Vitaminas - Como as pessoas vieram a crer no mito de que suplementos alimentares podem transformá-las em uma versão melhorada de si mesmas

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

O título original do artigo, "Vitamin B.S." é um trocadilho: B. S. é uma sigla para "bullshit", que em uma tradução não-literal significa "baboseira, balela, papo-furado". Eu pensei em usar "Vitamina B" (de "balela"), mas achei que ia ficar confuso já que há uma vitamina B...


por Cari Romm



Em 1941, o Presidente Franklin Delano Roosevelt convocou centenas de cientistas, médicos e fabricantes de alimento a Washington para discutir uma arma que ajudaria a os EUA a vencer a II Guerra Mundial: vitaminas.

"Havia essa idéia de 'otimização': 'O que precisamos fazer para otimizar a saúde dos americanos, para garantir que tenhamos energia e vigor suficientes para nos fazer atravessar a guerra ?'", disse Catherine Pride, a autora de Vitamania: Nossa busca obsessiva pela perfeição nutricional. "Havia todos esses rumores de que os nazistas estavam restringindo as vitaminas nas comidas dos povos conquistados e dando a seus jovens suplementos alimentares e basicamente construindo uma 'raça superior' através das vitaminas".

Três idéias emergiram da Conferência Nacional de Nutrição para a Defesa, que existem até hoje. Uma foi a criação dos Valores Diários Recomendados, o primeiro conjunto de diretrizes para a quantidade de nutrientes que uma pessoa deve consumir. Outra foi a prática de enriquecer a farinha com vitaminas e minerais – particularmente, disse Price, com tiamina (vitamina B1): "Havia uma grande tendência à tiamina, a idéia de que todo americano era deficiente em tiamina e 'Oh meu Deus, se não colocarmos tiamina na farinha, não seremos capazes de combater os nazistas'".

A terceira idéia não era nova, e não nasceu da conferência embora tenha sido fortalecida por ela: a noção de que vitaminas eram a chave não apenas para a saúde, mas para um estado de saúde superior, com a habilidade de projetar os corpos para além da doença, além da saúde e em direção a algo ainda melhor. Em anos recentes, pesquisadores desmentiram, vez após outra, a idéia de que suplementos vitamínicos conferem qualquer benefício mensurável – mas ainda assim, cerca de metade dos americanos as tomam regularmente. Junto com outros suplementos dietários, elas desfrutam de uma reputação de poder nutricional que se extende muito além de suas capacidades reais.

"No caso da religião, colocamos nossa fé em deuses. E na nutrição, temos as vitaminas", Price escreveu em seu livro. "Apesar do fato de que quase a metade de nós toma vitaminas sob forma de pílulas, quase nenhum de nós pára para pensar no motivo de – entre todos os milhares de substâncias químicas que compõem o alimento – nós reverenciamos esses 13 em particular". Abaixo está uma transcrição levemente editada da nossa conversa sobre a história, o mito e o poder das vitaminas.

Cari Romm: O que é uma vitamina, e como ela se difere de um suplemento dietário ?

Catherine Price: Na prática só há 13 vitaminas humanas: A, D, E, K, C e as oito vitaminas B. Mas quando usamos a palavra "vitamina" na nossa fala diária, tendemos a colocá-las junto com outros suplementos alimentares que se pode consumir – coisas como óleo de peixe e todos os fitoterápicos que você consegue achar na farmácia.

Em termos de definição química de vitaminas, na prática não existe nenhuma. A maioria das 13 foi descoberta mais ou menos na mesma época, e a palavra foi cunhada antes de qualquer uma dela ter sido isolada. Acabou que a palavra é tão bacana que "pegou", mesmo depois que os cientistas descobriram que as vitaminas não pertenciam todas à mesma família química. Mas em geral, é uma substância que você precisa em quantidades extremamente pequenas, geralmente vindas da sua dieta, que previnem uma deficiência específica.

Romm: Se elas não são quimicamente unidas, o que é que agrupa as vitaminas ?

Price: Um bocado disso é a história. Elas foram descobertas por causa de doenças deficitárias – coisas como escorbuto, que uma deficiência de vitamina C, ou raquitismo, deficiência de vitamina D. Ou beriberi, que nenhum de nós sabe o que é atualmente, mas que era horrível – deficiência de vitamina B1. E pelagra, que é deficiência de niacina (B3). Então elas foram descobertas através desse processo de reconhecer a idéia de uma doença da deficiência. E isso foi realmente revolucionário, porque foi pensamento de que você pod eficar doente por algo que você não tem, o oposto de um germe. Assim os cientistas começaram a hipotetizar no início do século XX que havia um grupo de compostos químicos na comida que prevenia tais doenças. Em 1911, um bioquímico polonês chamado Casimir Funk sugeriu que eles poderiam ser chamados de 'vitaminas'. Foi mais ou menos assim que o conceito estabeleceu-se e a palavra foi criada, e o motivo de serem agrupadas. Foi apenas após essse ponto que descobriu-se o que as substâncias eram de fato.

Romm: Então como as vitaminas saíram da esfera da ciência para algo com o qual os consumidores preocupam-se ?

Price: A primeira vitamina a ser isolada foi a tiamina (B1), em 1926. As pessoas suspeitavam que havia vitaminas, mas nunca haviam separado inteiramente uma delas da comida. Mas o que é realmente fascinante é que já nas décadas de 1910 e no início dos anos 1920, os marketeiros da comida começaram a se apropriar do termo vitamina como uma palavra "forte". Ela era inspirada pela palavra do latim significando "vida" (vita) e "amina", que era a estrutura química que os cientistas acreditavam que todas as vitaminas teriam – e nem todas têm. Então, o nome original era "vitamine", e o "e" foi removido mais tarde quando tornou-se claro que nem todas elas eram aminas (N.T.: em inglês, a palavra atual é escrita como "vitamin").

Os marketeiros reconheceram que o termo era brilhante, e passaram a usá-lo para vender seus produtos. O que era particularmente chamativo a respeito dela é que você tinha esses compostos invisíveis que os cientistas descobriam a cada dia, e que precisávamos para nos manter vivos. Mas ninguém sabia como medi-los na comida, e você não podia vê-los. Desta maneira, você podia fazer marketing à vontade e ninguém teria como te desmentir. As vitaminas tornaram-se uma idéia de marketing incrivelmente útil.

Romm: As vitaminas eram vendidas mais por seus benefícios à saúde, ou em termos do que aconteceria se as pessoas não ingerissem o suficiente delas ?

Price: Na prática, as duas coisas. Por um lado, você tinha os anunciantes te alertando sobre o que aconteceria se você tivesse deficiência. Alguns dos primeiros pesquisadores escreviam para publicações populares, e produziam colunas apavorantes sobre como os seus dentes iriam cair se você não comesse vitamina C – o que é verdade, mas a maioria dos americanos não tem escorbuto. Essa é uma deficiência extrema. Então muito disso era apenas disseminação de medo, e eu acho fascinante porque ainda vemos a mesma coisa atualmente, o tempo todo. E então surgiu esse outro lado, no qual a idéia da "otimização" começou a ganhar força – se as vitaminas eram necessárias em pequena quantidade para prevenir uma deficiência, então se você tomasse muitas, seria um super-herói. Então sim, faziam as duas coisas. Vitaminas, mais que qualquer outro químico dietário, realmente estabeleceram esse relacionamento duplo no qual somos levados pelo medo e pela esperança de que nos tornemos super-humanos, que podemos otimizar a nós mesmos se simplesmente comermos as coisas certas.

Romm: Então como é que "vitamina" tornou-se sinônimo de "saudável" ?

Price: Eu acho que isso começou cedo. A palavra por si já tem essa aura – ela significa "vida", mas saúde e vida geralmente andam juntas. Então creio que esta é a razão de ter sido tão chamativa aos marketeiros de comida: a palavra já tinha essa conotação para começo de conversa. Mesmo o Casimir Funk, o sujeito que criou a palavra, achou que ela era brilhante. Ele gostava muito da própria criação. E o que acho realmente engraçado é que se você considerar algumas das outras sugestões da época – as pessoas diziam "Ah, não devemos chamá-las de vitaminas, e sim de hormônios alimentares ou fatores alimentares acessórios". É muito engraçado pensar como a nossa atitude em relação a esses 13 químicos dietários não-aparentados seria diferente se nós os chamássemos de "fatores alimentares acessórios". Você nunca teria campanhas publicitárias ou pais insistindo que seus filhos tomassem seus fatores alimentares acessórios. Simplesmente não iria ter apelo.

Romm: Quando as companhias deixaram de propagandear o conteúdo natural dos seus alimentos e passaram a anunciar como eles tinham fortificado a comida ?

Price: Bem, você não poderia fortificar até que tivesse a habilidade de produzir vitaminas sintéticas que pudesse adicionar à comida. Fortificação significa adicionar vitaminas além das que já existem no alimento, ou adicionar micronutrientes que não estavam lá originalmente. Por exemplo, a vitamina D que você encontra no leite atualmente é uma adição sintética que começou nos anos 1920 e 30. Foi nessa época que passou a ser possível adicionar vitaminas a produtos e usar isso como propaganda adicional. 

Romm: A capacidade de adicionar vitaminas mudou a maneira como os americanos pensavam sobre sua comida ?

Price: Eu acho que sim. Ela tornou possível escoar produtos realmente insalubres como nutricionalmente completos ou benéficos. E por volta da mesma época em que toda a agitação sobre as vitaminas estava acontecendo, havia a expansão da indústria moderna de alimentos processados, e o desenvolvimento do supermercado moderno, que requeria ter produtos de longa vida que pudessem ser transportados pelo país afora. O difícil é aumentar a validade requer um bocado de refinamento e processamento, e destroi um bocado das vitaminas e micronutrientes naturais de um alimento. Então a menos que você tenha uma maneira de adicioná-los de volta, não vai ser capaz de ter tais alimentos como base da dieta de uma população. É meio louco pensar que se não tivéssemos essas vitaminas sintéticas, os americanos estariam em risco de coisas como escorbuto ou raquitismo, mas na prática é verdade. Houve um estudo de 2011 no Jornal de Nutrição que descobriu que uma percentagem significativa das vitaminas dos americanos vêm de fontes sintéticas.

Romm: Quando é que as vitaminas deram o salto de "algo que você obtém pela comida" para "algo que você pode tomar como pílula" ?

Price: Foi também nos anos 30. Uma vez que tornou-se possível fazer versões sintéticas das vitaminas e medi-las, então começou a popularizar-se a idéia da suplementação: vitaminas como pílulas ao invés das comidas que as continham.

Romm: Então a popularidade dos suplementos dietários está amarrada ao aumento da popularidade das vitaminas ?

Price: Creio que estão profundamente conectadas. Quando a indústria dos suplementos dietários realmente começou a se firmar nos anos 1960 e 70, passaram a usar a palavra "vitamina" junto ao público para descrever seus produtos. E aquela palavra, a maneira como a usavam, representava muito mais que simplesmente vitaminas. Ela veio eventualmente a representar qualquer substância que você pode usar como pílula para suplementar sua dieta. A indústria dos suplementos conseguiu lançar uma campanha enormemente bem-sucedida nos anos 1990, quando a FDA estava tentando impor novas regras para regulamentação, e o tema era "Não deixe o governo tirar as suas vitaminas". Eles não estavam falando sobre vitaminas – falavam sobre todos os fitoterápicos, aminoácidos e todas aquelas outras coisas. Mas acho que serem associadas com esse halo das vitaminas realmente afetou a maneira como os suplementos são regulamentados. Elas deram essa aura de saúde e seguranção a outras substâncias que não são vitaminas, e nos fizeram tomar a sua segurança como verdade sem fazer questionamentos mais sérios.

Romm: Por que as vitaminas e suplementos dietários são regulamentados de maneira diferente dos alimentos e fármacos ?

Price: Esta é uma longa história, mas em parte porque essa grande indústria fez força para retratá-las como totalmente seguras. Uma lei foi aprovada em 1994, chamada de Ato da Educação e Saúde Dietárias, que separou a maneira como os suplementos são regulamentados da maneira como a comida e medicamentos (de uso livre ou não) são regulamentados. Para medicamentos de uso livre ou não, você precisa provar a segurança e eficácia antes que possa vender. Para suplementos, não há tal requisito. E o argumento foi parcialmente que "uma vez que as vitaminas estão nos alimentos, vitaminas deveriam ser regulamentadas como a comida" – que tem padrões mais baixos de prova antes da venda. Mas gingko biloba, erva-de-são-joão, pós para fisiculturistas  e coisas do tipo não são vitaminas, e então isso parece estranho – ao menos para mim – que estes produtos que não são vitaminas devam ser regulados como comida, ou quase mais fracamente do que comida – que é como o nosso sistema atual funciona.

Romm: O quanto essa reverência às vitaminas é legítima ? Quanto elas podem fazer de verdade para nos manter saudáveis, ou mais que saudáveis ?

Price: Na base de tudo, nós precisamos das 13 vitaminas. Se você não consumir o suficiente delas, você morrerá de maneiras bem horripilantes. Escorbuto é uma doença horrível. Ela impede que o seu corpo produza colágeno, que é o tecido conectivo que mantém o seu corpo íntegro, então você meio que "cai aos pedaços" de dentro para fora – seus dentes caem, suas conexões se afrouxam, você tem hemorragia e morre. Então acredito que é importante não perer de vista o fato de que nós precisamos de vitaminas. E há um monte de gente no mundo que não tem acesso a elas – a última estimativa que li falava em 2 bilhões de pessoas com deficiência vitamínica. Se você der a alguém vitamina A e ela estiver sofrendo de cegueira nutricional, que é um estágio de deficiência de vitamina A, ela vai recuperar a visão – frequentemente em poucos dias. E isso é incrível. É como uma droga milagrosa. Mas isso não se traduz na idéia que parecemos querer ter, de que se você pode curar a cegueira nutricional com vitamina A, então se tomar 17x mais que o necessário em uma pílula, será capaz de ver no escuro. A idéia de que "mais é melhor e te dá superpoderes", não é real.

Romm: Como essa idéia emergiu, então ? 

Price: Acho que tem a ver com o fato de que elas são realmente incríveis quando você precisa delas – a idéia de que você pode reverter tais doenças com estes compostos invisíveis dá a eles uma aura legitimamente miraculosa. Mas estes fatos foram usados pelos marketeiros para promover um produto e então as afirmações começaram a extrapolar o que as vitaminas conseguem fazer na prática. Um exemplo interessante que encontrei foi a tiamina (B1), que estava na moda entre os anos 1920 e 40. Começou com coisas legítimas para as quais a B1 é importante ou pode ajudar, e então nos anos 40 você tinha propagandas dizendo que a tiamina podia fazer tudo, de melhorar a sua compleição a te dar mais energia (que na gíria da época era chamado "pep" (N.T.: brio, vigor)) a melhorar o moral do país para a II Guerra Mundial. Havia uma afirmação de que bolos de levedura rica em tiamina tinham restaurado a capacidade de andar de uma mulher. Então tudo ficou rapidamente fora de controle, e acho que ainda acontece muito atualmente.

Romm: Por que as pessoas estão tão desejosas de aceitar essas afirmações, por vezes ultrajantes, do que as vitaminas podem fazer ?

Price: É aqui que as coisas ficam bastante filosóficas, porque a princípio realmente não faz sentido. O que eu entendo é que há a idéia de que nós não gostamos de incertezas, especialmente em termos da nossa saúde. E então há tantas coisas sobre saúde e a vida que são apavorantes – não apenas ficar doente, mas a inevitável mortalidade. Então estãos sedentos por algum tipo de salvação contra essa incerteza, e as vitaminas ajudam a desempenhar esse papel. Acho que parte disso é provavelmente porque, com exceção da vitamina A, vitamina demais não vai te matar. Então você pode tomar as pílulas, sentir como se tivesse feito algo e simplesmente crer que tem mais controle sobre a sua vida e saúde do que tinha antes. Essa sensação de controle é enormemente apelativa, e o desejo por controle nos deixa muito suscetíveis a qualquer um que prometa dá-lo a nós em sua pílula ou produto.

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