A recomendação nutricional que ignora a fome
Artigo traduzido por Roberta Monteiro. O original está aqui.
por Gary Taubes
por Gary Taubes
Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, pesquisadores da Universidade de Minnesota iniciaram uma experiência lendária na psicologia e na fisiologia da privação alimentar humana – e, assim, sobre a fome. Os indivíduos eram 36 pessoas conscientes, algumas magras, algumas não. Por 24 semanas, estes homens ficaram num estado de quase-fome, alimentados com pouco menos que 1.600 calorias ao dia com alimentos escolhidos para representar as áreas de alimentação européias: “pão integral, batatas, cereais e quantidades consideráveis de nabos e repolho” com “quantidades simbólicas” de carne e laticínios.
No tocante a dietas, se tornou o que os nutricionistas hoje considerariam uma "dieta de baixa caloria, muito pobre em gorduras", com somente 17% das calorias vindas da gordura.
O que aconteceu com estes homens é uma lição sobre nossa capacidade de lidar com a privação calórica, o que significa também que é uma lição a respeito das expectativas que nós podemos ter sobre a grande recomendação atual para a perda de peso, e particularmente do tipo que começa com “coma menos” e “restrinja a gordura”.
Os homens perderam uma média de 500g de gordura corporal por semana, nas primeiras 12 semanas, mas uma média de somente 100g por semana nas 12 semanas seguintes, apesar de a privação continuada. E esta não foi a única reação fisiológica. Suas extremidades ficaram inchadas; o cabelo caiu; as feridas se curavam lentamente. Sentiam frio continuamente; o metabolismo ficou lento.
O mais incômodo foram os efeitos psicológicos. Os homens ficaram deprimidos, letárgicos e irritáveis. Tiveram ataques de raiva. Perderam a libido. Pensavam obsessivamente em comida, dia e noite. Os pesquisadores de Minnesota chamaram isto de “neurose da quase-fome.” Quatro deles desenvolveram “neurose de caráter.” Dois tiveram colapsos, um com “choro, conversas sobre suicídio e ameaças de violência.” Ficou confinado à a ala psiquiátrica. A “deterioração de personalidade” de outro “culminou em duas tentativas de auto-mutilação.” Ele quase arrancou a ponta de um dedo e mais tarde cortou três deles com um machado.
Quando o período de fome imposta terminou, aos indivíduos foi permitido o “refeed.” No início, podiam comer mais calorias, mas em quantidades restritas. A um subgrupo, sob supervisão contínua, foi permitido então comer até a saciedade, o que era surpreendentemente difícil de atingir. Os homens consumiam as quantidades incríveis de comida, até 10 mil calorias por dia. Eles recuperaram o peso e a gordura com uma rapidez notável. Após 20 semanas de recuperação, ganharam uma média de 50% mais gordura corporal que tinham quando começaram – o que os pesquisadores chamaram de “obesidade pós-fome".
Implícito em muitas discussões sobre como é melhor perder o peso, está a suposição de que a fome, que é uma conseqüência da privação calórica, não é um problema. As organizações de saúde e do governo dizem ao obeso e a quem está com sobrepeso, que compõem agora mais de 2/3 da nossa população adulta, para fazerem o que os estudos fizeram: Coma menos, corte calorias.
Essa recomendação implica que a fome resultante vai ser um fardo facilmente suportável (nenhuma depressão, letargia, irritabilidade – nenhum ataque de raiva, por favor!). E suportável não apenas por 24 semanas, mas pela vida toda. A experiência de Minnesota nos diz que quando a quase-fome termina, o período de refeeding não vai terminar bem.
Essa questão sobre como fazer dieta, e como perder peso, esteve nos noticiários outra vez recentemente, quando um estudo foi publicado por pesquisadores do National Institutes of Health. Os pesquisadores confinaram seus indivíduos obesos (9 mulheres, 10 homens) a uma área do hospital e os colocaram então em dietas que se aproximavam da quase-fome, alimentando-os com uma média de pouco mais de 820 calorias a mais do que eles precisavam para manter seu peso. Uma média de aproximadamente 1.920 calorias por dia, mas uma dieta era composta de 29% de carboidratos e 50% de gordura (a dieta restrita em carboidrato) e a outra era composta de 71% de carboidratos e 8% de gordura (a dieta restrita em gordura).
Aos indivíduos foi requerido então seguir nestas dietas, sem uma caloria a mais ou a menos, por seis dias – não 24 semanas.
Um oficial do N.I.H. (National Institutes of Health) enalteceu o estudo como fornecendo “evidências valiosas sobre como tipos diferentes de calorias afetam o metabolismo e a composição corporal.” O Google News referenciou mais de 200 entradas sobre o estudo nos primeiros três dias após a publicação.
O que noticiaram as manchetes? Que os indivíduos perderam mais gorduras em dieta restritas em gordura do que restringindo o mesmo número de calorias de carboidratos. “Os cientistas (parte deles) iniciaram um debate sobre dietas low-carb versus dietas low-fat,” como o Washington Post colocou.
Mas o diabo nos estudos nutricionais está sempre no tipo de detalhes resumidos por sentenças como “parte deles”. Se a evidência era valiosa, como o N.I.H. reivindicou, depende de uma série de questões. A experiência de 6 dias é relevante sobre o que acontece em meses, anos ou pela vida toda? Há pouca razão de se pensar assim. Podem os seres humanos sobreviver (e se sim, por quanto tempo?) em uma dieta com 8% de gordura? A FAO (Organização de Alimentação e Agricultura, órgão da ONU) disse que 15% é o limite mais baixo. E então uma dieta com aproximadamente 30% de carboidratos é restrita o suficiente para ser considerada uma dieta low-carb – a dieta do N.I.H. tinha muffins de mirtilos no café da manhã, espaguete no almoço, e wraps no jantar.
Aqueles (como eu) que discutem publicamente que grãos refinados e açúcares causam obesidade acreditam que uma perda significativa de peso requer mudanças bem mais significativas na qualidade dos carboidratos consumidos (muito menos refinados) e na quantidade (menos de 20%, talvez menos de 10%).
E finalmente, e sobre a fome? Infligindo uma privação calórica por somente 6 dias, os pesquisadores parecem ter tomado uma decisão implícita de que a fome – a resposta biológica à privação calórica – é irrelevante para a maneira como devemos pensar sobre uma dieta de perda de peso. Que os indivíduos pudessem estar com mais fome em uma dieta que em outra, também não foi relatado.
A dieta low-fat do experimento do N.I.H. teve uma perda de gordura significativa (8% contra 17%) e somente 350 calorias a mais por dia que a dieta que os pesquisadores de Minnesota levou seus indivíduos conscientes ao ponto da neurose de caráter e de colapsos mentais. A dieta do N.I.H. tinha mais proteína também. Mas a história dos estudos nutricionais (e das populações humanas) sugere que a privação calórica é insustentável.
Que os seres humanos, ou qualquer outro organismo, vão perder peso se ficarem suficientemente com fome, nunca foi novidade. O truque, se isso existe, é encontrar um jeito de fazer isso sem passar fome, para que então a perda de peso pode ser mantida indefinidamente. Um ponto positivo para as dietas restritas em carboidratos é que você sempre pode comer até a saciedade; contar calorias é desnecessário enquanto os carboidratos forem evitados em sua maioria.
Mas essa recomendação traz um par de perguntas óbvias, ou pelo menos deveria: Se as pessoas em dietas low-carb comem menos (a explicação convencional para a perda de peso que se segue), por que não estão famintas? Onde está a neurose da quase-fome? E se não comem menos, por que perdem peso? Isso implica um mecanismo de perda de peso diferente da privação calórica e sugere que carboidratos e gorduras consumidos fazem diferença.
Perguntas como essa sobre a relação entre calorias, macronutrientes e fome assombraram as pesquisa sobre nutrição e obesidade desde os anos 1940. Mas raramente são feitas. Nós acreditamos de tal forma no racional de comermos menos e nos movermos mais, que (pelo menos os que somos magros) criticaremos implicitamente os obesos por suas falhas em sustentar um regime restrito em calorias, aparentemente sem nunca nos perguntar se qualquer um de nós poderia sustentá-lo também. Tenho um colega que passa sua carreira na pesquisa estudando a fome. Pedir às pessoas que comam menos, ele diz, é como pedir que respirem menos. Parece razoável, desde que você não espere que elas mantenham isso por um longo período.
Muito da pesquisa sobre a obesidade do século passado focou em elucidar as técnicas comportamentais que poderiam induzir aos obesos a comer menos, tolerar melhor a fome, e então, seguindo esta lógica, perder peso. A epidemia de obesidade sugere que isto é falho.
Para aqueles que acreditam que a fome de algum modo está na mente, ao invés de ser uma resposta biológica poderosa à privação calórica, é tentador desejar a eles o mesmo destino que a Deusa Ceres agraciou ao rei Erisícton das Tessálias, na mitologia grega. Ela “planejou uma punição que despertasse a piedade dos homens… o atormentou com uma fome funesta.” Erisícton então comeu tudo o que havia no castelo e no reino, e finalmente morreu, comendo “pouco a pouco, o seu próprio corpo.”
Comentários
Postar um comentário