Transtornos alimentares e dieta paleo
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.
por PaleoLeap
Comida, Cultura e Transtornos alimentares
Comida é um dos mais antigos meios de troca cultural entre humanos. Desde a Última Ceia até o encontro para jantar, comida é sinal de comunhão. Nós mostramos devoção religiosa jejuando; marcamos nossas celebrações com banquetes. Comida é mais que combustível; é uma das ferramentas que usamos para construir nossa cultura.
Infelizmente, você pode quebrar o braço de alguém com um martelo tão facilmente quanto você pode usar o martelo para bater um prego na madeira. Para uma pessoa com transtorno alimentar, comida não nutritiva. É destrutiva. Diversos tipos de transtornos alimentares já foram oficialmente reconhecidos. Anorexia é uma forma patológica de restrição calórica que pode deixar o paciente emaciado e desnutrido, e frequentemente com outros problemas médicos permanentes. Compulsão alimentar é o oposto: uma forma compulsiva de comer muito além das demandas da fome ou nutrição. Bulimia é caracterizada por ciclos de compulsão seguidos de expurgos por indução de vômitos ou superdoses de laxantes. Ortorexia pode parecer similar à anorexia, mas ao invés do foco compulsivo nas calorias, a ortorexia envolve uma preocupação auto-destrutiva com comer as comidas "certas".
Estas formas oficialmente diagnosticadas de transtornos alimentares não chegam nem perto de cobrir todas as varições de transtornos e relações insalubres com a comida. Como uma geração de pesquisadoras feministas apontou, a cultura alimentar americana vigente é um grande transtorno alimentar. O marketing agressivamente intrusivo e a disponibilidade constante de comida-lixo hiperpalatável colide com o ideal de magreza não apenas como padrão de beleza, mas como sinal de auto-controle e virtude moral. Mulheres em particular são educadas para sempre desejarem, e ainda assim lutarem para resistir: simplesmente assista comerciais de iogurte. Ao invés de uma ferramenta para construir relações huamnas e sustentar uma comunidade, a comida torna-se uma ferramenta para manter patologias sociais e estruturas de poder insalubres.
Transtornos alimentares e Dieta Paleo
Mas o que isso tem a ver com paleo ? Claro, a cultura alimentar americana padrão está transtornada – este é o motivo pelo qual nos recusamos a ser parte dela. Nós não demonizamos a gordura; nos a desfrutamos! Nós nos focamos em comer comidas não-processadas, nutritivas, e na prática desencorajamos a contagem de calorias. Magrelo pode ser o ideal vigente de beleza, mas paleo idealiza as beldades do Crossfit. Paleo não deveria ser a solução para os transtornos alimentares ?
Infelizmente, o panorama não é tão bonitinho assim. A dieta paleo interage com transtornos alimentares de duas maneiras. Primeiro, a dieta por si pode disparar a ortorexia ao alimentar uma obsessão insalubre com comer a comida "certa". Uma grande força da paleo é o foco em comer uma dieta otimizada, conforme determinado pela evidência científica – ao invés de pela conveniência, baixo preço ou senso comum. Mas com esse tipo de análise dos alimentos, "mais" frequentemente não é "melhor". A abordagem científica à comida pode às vezes sair de controle com uma obsessão por micronutrientes e medidas , que é totalmente fora de proporção com o benefício à saúde na prática: a minha proporção de ômega-3 para ômega-6 está otimizada até a terceira casa decimal ? Quantas gramas exatamente tem um abacate "médio", e preciso contar a casca ou não ? Especificamente em versões estritas de paleo como a Whole30, é muito fácil para a dieta consumir a sua vida ao ponto em que a sua dedicação ao "saudável" te faz mais mal que bem.
Um dos maiores desafios com a ortorexia é d eterminar o ponto a partir do qual o compromisso com a alimentação saudável torna-se compulsão e transtorno. Vencer a compulsão ocasional por sorvete não te faz ortoréxico. E auto-avaliações como esta são piores que inúteis: planejar a comida para o dia seguinte é perfeitamente normal. A linha é difícil de traçar. Transtornos alimentares são muito complicados de se diagnosticar com uma série de "checks", mas as questões abaixo podem te dar uma idéia do tipo de auto-reflexão a se começar: responder "sim" a mais de uma ou duas em geral deve te dar motivos para se preocupar.
- Quando você quebra suas próprias regras alimentares, você sente que falhou como pessoa ?
- Você atribui qualidades morais extremas à comida, especialmente qualidades negativas (por exemplo: “Farinha branca é má. Açúcar é demônio. Eu não preciso abusar do meu corpo com venenos desse tipo.”)
- Você fica nervoso em comer algo que outra pessoa cozinhou, mesmo que ela te diga os ingredientes usados ?
- Você frustra-se frequentemente porque a informação nutricional não é precisa o suficiente ?
- Você sente medo ou ódio de certas comidas (não das pessoas ou dos anunciantes ou da cultura que cerca as comidas, mas da comidas em si) ?
- Você perde sono preocupando-se com algo que comeu ou que está considerando comer ?
- Você consistentemente sente que precisa deixar sua dieta mais e mais estrita ?
A comida que você come não é uma medida do seu valor como ser humano: se o seu auto-valor está baseado na necessidade compulsiva de controlar cada miligrama de alimento da sua "dieta perfeita", você tem um problema.
Paleo em si pode disparar uma obsessão com a otimização da sua dieta, que pode tornar-se ortorexia. Mas a dieta paleo não existe em isolamento: uma força maior guiando o comportamento transtornado é a cultura alimentar tóxica do mundo moderno. A maioria das pessoas descobre paleo na idade adulta, após anos absovendo atitudes transtornadas em relação à comida, do meio cultural. E mesmo que você coma paleo, ainda tem que viver num mundo que não come, onde você absorve todo tipo de mensagem sobre comida, corpos e emoções do seu entorno – não importa o quanto "imune" à propaganda você possa achar que seja.
Esse dano emocional não desaparece magicamente com a primeira mordida de carne alimentada com pasto. Você pode se entupir de castanhas tão facilmente quanto de bolo de chocolate – mudar as comidas específicas que você come não vai te livrar das raízes psicológicas de um transtorno alimentar. E padrões de alimentação culturalmente transtornados podem ser especificamente exaustivos na dieta paleo, porque a luta para comer paleo num cultura alimentar hostil é por si emocionalmente desgastante. A restrição súbida de tantos alimentos pode ser percebida como privação aguda: "Eu não posso comer pizza, ou cerveja, ou pão, ou sorvete ou qualquer coisa que goste! Eu odeio isso!". isso pode levar a extremos: confrontado com a luta para aderir à paleo face a tentação, quem é que não sentiu a necessidade de demonizar a comida-lixo ? Açúcar é mau! É veneno! A dramatização faz com que você se sinta virtuoso por resistir, mas atribuir valores morais extremos a comida pode cair diretamente na ortorexia, porque faz com que tudo o que você come seja indicativo do quão boa ou má pessoa você é. Tomar tal atitude extrema e moralmente julgadora sobre comidas "boas" e "más" também pode exacerbar um transtorno de compulsão alimentar – conforme Geneen Roth aponta, compulsão e restrição são dois lados da mesma moeda. Para um anoréxico em recuperação, a restrição de certos tipos de alimentos pode disparar também a restrição de calorias.
Não é a dieta paleo em si que dispara tais problemas. É o esforço de manter a dieta paleo dentro de uma cultura mais ampla de transtorno alimentar (se o biscoito recheado não existisse, ninguém se sentiria mal por não poder comê-lo). Mas dado que a cultura permanece a mesma, a comunidade paleo ainda vai ter que lidar com seus efeitos.
Vivendo de maneira paleo, com transtorno alimentar
Transtornos alimentares (ou apenas atitudes desordenadas em relação à comida em geral) são difíceis de se conviver – mas não são impossíveis.
Se você tem um transtorno alimentar tão severo que deixou de menstruar ou tornou-se abaixo do peso a ponto de não poder participar de atividades normais, se você induz vômitos e vomita sangue, se você se fere ou tem pensamentos suicidas, ou se você está em qualquer outro risco extremo, largue o computador e ligue para um médico. Nesse instante. Você não consegue a ajuda que precisa de um estranho na internet.
Se os seus padrões de transtorno alimentar são menos extremos, você pode beneficiar-se de algumas ou todas as seguintes sugestões. Transtornos alimentares variam tanto que nenhum conselho é aplicável a todo mundo; assim como com outros aspectos da paleo, a única maneira de descobrir é fazer um teste consigo mesmo e tirar conclusões dos resultados.
Primeiro, se um conjunto arbitrário de regras como o Whole30 está te levando a uma relação insalubre com a comida, dê a si mesmo a permissão para parar. Isso não te faz um fraco; não faz de você uma falha. Pense nisso como tirar um dia de folga da malhação. Se estiver realmente na sua lista terminar o programa, ainda estará nela daqui a 6 meses. Isso não significa que você deva abandonar cada esforço para comer de maneira saudável e adotar uma dieta de McFlurry e nachos. Fique com o básico da paleo, e no lugar de qualquer conjunto de regras que você esteja abandonando, faça um compromisso consigo mesmo: você vai se permitir comer a comida de verdade que seu corpo precisa, sem medo ou auto-depreciação. Não restrinja suas escolhas alimentares além disso. Fruta é comida de verdade. Frutose não é o lobo mau da obesidade e diabetes, pronto a te destruir se você olhar de lado para uma banana. Você não falhou como ser humano porque comeu aquela caixa de uvas-passa. Quando você sentir a necessidade inevitável de começar a restringir-se a uma dieta ainda mais pura, lembre-se da sua decisão. Respire fundo e dê-se a opção de relaxar.
Enquanto restringir sua dieta de maneira insalubre possa disparar padrões alimentares, certas mudanças na dieta também podem ajudar a combater um transtorno. A gordura, em particular, é sua nova melhor amiga. Ela promove saciedade, te deixando menos susceptível a se entupir de comida, porque você não se sente restringido ou privado. Um desjejum rico em gordura pode ser de especial valor. A gordura também ajuda quando você quer combater uma compulsão: comer uma colher de óleo de coco ou de manteiga geralmente suprime o desejo.
Gordura não é útil apenas para comedores compulsivos: para anoréxicos em recuperação, ela pode ser uma grande maneira de colocar calorias suficientes para dentro sem ter aquela sensação ruim de "estufamento", quando se come mais do que o estômago está habituado a lidar. Dado que gordura tem mais calorias por grama que proteína ou carboidratos, você não precisa comer o mesmo volume físico de comida para obter calorias suficientes. Se a sensação de comer gordura animal te incomoda fisicamente, tente abacates ou castanhas, que tem uma textura completamente diferente.
Além de garatirem que comeram gordura suficiente, muitas pessoas em uma dieta muito pobre em carboidratos descobre que aumentar seus carboidratos melhora o seu humor e lhes dá mais energia. Se você tem problemas com compulsão por comidas ricas em carboidratos como pão ou massa, tente aumentar a sua ingestão de amidos paleo como batatas-doces: talvez o seu corpo simplesmente se dê melhor com uma dieta mais rica em carboidratos.
Macronutrientes não são o único fator dietário que pode afetar transtornos alimentares. Se você tem compulsões frequentes de se encher de comidas específicas, rastreie a sua alimentação por alguns dias para ter certeza de que está obtendo todos os micronutrientes necessários: às vezes, uma compulsão é a maneira do seu corpo te forçar a conseguir algo que ele precisa, e incorporar tal elemento na sua dieta regular pode ajudar. E sevocê estiver se recuperando de anorexia ou ortorexia, pode querer fazer fazer exames de sangue: o seu comportamento restritivo pode ter de deixado com importantes deficiências nutricionais. Uma vez que você conheça aquilo no qual é deficiente, pode ajustar a sua dieta para incluir níveis mais altos deste nutriente, ou tomar suplementos se necessário (apesar de que suplementos deveriam ser o plano alternativo, e não a escolha primária: obter nutrientes de uma dieta apropriada é sempre preferível a tomá-los sob forma de pílula).
Mudanças dietárias podem te ajudar a lidar com um transtorno alimentar, mas dado que padrões de alimentação insalubres dizem respeito à cultura alimentar, e não apenas ao alimento, você não consegue endereçá-los inteiramente sem atacar os aspectos mentais. O primeiro passo para isso é a auto-reflexão: o quê, no seu ambiente, dispara (ou disparou) os seus padrões de transtorno alimentar ? Algo simples como manter um diário nutricional pode produzir revelações surpreendentes – a cada vez que você comer, escreva o que comeu, em qual ambiente comeu (no carro, na sua mesa, no trabalho) e como se sentiu naquele momento. Você vai começar a ver padrões: certas pessoas ou situações que disparam o seu comportamento transtornado.
Uma vez que você comece a reconhecer os padrões, pergunte-se como você pode mudar seus hábitos para evitar os gatilhos em primeiro lugar. Se você sempre se entope de comida depois de um dia infernal no trabalho porque no caminho de casa tem AQUELA sorveteria e você não pode resistir quando está triste, então dirija para casa usando outro caminho. Se seus colegas gastam o horário de almoço contando as calorias dos seus talos de aipo, almoce em outro lugar. Se o PaleoHacks te faz começar a analisar cada mordida de comida, leia o jornal ao invés. Estresse e fadiga podem ser gatilhos por si, e por te desgastarem, fazem com que todos os outros gatilhos sejam mais difíceis de encarar: faça tudo o que for possível para cortar o estresse crônico da sua vida, e comprometa-se com noites de 8 horas de sono.
Se você não tem como se afastar dos seus gatilhos imediatamente, comece a fazer planos para o longo-prazo. E nesse meio-tempo, foque-se na redução de danos. Como é que você pode lidar com o gatilho de uma maneira mais saudável ? Algumas pesssoas usam um mantra; tente escrever para si mesmo uma afirmação de que você é forte e pode lidar com isso. Outros acham que ajuda redirecionar suas emoções para algo – um diário, uma ligação para um amigo, ou talvez um saco de pancadas. Se o gatilho cria uma necessidade emocional (punir-se, recompensar-se, distrair-se ou qualquer outra coisa), preencha-a. Mas preencha com algo que não seja comida.
Evitar gatilhos e redirecionar suas respostas para longe da comida pode ser incrivelmente difícil no início, mas eventualmente seus novos comportamentos tornam-se habituais – você aprende a responder a estas situações fazendo algo além de comer.
Possivelmente, o mais valioso de todos os recursos para lidar com um transtorno alimentar, é o apoio. Você não tem que passar por isso sozinho. Fale com alguém com quem sinta-se confortável. Apoio de alguém que te ama pode fazer toda a diferença do mundo, especialmente quando a caminhada fica difícil. E ela vai ficar difícil. Inevitavelmente, você vai tropeçar e terá que se recompor, só para tropeçar de novo. É muito mais fácil ficar de pé pela segunda (e terceira, e décima, e milhonésima) vez se você tiver alguém para te dar uma mão.
Ainda que você tenha o melhor planejamento e suporte do mundo, lidar com um transtorno alimentar é brutal. E nós vivemos circundados por uma cultura que os vende em anúncios de 15 metros de altura: você está nas trincheiras, sob bombardeio pesado, a cada minuto de cada dia. Mas um transtorno alimentar não tem que arruinar sua vida. Você será derrubado – tudo bem! Apenas não fique no chão. Você é mais forte que isso!
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