, "estão partindo do ponto de vista de que eles não gostam da resposta."

No entanto, dada o aumento cada vez maior de obesidade, diabetes e doenças cardíacas, e do fracasso das estratégias existentes para fazer incursões na luta contra essas doenças, há uma necessidade urgente de fornecer aconselhamento nutricional baseado em dados científicos sólidos. Pode ser hora de pedir às nossas autoridades para convocarem um painel imparcial e equilibrado de cientistas para realizar uma análise abrangente, a fim de garantir que a seleção da comissão das diretrizes dietéticas torne-se mais transparente, com uma melhor divulgação dos conflitos de interesses, e que a mais rigorosa evidência científica seja utilizada de forma confiável para produzir a melhor política de nutrição possível.

O que você precisa saber


As novas diretrizes dietéticas para americanos são iminentes e vão afetar a dieta de dezenas de milhões de cidadãos, bem como a rotulagem de alimentos, educação e as prioridades de pesquisa. No passado a maioria das nações ocidentais adotaram recomendação dietética semelhante

O comitê científico assessorando o governo dos EUA não usou métodos padronizados para a maioria de suas análises e, como alternativa depende fortemente de revisões sistemáticas de organismos profissionais, como a AHA e a ACC, que são fortemente apoiados por empresas de alimentos e medicamentos. Os membros da comissão, que não são obrigados a listar os seus potenciais conflitos de interesse, também realizaram avaliações ad hoc da literatura, sem definir critérios de identificação ou avaliação de estudos.

Este ano, em seu relatório ao governo, a comissão amplamente aponta para o mesmo conselho que deu ao longo de décadas – comer menos gordura e menos produtos animais e comer mais alimentos de origem vegetal para uma boa saúde. Mas esta decisão de manter o status quo falha em refletir muito da atual ciência relevante. 

As exceções incluem uma proposta de um limite para o consumo de açúcar.

A comissão recomenda três dietas para promover uma melhor saúde, mais uma vez sem o acompanhamento de rigorosa evidência.

O Congresso dos EUA entrou em cena, com uma audiência marcada para outubro.

Notas de Rodapé


Conflito de interesses: Eu li e compreendi a política da BMJ sobre declaração de interesses, e declaro que eu sou o autora de "The Big Fat Surprise" (Simon & Schuster, 2014), sobre a história, a ciência e a política de recomendações de gordura na dieta. Tenho recebido honorários modestos para apresentar meus resultados de pesquisa apresentados no livro para uma variedade de grupos relacionados como médicos, restaurantes, financeiras, carne e  indústria de laticínios. Eu também sou um membro do conselho de uma organização sem fins lucrativos, a  Nutrition Coalition, dedicada a garantir que a política de nutrição seja baseada em ciência rigorosa.

Este artigo foi totalmente financiado com uma doação da Laura and John Arnold Foundation (www.arnoldfoundation.org). A análise foi realizada de forma independente, bem como o relatório reflecte as opiniões do autor e não necessariamente aqueles da fundação. Proveniência e revisão por pares: 

Encomendado; externamente revisados e verificado.

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