Diabetes e dieta: Há uma epidemia de desinformação
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.
por Aseem Malhotra
À medida que o NHS (N.T.: o "SUS" da Inglaterra) luta com o número crescente de casos de diabetes tipo 2, é hora de examinar o papel da dieta e do estilo de vida no combate a esse desafio. Os assim chamados "benefícios de intervenções médicas" tomam o espaço das mudanças de estilo de vida, mais benéficas, diz o Dr. Aseem Malhotra.
No início desse ano, Karen Thomson, a neta do pioneiro do transplante cardíaco Christian Barnard, organizou o primeiro congresso mundial sobre low-carb na África do Sul, e me convidou como palestrante.
A conferência de 4 dias foi também coordenada pelo proeminente professor de medicina do esporte Timothy Noakes, e não houve padrocínio das indústrias alimentícias ou farmacêuticas. Houve um total de 15 palestrantes internacionais, incluindo pesquisadores acadêmicos e médicos, e o que se seguiu foi uma demolição eloquente e baseada em evidências, das diretrizes dietéticas atuais que promovem "pouca gordura" como o melhhor para o peso e a saúde.
O premiado autor de "Good calories, bad calories", Gary Taubes, abriu a conferência explicando que a obesidade não é uma doença do desequilíbrio energético, mas de acúmulo de gordura causado pelo excesso de insulina – guiada primariamente pelo consumo de carboidratos.
O médico sueco Andreas Eenfeldt, que escreve o Diet Doctor, o blog de saúde mais popular do país, discutiu o início do declínio na taxa de obesidade na Suécia – onde estima-se que 1/4 da população abrace dietas low-carb, e as vendas de manteiga dispararam nos últimos anos.
"Você não fica gordo por comer comidas gordurosas, assim como não fica verde por comer verduras", disse ele em resposta a uma revisão de 16.000 estudos, feita em 2 anos pelo Conselho Sueco de Tecnologia da Saúde.
A revisão concluiu que tal dieta pode não apenas ser a melhor para perda de peso, mas também em reduzir diversos marcadores de risco cardiovascular em obesos. E ele está correto.
As calorias da gordura, que têm o menor impacto na secreção de insulina, promovem saciedade e utilização da energia, enquanto os carboidratos refinados em particular promovem acúmulo de gordura e fome.
Uma mensagem de saúde pública para baixar o colesterol como se isso fosse por si o propósito, pode também ter sido contra-produtiva.
Mais poderosa que aspirina
Não muitas pessoas sabem que durante os primeiros 14 anos do Estudo Cardíaco de Framingham – um estudo cardiovascular de longo prazo, ainda em andamento, com os residentes da cidade de mesmo nome em Massachusetts – que consagrou o colesterol alto como grande fator de risco para doença cardiovascular, para cada redução de 1mg/dl nos níveis de colesterol, houve um aumento de 14% nas mortes por complicações cardíacas, e 11% de aumento na mortalidade pelos próximos 18 anos em pessoas com mais de 50 anos.
O estudo do coração de Honolulu, publiscado na revista Lancet em 2001, revelou que naqueles com mais de 70 anos, um colesterol total alto estava inversamento associado ao risco de morte.
Uma re-análise de dados não-publicados no estudo do coração de Sidney também revelou que pacientes cardíacos que trocaram a manteiga por margarina feita de óleo de cártamo (rico em ômega-6) tiveram uma mortalidade aumentada, apesar da redução de 13% no colesterol total.
Como a professora de cardiologia da Universidade da Califórnia, Ridta Redberg, diz: "Colesterol é apenas um número de laboratório. Quem se importa com reduzir o colesterol, a menos que isso se traduza na prática em benefício para os pacientes ?"
Em comparação com a dieta low-fat recomendada pela AHA (Associação Americana de Cardiologia), adotar uma dieta mediterrânea após um infarto tem mais poder como salva-vidas do que tomar aspirina, estatinas ou usar stents coronários. Mas faz pouca diferença no colesterol total, triglicérides ou LDL entre os dois grupos. Os polifenóis e ácidos graxos ômega-3 abundantes no azeite de oliva, castanhas, legumes e peixes gordos são responsáveis por rapidamente reduzir a trombose e a inflamação.
O que muitos cientistas, médicos, escritores e políticos falham em reconhecer é que há muitos tipos de gordura saturada, com efeitos biológicos variados.
Dois estudos recentes do Conselho de Pesquisa Médica de Cambridge concluíram que o consumo de gorduras saturadas de laticínios, encontradas no iogurte e no queijo, estavam inversamente associadas com o dessenvolvimento de doença cardiovascular e diabetes tipo 2, enquanto os ácidos graxos saturados endogenamente produzidos que se correlacionam com o risco aumentado, são guiados pelo consumo de amido, açúcar e álcool.
Na palestra de encerramento da convenção, o Prof. Noakes deu uma resposta humilde, ainda que devastadora a alguns críticos que descreveram seu livro, "The real meal revolution" (N.T.: "A revolução da refeição de verdade", em tradução livre), como perigoso.
Mas o que faz Noakes, um homem com mais de 400 publicações científicas, ser mais notável, é a reviravolta completa do conselho dietético que ele mesmo promulgou pela maior parte de sua carreira ilustre: o de que atletas de resistência precisam se encher de carboidratos para aumentar a performance.
Talvez mais acadêmicos devessem considerar as palavras de Stephen Hawking, que orgulhosamente provou serem falsas as suas próprias teorias sobre a existência de buracos negros: "As pessoas são muito relutantes em abandonar uma teoria na qual investiram um monte de tempo ou esforço. Elas usualmente começam a questionar a precisão das observações. Se isso falhar, elas tendem a modificar a teoria para adequar-se. Eventualmente a teoria torna-se um edifício feio e cheio de rachaduras".
Enganados sobre o açúcar
Mais cedo nesta semana, o Diabetes UK (N.T.: organização inglesa para combate e educação sobre o diabetes) levantou preocupações sobre um aumento significativo nos casos de diabetes tipo 2 na última década e instou o NHS a melhorar o cuidado para pacientes e a concentrar-se em maiores esforços preventivos.
Apesar de o controle agressivo da glicose poder reduzir marginalmente o risco de complicações microvasculares, a detecção precoce através de testes de rotina ou tratamento médico não tem quaisquer impactos na redução dos desfechos de doença cardiovascular ou na melhoria da mortalidade por todas as causas.
Uma revisão crítica recente na revista Nutrition conclui que a restrição de carboidrato dietético é "a intervenção mais efetiva para reduzir todos aspectos da síndrome metabólica" e deveria ser a primeira abordagem no tratamento do diabetes. Uma dieta cetogênica (uma que tenha menos de 10% de calorias vindas de carboidratos) também resultou nas maiores reduções da HbA1C e no uso de medicamentos, com os benefícios ocorrendo mesmo sem perda de peso.
Mas quantos pacientes recebem explicitamente essa informação ?
E dado que o diabetes tipo 2 é uma condição relacionada a uma intolerância no metabolismo de carboidratos, é confuso o porque do Diabetes UK recomendar como parte de uma "dieta saudável balanceada" o consumo de muitos carboidratos amiláceos e quantidades modestas de comidas e bebidas açucaradas, incluindo bolos e biscoitos.
Por conseguinte, não é de surpreender que o público tenha tais percepções enganosas. Mesmo o conhecimento de muitos médicos sobre nutrição vem da TV e de revistas.
Financiamento tendencioso de pesquisa, publicações tendenciosas pela mídia e conflitos de interesse comerciais resultaram numa epidemia de médicos e pacientes mal-informados, na qual um exagero sobre os benefícios das intervenções médicas tirou a importância percebida de mudanças de estilo de vida – muito mais impactantes.
Para sermos verdadeiramente capazes de manter a sustentabilidade do NHS, os médicos precisam assumir uma perspectiva populacional mais ampla, de maneira que as responsabilidades extendam-se para além dos pacientes admitidos em hospitais, mas que também tenham uma responsabilidade para com a saúde de suas populações locais.
Reflita sobre as palavras do falecido Dr. Barnard: "Eu salvei as vidas de 150 pessoas através dos transplantes cardíacos. Se tivesse me focado em medicina preventiva mais cedo, teria salvado 150 milhões".
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