Metabolismo do açúcar, cetonas e tinnitus (zumbido)
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.
Eu sabia o que era tinnitus, mas não conhecia pelo nome... Caracteriza-se como um zumbido constante ou com interrupções, de volume variável, sem que haja uma causa externa. As estatítisticas americanas informam que:
- Há aproximadamente 50 milhões de casos no país (20% da população)
- 90% dos casos resultam em alguma perda auditiva
- 1 em cada 5 adolescentes tem tinnitus (bastante óbvio: 20% da população ;-)
- Mesmo as pessoas com casos mais leves tem uma chance 2x maior de desenvolver demência
Dito isso, perceba que é um artigo escrito por alguém que ainda crê na nutrição convencional: dá para notar pelo medo das gorduras saturadas. Também descreve a dieta cetogênica como "difícil de implementar". Quem pratica, sabe que não é bem assim...
De qualquer maneira é um texto bacana :-)
De qualquer maneira é um texto bacana :-)
por Barry Keate
Nota do autor: esta é uma reescrita de um artigo publicado em 2004, que incorpora novas informações sobre corpos cetônicos como fonte dietária de energia.
Tem havido discussão na comunidade científica por muitos anos sobre uma conexão entre as desordens do metabolismo do açúcar, tais como hiperinsulinemia e diabetes, e o zumbido. Um estudo detalhado da escola de medicina da UFRN, no Brasil, trouxe foco para conexão dietária. Foi publicado inicialmente no Jornal Internacional do Tinnitus em 2004 [1].
Uma discussão completa das desordens metabólicas que levam ao diabetes está além da minha área de conhecimento, e ainda está sendo pesquisada e debatida por cientistas. Por conseguinte eu simplifiquei e destilei o estudo em algo que fosse útil para mim, e com sorte, para os leitores desse blog.
O ouvido interno, assim como o cérebro, é completamente sem reserva energética. Seu metabolismo depende diretamente do suprimento de oxigênio e açúcar (glicose) fornecidos pelo sangue. Alterações no metabolismo da glicose portanto têm grande potencial para perturbar o funcionamento do ouvido interno. Os pesquisadores neste estudo referenciaram estudos prévios mostrando que entre 84 e 92% dos pacientes de tinnitus tinham uma desordem metabólica chamada hiperinsulinemia.
A hiperinsulinemia é uma elevaçãodos níveis de insulina na corrente sanguínea. É uma consequência direta de uma desordem metabólica chamada resistência à insulina. Esta é caracterizada por uma resposta biológica reduzida à insulina, a nível celular. A insulina torna-se menos eficaz em transferir a glicose do sangue para as células. O pâncreas então produz mais insulina para baixar os níveis de glicose no sangue (glicemia) e os níveis de insulina aumentam. A hiperinsulinemia é conhecida por estar relacionada à hipoglicemia e, à medida que progride, pode eventualmente levar ao diabetes tipo 2.
Há 3 testes padronizados para determinar a hiperinsulinemia. Todos eles envolvem a ingestão de 100mg de glicose pura pelo paciente, em uma solução com água, e o monitoramento dos níveis de insulina no sangue durante um período de tempo. O primeiro teste é a insulinemia em jejum, o segundo é um teste de 2 horas e o terceiro é um teste de 5 horas que mede e toma a média dos níveis de insulina a cada hora. Já se demonstrou que o teste de insulinemia em jejum tem uma precisão de 10% para diagnosticar hiperinsulinemia. O teste de 2 horas tem uma precisão de 89%, e o de 5 horas tem precisão de 99% em diagnosticar esse distúrbio metabólico.
A hiperinsulinemia e o diabetes tipo 2 podem ser mais frequentemente controlados através da dieta e do exercício. Este fato levou os pesquisadores a embarcarem num teste clínico para descobrir se o controle dietário da hiperinsulinemia teria algum efeito no zumbido dos pacientes.
Eles alistaram 80 pacientes de tinnitus que também tinham sido diagnosticados com hiperinsulinemia, para o estudo. Puseram os 80 em uma dieta projetada para restaurar os níveis de insulina normais, por um mínimo de 2 anos. Os pacientes foram orientados a comer a cada 3 horas para evitar hipoglicemia; a evitar açúcares refinados e carboidratos simples; a restringir sua ingestão de comidas gordurosas, especialmente gorduras saturadas e hidrogenadas; a tomar não mais de 2 xícaras de café por dia; a limitar a ingestão de bebidas alcoólicas e a tomar de 4 a 6 copos de água por dia.
Os resultados do estudo são bastante notáveis. Os pequisadores descobriram que, dos 80 pacientes alistados, 59 seguiram a dieta por um mínimo de 2 anos e 21 desistiram. Nos pacientes que seguiram a dieta, a melhora do tinnitus foi 5 vezes maior que naqueles que não a seguiram. Especificamente, dos que aderiram à dieta, 24% não tiveram melhora alguma, 22% tiveram alguma melhora, 39% tiveram melhora significativa e 15% tiveram seu tinnitus curado: ele desapareceu completamente. Mais de 50% dos pacientes que aderiram à dieta tiveram melhora ou resolução completa.
Dos que não aderiram à dieta, 86% não tiveram melhora, 0% tiveram alguma melhora, 14% tiveram melhora significativa e 0% tiveram resolução. No geral, dos que aderiram à dieta, 76% tiveram melhora que variou de moderada à eliminação completa, enquanto nos que não aderiram, 14% tiveram melhora.
Os pesquisadores continuaram, afirmando que as desordens do metabolismo do açúcar são uma das causas prováveis da doença de Meniere (hidropsia coclear), bem como do tinnitus. Eles disseram que enquanto o tinnitus pode ser controlado com dieta e exercício, a tontura é o sintoma que mais diminui com o controle metabólico.
Eles concluem pedindo aos médicos que tratam pacientes de tinnitus investigando-os em busca de desordens metabólicas, usando as curvas insulinêmicas e glicêmicas de 5 horas, e instando seus pacientes que têm tais desordens a ajustar suas dietas e estilos de vida para controlar os níveis de insulina – e assim reduzindo os sintomas de hidropsia coclear e tinnitus.
O pesquisador Michael Seidman, renomada autoridade em tinnitus, tem há tempos advogado pelo exercício e restrições na dieta para aqeules com tinnitus. O Dr. Seidman afirma: "É imperativo que pessoas com tinnitus adotem uma boa dieta baseada em todos os grupos alimentares, e que reduzam ou eliminem o uso de cafeína, nicotina, álcool, comidas gordurosas, sal e açúcares simples (tais como carboidratos refinados)".
Dieta e cetonas
Muita da informação na seção a seguir vem do livro revolucionário da Dra. Mary Newport, chamado "Doença de alzheimer: E se houvesse uma cura ? A história das cetonas" [2].
Afirmamos antes que o metabolismo cerebral e do ouvido interno dependia inteiramente de oxigênio e glicose para obtenção de energia. Isso não é inteiramente verdade, como estamos prestes a ver.
Quando comemos algo que contém carboidrato (açúcar), ele é quebrado em moléculas de glicose, e isso sinaliza ao pâncreas para liberar o hormônio insulina. A insulina precisa ligar-se ao receptor de insulina na célula, para permitir que a glicose atravesse a membrana celular. Uma vez dentro da célula, a glicose entra na mitocôndria onde é convertida na molécula energética adenosina trifosfato (ATP). Esta é a molécula usada pelo corpo inteiro como fonte de energia.
Mas o que acontece quando ficamos longos períodos de tempo sem comida ? Nossos corpos só são capazes de armazenar glicose suficiente para 48h, no fígado. Depois disso, ele começa a converter músculo em glicose. Este processo pode durar por até 40 dias, mas depois de cerca de 2 semanas nós teríamos consumido tanto músculo que a sobrevivência não seria possível.
O que acontece é que o corpo começa a usar sua gordura armazenada como combustível. Triglicérides são a principal forma de armazenamento de gorduras. Estes são convertidos em ácidos graxos, e então em moléculas conhecidas como corpos cetônicos ou cetonas. As cetonas podem ser usadas como combustível pelas células, substituindo a glicose, e ainda tem a vantagem de que não precisam de insulina para atravessar a membrana celular. As cetonas podem ser usadas pelo cérebro, o coração e os músculos e ajudar as pessoas a ficarem vivas durante períodos de fome.
A tremenda vantagem de usar cetonas ao invés de glicose como combustível para o corpo, é que elas descartam a necessidade de insulina e restoram a glicemia a níveis baixos e saudáveis, sem sobrecarregar o pâncreas!
Quando fazemos jejum durante o sono, uma pequena quantidade de cetonas é fabricada, mas assim que comemos um café-da-manhã típico, elas desaparecem. Se continuarmo o jejum por 2 ou mais dias, os níveis de cetonas são significativamente aumentados.
As cetonas podem ser produzidas no corpo por exercício e por dieta. A dieta cetogênica é o campo mais fascinante da pesquisa em nutrição sendo conduzida pela medicina atualmente. Ela tem possibilidades terapêuticas em uma ampla gama de distúrbios neurológicos que incluem Alzheimer, epilepsia, enxaqueca, Parkinson, câncer cerebral, autismo e esclerose múltipla [3].
Conforme a Dra. Newport aponta em seu livro, a doença de Alzheimer está sendo cada vez mais reconhecida como uma condição metabólica de um metabolismo de açúcar ruim no cérebro. A insulina é necessária para permitir que a glicose entre nas células para produzir ATP. Entretanto, a insulina não pode cruzar a barreira hematoencefálica para entrar no cérebro.
Até 2005, era comumente aceito que a insulina só era produzida no pâncreas. Então foi descoberto que o cérebro produz sua própria insulina. Um novo corpo de evidências está sendo desenvolvido, mostrando que a resistência à insulina ou uma deficiência de insulina no cérebro são responsáveis por deficiência cognitiva e doença de Alzheimer. Pesquisadores referem-se comumente ao Alzheimer como "diabetes tipo 3". Assim sendo, uma dieta cetogênica é uma terapia promissora para reduzir a resistência à insulina no cérebro e evitar deterioração pela doença.
O Dr. Dominic D'Agostino é um dos pesquisadores de ponta sobre os usos da dieta cetogênica para tratar doenças. Ele discute como todas as células são movidas a glicose. Quando a glicose não está disponível, as células tem a habilidade de mudarem para um combustível alternativo, as cetonas. Exceto pelas células do câncer. Elas tem um defeito que não lhse permite fazer a mudança. Então ao usar uma dieta cetogênica, as células cancerosas são seletivamente mortas de fome. "Eu acho absolutamente incrível como só agora a ciência médica esteja descobrindo isso", diz ele [4]. (N.T.: pesquisas nesse sentido ainda são incipientes. Não há evidências conclusivas de que uma dieta cetogênica possa ser usada com eficácia para tratar o câncer).
E, para voltar à origem do artigo, já foi mostrado que uma dieta cetogênica é eficaz para melhorar o metabolismo do açúcar e reduzir a necessidade de medicação em pacientes com diabetes tipo 2 [5].
Restrições da dieta cetogênica
A dieta cetogênica pura é muito restritiva e difícil de seguir. Ela reza que 80% das calorias precisam vir de ácidos graxos saudáveis de cadeia média, tais como aqueles encontrados em óleo de coco e de dendê. Apenas 20% das calorias podem vir combinadamente dos carboidratos e proteína. Esta dieta vai levar a um aumento dramático nos corpos cetônicos e a um decréscimo na glicose e insulina.
Quando uma pessoa come comidas que contém ácidos graxos de cadeia média, eles são absorvidos pelo intestino delgado e transportados diretamente ao fígado, onde são parcialmente convertidos em cetonas e liberados na corrente sanguínea.
Os óleos normalmente consumidos nos EUA, tais como soja, canola, milho, amendoim, gergelim e oliva, não contêm qualquer ácido graxo de cadeia média. Algumas comidas que os contêm são leite de cabra, leite de vaca integral, manteiga, creme de leite, queijo de cabra e queijo feta. Estes não tem nem de perto as concentrações encontradas em óleo de coco e dendê, que contêm entre 55 e 60% de ácidos graxos de cadeia média.
Estas são gorduras saturadas, mas não comportam-se da mesma maneira, dentro do nosso corpo, que as gordudas saturadas de cadeia longa com as quais os doutores se preocupam. Elas são muito mais saudáveis que as gorduras saturadas de cadeia longa e as gorduras hidrogenadas.
As Dieta Atkins e South Beach são ambas derivadas da dieta cetogênica, não são tão rigorosas e mais fáceis de seguir. A Dieta Atkins permite quantidades ilimitadas de proteína – entretanto, e isso de certa forma vai contra o propósito da dieta [cetogênica], já que proteína pode ser convertida em glicose.
A Dieta South Beach permite mais carboidratos, mas tenta concentrar-se nos bons carboidratos – que tomam mais tempo para serem digeridos – e não usa carboidratos simples. Ambas as dietas podem produzir cetonas em pequenas quantidades, mas ainda assim são úteis para muitas desordens do metabolismo do açúcar.
Uma palvra sobre cetose: quando os doutores preocupam-se sobre possíveis perigos de aumentar os níveis de cetonas, eles estão pensando em cetoacidose diabética – uma condição que potencialmente ameaça a vida, e que acontece em algumas pessoas com diabetes tipo 1. Os níveis de cetonas tornam-se perigosamente altos, chegando a 5-10 vezes mais altos que a situação de fome ou da dieta cetogênica clássica. Os níveis de cetonas são 50 vezes mais altos na cetoacidose diabética do que após consumir uma grande quantidade (20g) de óleo contendo triglicerídeos de cadeia média (MCT).
Há muitos livros de receitas para dieta cetogênica na internet. Óleo de coco e MCT estão disponíveis para venda online e na maioria das lojas de alimentação saudável.
Então, deixe de lado os salgadinhos, limite o pão branco, largue o sorvete e vá caminhar. Coma mais legumes e frutas, e evite tanto quanto possível as comidas processadas – que são frequentemente ricas em gordura saturada e sal. Se você tem um caso de tinnitus particularmente pertubador, consulte seu médico sobre possíveis distúrbios metabólicos e investigue se uma dieta cetogênica pode ajudar.
Referências
- Lavinsky L, Oliveira MW, Bassanesi HJ, D’Avila C. Lavinsky M. “Hyperinsulinemia and tinnitus: a historical cohort.” Int. Tinnitus J. 2004;10(1):24-30.
- Mary Newport, MD. “Alzheimer’s Disease: What if There Was a Cure? The Story of Ketones.” Copyright 2011. Basic Health Publications, Inc. Laguna Beach, CA
- Stafstrom CE, Rho JM. “The Ketogenic Diet as a Treatment Paradigm for Divers Neurological Disorders.” Front Pharmacol. 2012, 3:59.
- Starving Cancer: Ketogenic Diet a Key to Recovery Friday, June 21, 2013.
- Yancy YS Jr, Foy M, et. al. “A low-carbohydrate, ketogenic diet to treat type 2 diabetes.” Nutr. Metab. (Lond). 2005; 2:34.
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