Cetose e função menstrual: um canário-de-mina ?
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.
N.T.: Canários-de-mina eram pássaros levados para dentro das minas de carvão, em tempos passados. Como nessas minas, não raro faltava oxigênio, um canário morto era sinal de que os trabalhadores deviam ser evacuados rapidamente...
por Amber Rogers
Na década de 1920, pesquisadores da Clínica Mayo usaram uma dieta cetogênica para tratar adultos publicou um artigo detalhando suas descobertas com os primeiros 100 pacientes. Entre outras coisas, Barborka notou que 20% das mulheres envolvidas no estudo experimentaram a interrupção completa da menstruação durante o tratamento, e que não retornou até que uma dieta normal fosse retomada. Ele reportou apenas a amenorréia, mas dadas pesquisas mais modernas no assunto, podemos especular razoavelmente que muitas outras mulheres passaram por irregularidades que chegaram próximas à interrupção total. As sujeitas comiam um número apropriado de calorias para manter o peso, então perda de peso não foi uma variável aqui. Ele especula que pode ter sido relacionado a deficiências de vitaminas E ou E, mas não faz explicações claras. (Note que isso foi muitas décadas antes da descoberta da leptina e do seu papel na regulação hormonal).
com epilepsia idiopática. Em 1930, o Dr. Clifford Barborka
com epilepsia idiopática. Em 1930, o Dr. Clifford Barborka
Em 2003, pesquisadores publicaram seu estudo retrospectivo de 45 adolescentes com idades entre 12-19 anos, cuja epilepsia foi tratada com dieta cetogênica ao longo de 8 anos. Eles notaram que 45% das garotas envolvidas no estudo reportaram irregularidades menstruais, a maioria das quais (2/3) sofreram interrupção completa da menstruação (o 1/3 restante reportou puberdade atrasada ou irregularidade menstrual). A maioria retomou a menstruação após o término da dieta. 2 foram tratadas com terapia hormonal para induzir e regular a menstruação. A maioria das garotas não perdeu peso com a dieta, então novamente, perda de peso não foi uma variável na maioria dos casos. Os pesquisadores especularam que:
A dieta pode imitar os efeitos colaterais sobre a menstruação vistos em condições de fome e em certas atletas
Em 1999, um grupo de pesquisadors publicou uma revisão de um pequeno grupo (9 mulheres, 2 homens) de adultos saudáveis tratados com dieta cetogênica para epilepsia. Das 9 mulheres envolvidas, 100% teve irregularidade menstrual. Apesar de 5 dos 11 sujeitos terem inicialmente reportado perda de peso com a dieta, as calorias foram aumentadas para controlar isso – então novamente, a perda de peso não foi uma variável na maioria dos casos. Dos pesquisadores:
Todas as pacientes reportaram irregularidades menstruais. Isso não é incomum, considerando que tais irregularidades são reportadas em outros estados ricos em corpos cetônicos, como a fome extrema.
O gráfico menstrual da minha amiga Batty antes (esquerda) e depois (direita)
de experimentar com restrição dietária. Clique na imagem para ler a história dela.
Como os pesquisadores notaram, há alguma razão para se especular que o corpo humano responde à restrição de carboidratos de maneira similar à que ele responde à fome. Certamente a ciência já mostrou os níveis de leptina são sensíveis tanto à restrição calórica (1) quanto à restrição de carboidratos (2, 3, 4) e que mulheres experimentam um declínio de leptina maior que os homens em resposta à restrição dietária e perda de peso (5, 6). Mais e mais pesquisa está indicando que a leptina é um mediador endócrino importante, agindo nos eixos pituitário, adrenal, tireoidiano e gonadal, bem como tendo papel na formação de ossos (7, 8). Outro efeito colateral bem-documentado tanto das dietas cetogênicas quanto da fome é a desmineralização óssea (9, 10, 11, 12). A fome e a restrição de carboidratos também podem produzir redução na função tireoidiana (13, e leia a exploração do Anthony Colpo sobre a influência da restrição de carboidratos sobre a função tireoidiana aqui).
Eu já trabalhei com muitas mulheres que lidavam com disfunção tireoidiane e reprodutiva, e que também tinham uma história de restrição dietária em busca do ideal estético. Minha experiência, associada à ciência que tenho visto, me leva a uma abordagem muito cautelosa da restrição dietária em todas as suas formas, com ênfase na promoção do consumo de uma variedade tão rica de calorias e macronutrientes quanto possível, enquanto se permite a manutenção de um peso saudável. Acho que nossa cultura adotou uma visão míope da saúde, fixada na perda de peso e de gordura, enquanto tende a ignorar outros marcadores de saúde importantes. A maioria dos estudos contemporâneos sobre restrição extrema de calorias e macronutrientes são de curto-prazo, focados apenas em uns poucos parâmetros metabólicos (dinâmica da insulina e da glicose e perda de peso, com mais frequência) e/ou são focadas em homens – e vejo muito pouca atenção dada à dinâmica da leptina, saúde tireoidiana e função menstrual na literatura. O melhor uso para dietas altamente restritivas está no tratamento das doenças que elas foram desenvolvidas para tratar, e sob a supervisão de um profissional médico qualificado. Para pessoas em geral saudáveis, uma abordagem mais modesta, ainda que mais lenta, é provavelmente a mais prudente.
O que fazer, entretanto, se você já está experimentando sintomas de adaptação endócrina à fome? Primeiramente, você pode ter um distúrbio alimentar, e ainda que não tenha, provavelmente ainda vai ter que lidar com questões associadas à reabilitação de distúrbios alimentares à medida que trabalhar para sair desse quadro. Encontrar um profissional com experiência em distúrbios alimentares provavelmente será muito benéfico, ainda que seja apenas porque eles podem te dar uma idéia do que esperar à medida que seu corpo se recupera. Peça a seu médico a referência de um endocrinologista, se possível. Coma! Você devia estar comendo no mínimo tantas calorias quanto o seu corpo gasta diariamente. Se você tem histórico de comer menos que o necessário, pode tentar manter um registro da sua ingestão calorica para garantir que ela está adequada às suas necessidades energéticas. Carboidratos são úteis em levantar os níveis de leptina, então não os restrinja a menos que você tenha uma razão médica para fazer e seja monitorada por um profissional médico. Priorize o sono. Peça ajuda. Você não está sozinha.
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