Cetoácidos ? Bom remédio ?

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

Cetoácidos ? Bom remédio ?

por George F. Cahill Jr. e (por convite) Richard L. Veech

Stoddard, New Hampshire

Publicado nas Transações da Associação Clínica e Climatológica Americana, Vol. 114, 2003

Resumo



D-β-hidroxibutirato, o principal corpo cetônico no humano em jejum, substitui a glicose como combustível primário para o cérebro, reduzindo a necessidade da síntese de glicose no fígado (e rins) e assim poupando seus precursores, os aminoácidos derivados dos músculos. Assim um homem normal de 70kg sobrevive 2-3 meses de fome ao invés de algumas semanas, e homens obesos sobrevivem de muitos meses a mais de 1 ano. Sem esta adaptação metabólica, o Homo sapiens não poderia ter evoluído um cérebro tão grande. Estudos recentes mostraram que o D-β-hydroxibutirato, a principal cetona, não é apenas um combustível, mas um "supercombustível" – produzindo ATP com mais eficiência do que a glicose ou ácidos graxos. Em um preparado de coração de rato, ele aumentou a contratilidade e diminuiu o consumo de oxigênio. Também protegeu células neurais em cultura de tecidos contra a exposição a toxinas associadas com Alzheimer e Parkinson. Em um model com roedores, reduziu a morte de células pulmonares induzida por choque hemorrárgico. Também, ratos expostos à hipóxia sobreviveram por mais tempo. Estes e outros dados sugerem uso potencial do D-β-hydroxibutirato em um número de condições médicas e não médicas nas quais o suprimento de oxigênio ou a utilização do substrato pode ser limitada. Esforços estão em andamento para preparar ésteres de D-β-hydroxibutirato que possam ser tomados oral ou parenteralmente para estudar suas potenciais aplicações terapêuticas.

Introdução


D-β-hidroxibutirato (R-3-hidroxibutirato), abreviado BOHB, é o principal corpo cetônico no homem em jejum [1, 2, 3], bem como no estado de "superjejum", chamado cetoacidose diabética [4]. Historicamente, a associação com o diabetes e a fome deram às cetonas uma conotação mórbida. Esta revisão breve enfatiza o papel crucial desempenhado pelo BOHB na sobrevivência evolutiva humana durante períodos de privação, ao prover calorias derivadas da gordura a um córtex cerebral em expansão [5, 6, 7]. Mais significativo para os tempos modernos, ele pode ser um combustível melhor que a glicose ou os ácidos graxos por razões que não a simples substituição da glicose como combustível cerebral (ao prover mais energia celular por unidade de oxigênio consumida) [8]. Este breve artigo traça a história recente do BOHB e alguns potenciais usos terapêuticos já estudados em animais e em modelos de cultura de tecido.

Fome, cetose e o crescente córtex cerebral humano


Na figura 1 são mostrados os 3 corpos cetônicos clássicos: BOHB, sua parte desidrogenada, acetoacetato, e o acetoacetado descarboxilado, acetona. No indivíduo normal, BOHB e acetoacetato são menos de 1.8mg/dl e a acetona é essencialmente imensurável. No humano adulto em situação de fome, BOHO (figura 2) chega a 90-144mg/dl, acetoacetato a 1.8-3.6mg/dl e acetona aproximadamente o mesmo que o acetoacetato [9]. Na cetoacidose diabética, o BOHB pode subir para 180-360mg/dl ou mais; o acetoacetato pode chegar a 1/4 desse valor. Dependendo da duração da cetoacidose, os níveis de acetona podem chegar a 180mg/dl pela descarboxilação não-enzimática espontânea do acetoacetato. Graças à sua volatilidade, a acetona pode ser detectada pelo odor adocicado na pele, hálito e urina – o que tem significância diagnóstica mesmo hoje em dia.

BOHB e acetoacetato são produzidos no fígado a partir de ácidos graxos de cadeia longa e liberados na corrente sanguínea onde são substratos energéticos para órgãos extrahepáticos. Um baixo nível de insulina não apenas aumenta a liberação os ácidos graxos livres dos adipócitos e a gliconeogênese hepática. Quanto mais baixa a insulina, maior a taxa de liberação de ácidos graxos e a gliconeogênese [9].


Figura 1: Os 3 corpos cetônicos. O ácido D-β-hydroxibutírico (BOHB), apesar de não ser propriamente uma cetona, é intercambiável com o ácido acetoacético via BOHB desidrogenase. Seu equilíbrio é uma função da proporção NADH/NAD+. O ácido acetoacético é lenta e irreversivelmente descarboxilado em acetona, que é perdida para o ambiente principalmente através dos pulmões, pele e urina.


Figura 2: Concentrações de BOHB, glicose, ácidos graxos livres e 
acetoacetato em circulação, em homens obesos saudáveis, em jejum 
de 40 dias [9]


O cérebro adulto consome cerca de 20% do metabolismo basal – ou seja, 100-120g de glicose a cada 24h [5]. Em crianças pode chegar a 40-50% do metabolismo basal, e a cetose desenvolve-se mais rápida e severamente mente por conta disso: em horas, ao invés de dias [3, 10]. O mesmo é verdade para humanas grávidas, uma vez que o feto é simplesmente um segundo cérebro metabólico consumindo quase 100g de glicose diariamente. A lactação funciona similarmente devido à sintese de lactose a partir da glicose sanguínea. Finalmente, em meados do século passado, a florizina foi usada experimentalmente para bloquear a reabsorção renal de glicose, e os níveis de cetose foram linearmente relacionados ao grau de glicosúria [11].

A tabela 1 sumariza os combustíveis corporais em um homem normal de 70kg e e enfatiza a dominância dos triglicérides de seu tecido adiposo como armazenamento de combustível. O homem não armazena proteinas com propósito de estoque energéticos apenas – cada molécula serve alguma necessidade fisiológica: miosina, albumina, anticorpos, todos sendo exemplos típicos. As reservas de glicogênio muscular e hepático são muito limitadas, e a glicose nos fluidos corporais é ainda mais. Em contraste, os triglicérides no tecido adiposo e as proteínas no tecido muscular são os principais determinantes do período de sobrevivência durante a privação de comida, sendo o primeiro o combustível e o último, o "maquinário". Em uma frase simples, a gordura poupa o maquinário!



Kgkcal
Triglicerídeos do tecido adiposo12110.000
Proteína muscular624.000
Glicogênio muscular0.41.600
Glicogênio hepático0.1400
Glicose (fluido extracelular)0.01456
Total
136.056
Tabela 1: combustíveis corporais, homem adulto (70kg)


No homem que jejuou durante a noite (figura 3), o glicogênio hepático provê glicose para o cérebro, e graças ao nível de insulina relativamente baixo, músculos e tecido adiposo deixam de remover a glicose. Os ácidos graxos livrs, liberados do tecido adiposo, proveem a maior parte da energia do corpo. Após diversos dias de fome, a glicose cerebral é derivada da gliconeogênese hepática dos aminoáciso derivados dos músculos. Entretanto, o nível de corpos cetônicos em circulação gradualmente aumenta. Então, após 1 semana ou mais, os níveis de aminoácidos circulantes, liberados dos músculos, diminuem; a gliconeogênese hepática diminui, e o metabolismo cerebral é suprido principalmente pelo mais importante corpo cetônico, BOHB (figura 4).

Figura 3: metabolismo de combustível durante o jejum noturno em humanos. 
O combustível do cérebro (glicose) é provido principalmente pelo glicogênio 
hepático, mas a gliconeogênese começa a assumir o controle usando aminoácidos 
liberados a partir de proteínas musculares. Ácidos graxos livres do tecido adiposo 
proveem a maior parte do combustível para o corpo [9].

Figura 4: metabolismo de energia em humanos em jejum prolongado. BOHB, o 
principal corpo cetônico, é o combustível primário para o cérebro, substituindo 
a glicose. A gliconeogênese é diminuída, poupando a quebra de proteína muscular 
em aminoácidos. A sobrevivência é então dramaticamente prolongada.


Deve ser enfatizado novamente que o nível de insulina parece estar sob controle pela sua regulação dos aminoácidos liberados dos músculos. No estado de superjejum (o diabético), no qual mesmo os níveis de insulina basal são inadequados, aminoácidos são liberados dos músculos em excesso, a gliconeogênece e a cetogênese hepática aumentam, e os níveis de glicose e corpos cetônicos sobem. Estes resultam em hiperglicemia, hipercetose, glicosúria e cetonúria progressivas [4]. Esta é a síndrome da cetoacidose diabética, com acidose, hipovolemia severa, hipotensão e morte a menos que interrompida por fluidos exógenos contendo sal para corrigir o volume e insulina para correr o desarranjo metabólico subjacente. A simples fome e/ou uma dieta cetogênica produzem uma acidose leve e altamente regulada, compatível com a vida normal – conforme evidenciado pela sobrevivência dos inuit antes de terem sido poluídos pela nossa cultura americana!

O cérebro não é capaz de usar ácidos graxos livres liberados do tecido adiposo, devido ao seu acoplamento forte à albumina e outras proteínas séricas, e também pela barreira hematoencefálica. Por outro lado, há um transportador de glicose, GLUT1, que permite a entrada de glicose no sistema nervoso central, dado que a concentração de glicose é adequada [12, 13, 14]. Os aminoácidos, da mesma maneira, tem um mecanismo transportador específico mantendo suas concentrações em níveis muito baixos, glutamina sendo a principal exceção. Isso permite um rápido aumento e queda de neurotransmissores nas sinapses, particularmente ácido glutâmico que existe em concentrações micromolares no fluido espinhal. BOHB também é transportado para o fluido cérebro-espinhal com uma quilomolaridade de 2-4mM, aproximando seus níveis em humanos em jejum [15]. Um número de investigadores mostrou o BOHB substituindo a glicose em preparações de cérebro, e o mesmo foi demonstrado ocorrer em homens [5, 16, 17]. Isso ilustra o conceito introduzido por Sir Philip Randle de que a gordura e produtos derivados dela, como acetato e BOHB, tem precedência sobre carboidratos e seus subprodutos como o piruvato [18].

Uso terapêutico dos corpos cetônicos na epilepsia: a dieta cetogênica


Pierre Marie, o neurologista francês do final do século XIX, propôs o jejum como tratamento para epilepsia. Esta abordagem foi ressuscitada por Hugh Conklin nos anos 1920, e foi substituída pela mais aceitável dieta muito pobre em carboidratos (cetogênica) por Russel Wilder da Clínica Mayo. Hoje, o uso deste tipo de dieta em pacientes refratários a múltiplos agentes anticonvulsivantes tem sido muito bem-sucedido em eliminar os ataques em cerca de 1/3, e em reduzi-los na maioria dos restantes. John Freeman do Hospital Johns Hopkins é a figura central no país com um número de publicações [19, 20, 21]. Há problemas com a dieta, entretanto, e cerca de metade das crianças colocadas nela deixam de seguir nos primeiros 6 meses. Quaisquer carboidratos ingeridos, mesmo em pequenas quantidades, reduzem o nível de BOHB e os ataques rapidamente retornam ou aumentam. Esta falha na aderência não é inesperada com uma dieta de creme de leite, carnes gordas e queijo!

Recentemente, uma preparação comercial (KetoCal) tornou-se disponível. Ela contém uma gama completa de vitaminas e minerais, com gordura de soja hidrogenada, proteína do leite e essencialmente nenhum carboidrato. Outra abordagem, com triglicerídeos de cadeia média que são metabolizados em cetonas pelo fígado, tem sido usada com algum sucesso em pacientes resistentes à medicação [22]. Este nutriente sintético permite o teste de crianças por um breve período, para ver se a frequência dos ataques diminui sem a necessidade de educar os pais sobre uma dieta cetogênica. O nível terapêutico de BOHB sérico é de 54-90mg/dl, e isso poderia ser facilmente atingido por administração oral de um éster contendo BOHB, diversas vezes por dia remediando completamente a necessidade da dieta. Tal abordagem nutracêutica está agora sendo examinada.

D-β-hidroxibutirato, não apenas um combustível, mas um combustível mais eficiente


Em um preparado extremamente complexo de coração de rato, no qual a atividade mecânica, uso de oxigênio e substrato, e subsequentemente, a determinação da concentração de numerosas moléculas metabólicas intermediárias foi determinada, descobriu-se que o BOHB aumentava a contratilidade, e surpreendentemente, o consumo de oxigênio diminuia [23]. A explicação foi bastante simples no escopo geral; em dois passos da síntese mitocondrial de fosfato de alta energia (ATP), os reagentes em um passo (NADH/NAD+) tornam-se mais reduzidos, e no próximo passo (Coenzimas Q e QH2) tornam-se mais oxidadas, aumentando então o vão energético entre as duas – e esta energia aumentada é capturada, presumivelmente, em maior produção de ATP.

Este processo é explicado em mais detalhe numa publicação extensa [8]. Além disso, as tabelas termondinâmicas da combustão do BOHB por grupo de 2 carbonos mostram mais energia que a glicose ou piruvato, e como esperado, menos que ácidos graxos de cadeia longa – que, entretanto, não é preservado devido aos ácidos graxos doarem metade de seu poder redutor à flavoproteína, ignorando o passo NADH/NAD+ no transporte de elétrons. Assim, parece que o BOHB é um combustível superior por unidade de oxigênio, ao menos na preparação de coração (Figura 5). Isto abre numerosas possibilidades para abordagens terapêuticas.

Figura 5: Processos bioquímicos dentro do citosol e mitocôndrias de células musculares 
em uma preparação de tecido cardíaco [8, 24]. Com BOHB como substrato, NADH aumenta 
relativamente ao NAD+ e CoQ aumenta relativamente à CoQH2, aumentando o alcance 
energético entre os dois na reação da NADH desidrogenase. Isso provê um aumento na 
energia para síntese de ATP, comparada àquela do coração usando glicose.
Copyright 2001, Hypothesis Paper-Ketone Bodies, Potential Therapeutic.
Uses by Veech et al. [8] Reproduced by permission of Taylor & Francis, Inc, http://routledge-ny.com.


Uso de β-hidroxibutirato em alguams situações experimentais


Teoricamente, qualquer célula dependente de processos oxidativos deveria beneficiar-se do BOHB quando a entrega de oxigênio torna-se limitada. Células morrem quando sua fonte de energia é bloqueada, e isso pode ser de maneira aguda – em minutos ou horas, ou alternativamente, dias depois devido a um programada e complicada morte celular, chamada processo de apoptose. O mecanismo bioquímico de ambas as rotas está sob estudo intensivo em um grande número de laboratórios. Discussões mais avançadas estão além do escopo deste relatório. Entretanto, a seguir está uma lista com referências a um pequeno número de experimentos nos quais o BOHB foi reportado como exercendo efeitos significativos além dos já bem-documentados efeitos sobre a epilepsia em humanos e em modelos experimentais com animais.


  • Henry Lardy, cerca de 60 anos atrás, descobriu que a motilidade do esperma aumenta na presença de BOHB, com um decréscimo no consumo de oxigênio [24];
  • A resposta hormonal à hipoglicemia em cãoes é suprimida pelo BOHB [25, 26], e os sintomas cerebrais de hipoglicemia em homens são evitados [27];
  • Também o BOHB diminui os níveis de aminoácidos e nitrogênio excretados por homens [28, 29];
  • A função cerebral em ratos e camundongos anóxicos é melhorada e a sobrevivência, prolongada [30, 31];
  • Apoptose no pulmão de roedores em choque é diminuída [32];
  • Melhora no metabolismo pós-traumático em homens foi reportada [33];
  • Deveria ser apontado que a proporção alterada de NAD+ para NADH deveria reduzir a formação de radicais livres [8, 34] e BOHB demonstradamente aumentou a viabilidade em células neurais em culturas de tecidos expostas a toxinas associadas com as doenças de Alzheimer e Parkinson [35].

BOHB e a sobrevivência humana


Conforme brevemente revisado [8], um nível de cetoácidos de 90-144mg/dl é relativamente único aos humanos. Em geral, mamíferos com cérebro que consome menos de 5% do metabolismo basal não tornam-se cetóticos, uma vez que o glicerol liberado do triglicérides do tecido adiposo provê precursores glicogênicos suficientes para as necessidades de glicose do cérebro. Por exemplo, níveis de BOHB nos ursos pretos, em seus 4 ou mais meses de hibernação no inverno, permanecem abaixo de 18mg/dl [36].

Quando foi que os primatas cruzaram a linha dos 5% ? Certamente, bem antes do Homo sapiens e do Homo ergaster (1-2 milhões de anos atrás), mas após o bipedalismo dos primatas (7-8 milhões de anos atrás). Uma estimativa razoável é que foi antes do início da idade da pedra (Período Olduvaiense do Baixo Paleolítico, 2.5-3 milhões de anos atrás) [6, 7]. O tamanho do cérebro então alcançou um platô de cerca de 1200cc, que cresceu muito lentamente ao longo de 2 milhões de anos – até atingir os 1400cc atuais. Mas tamanho do cérebro é provavelmente apenas parte da história, e talvez uma pequena parte. O desajeitado, inculto e incivilizado Homo neanderthalensis tinha um cérebro de 1500-1600cc, provavelmente relacionado a um corpo maior. Os neandertais na Europa foram varridos em poucos milhares de anos, entre 40.000 e 30.000 A.C., pelos Homo sapiens muito mais espertos com seus cérebros menores.

Mas o tamanho do cérebro nos humanos é muito relevante à explosão intelectual dos últimos 20.000 anos ? Claramente não, e sabemos que o tamanho e a função do cérebro são fracamente associadas. Compare um cão dinamarquês com um poodle toy, ou um beija-flor que tem o cérebro ordens de magnitude menor que o de um avestruz! Verdade, grande parte dos cerebros maiores em grande animais relaciona-se à inervação aumentada de uma massa corporal maior. O cérebro de 7.5kg de uma baleia de 40 toneladas consome 5.25mmol de oxigênio por minuto – uma porção minúscula de seu metabolismo basal [37, 38]. O cérebro de 1.5kg em um homem de 70kg consome 2.25mmol de oxigênio por minuto. Infelizmente, paleoantropólogos só conseguem medir o tamanho da cavidade craniana, sem indicação de celularidades tais como contagem de células anatômicas ou conteúdo de potássio ou DNA.

Então algo aconteceu recentemente aos humanos, independente do tamanho do cérebro. Os antropólogos Klein e Edgar [7] sugeriram que antes da saída do Homo sapiens da África, cerca de 100.000 anos atrás, e de seu espalhamento noroeste rumo à Europa e leste rumo à Ásia, uma mutação dramática ocorreu. Este "sexto sentido" foi uma expansão súbita nas comunicações, significando linguagem e cognição. Poder-se-ia chamar isto de um gene intelectual que permitia adaptação e antecipação. Suportando a sua especulação está um reporte de geneticistas britânicos de uma síndrome herdável causada por uma mutação em um gene que resulta em um fenótipo de deficiência severa não apenas na fala em si, mas também em compreender a fala, mas com o restante da cognição normal ou próxima disso [39]. Isso suportaria o conceito do saudoso Steven J. Gould [40], de que a evolução ocorre em períodos longos e estáveis (equilíbrio), interrompidos por mudanças breves e rápidas (pontuações). Isso não poderia ter acontecido sem o BOHB suportar a sobrevivência durante as frequentes fomes causadas por catástrofes naturais, bem como as causadas pelo próprio homem durante hostilidades e migrações.

Usos futuros do BOHB


O uso do BOHB formado pela dieta cetogênica no tratamento da epilepsia refratária à medicação é agora difundido, mas seu modo de ação permanece inexplicado [41, 42]. Ele também já mostrou-se eficiente em entidades similares como espasmos infantis [43]. Necessários, é claro, são os mecanismos para produzir níveis sanguíneos de 54-90mg/dl sem a dificuldade de manter dieta cetogênica. Além disso, a dieta em si aumenta o colesterol sérico, está associada com cálculos renais e é intolerável para muitos. Apenas uma pequena proporção é capaz de continuar com ela por mais de 1 ano. Sendo um ácido orgânico, o BOHB é solúvel como um sal sódico. Um adulto em jejum produz cerca de 150g por dia para alcançar um nível sanguíneo de 90-144mg/dl. Se esta quantidade de BOHB fosse administrada como sal sódico, um grande resíduo de alcalinos iria restar à medida que o BOHB fosse metabolizado.

Obviamente preparações precisam ser feitas, que possam produzir tal quantidade de BOHB se tomadas oral ou parenteralmente. Quais são os potenciais usos do BOHB além da epilepsia pediátrica ? Teoricamente, quaisquer condições nas quais o suprimento de oxigênio às células pode ser limitante, é uma via a ser investigada. A lista englobaria quase qualquer doença. Também, condições ocupacionais ou ambientais, nas quais a disponibilidade de oxigênio é potencialmente limitada, precisam ser examinadas. Finalmente, em muitas situações nas quais a patogênese ainda não é clara, particularmente síndromes como Alzheimer e Parkinson, que permanecem essencialmente intratáveis ou minimamente tratáveis, são candidatas. O estudo in vitro mencionado acima, de Kashiway et al. [35], mostrando proteção de células neurais em culturas de tecidos contra toxinas destes dois estados, ilustra a necessidade de se estudar o BOHB em muitos outros modelos de doenças degenerativas.

O desafio agora é disponibilizar preparações de BOHB para investigações clínicas, animais e in vitro dos processos de doenças e suas terapias [8]. Finalmente, pode-se esperar de um agente químico, BOHB, que desempenhou papel tão importante na sobrevivência do homem, tenha outras ações que as simples calorias. Quando a natureza tem uma substância benéfica, ela pode tornar-se pleoiotrópica através da evolução, com outras vantagens de sobrevivência. A insulina e os hormônios da tireóide são excelentes exemplos hormonais. Butirato e ácido retinóico são exemplos de substratos que recentemente descobriu-se terem atividade transcricionais também. Glutamato é um exemplo excelente, tendo papéis como estrutura de proteína e na neurotransmissão. BOHB pode também ter outros efeitos metabólicos que simplesmente como combustível. Seu papel na diminuição no catabolismo da proteína muscular, diretamente em homens e animais em jejum, é um exemplo que precisa de exames bioquímicos.

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Discussão


Neilson, Nashville: um pensamento muito interessante que vocês nos deram. Nas minhas memórias, cetoácidos são um supressor de apetite muito bom, e eu me pergunto se alguns desses compostos orais que vocês mencionam  poderiam também melhorar a saciedade e ser uma maneira efetiva de gerenciar um pouco da obesidade secundária. Deve haver alguma literatura.

Cahill, Stoddard: Sim, está na lista. Pessoas que passam fome por 3 ou 4 dias usualmente perdem o apetite. E há outras alterações metabólicas. Os níveis de FSH caem. Este é o motivo da amenorréia de mulheres que passam fome ou com anorexia nervosa. Há outros efeitos, mas a grande maioria é em geral benéfica, surpreendentemente. A razão pela qual as cetonas tem uma conotação mórbida é devida à sua relação com a cetoacidose diabética. Nesta condição potencialmente falta, eles podem subir a 180 ou 360mg/dl, deslocando os níveis de bicarbonato para perto 18mg/dl, com um pH baixo de 6.8-7.0. Na fome, as cetonas raramente vão acima dos 180mg/dl.

Kahn, Boston: George, como você sabe, há um interesse tremendo em dietas cetogênicas, e dietas ricas em gorduras ao invés de ricas em carboidratos. Então o que acontece com pessoas normais ou modestamente sobrepesadas quando são postas em uma dieta rica em gordura, e quanto isso altera o balanço da cetogênese ? Os seus estudos tem algo a respeito da abordagem dietária ?

Cahill: Ela proudz uma cetose muito suave, com níveis de cetonas de 18-54mg/dl quando medida. Uma pequena quantidade de carboidratos na dieta, digamos 50g, diminui pela metade o nível de cetonas que ocorreria em uma dieta de pura gordura/proteína. Uma dieta de pura gordura/proteína simplesmente afasta a necessidade de ter que utilizar a própria gordura e proteína do corpo, como ocorre na privação alimentar simples. Aqueles entre vocês que são pediatras, estão muito familiarizados com o uso da dietacetogênica em crianças com epilepsia refratária a agentes anticonvulsivantes. Há atualmente 28 medicamentos em uso clínico. A dieta é difícil, notadamente creme, queijo, manteiga, salame, ovos, etc – essencialmente sem carboidratos, ou com muito pouco deles. Cerca de 1/3 deixa de ter ataques, ou tornam-se raros; outro 1/3 tem uma redução significativa, e o restante apresenta pouco ou nenhum efeito. Curiosamente, algumas crianças cujos ataques são impedidos pela dieta podem não ter quaisquer ataques depois de 1 ano ou mais na dieta. Alguns investigadores tentaram descobrir a base bioquímica do efeito da dieta. É simplesmente a energia ou algum efeito único da estrutura da molécula ? Estão aparecendo evidências experimentais de que moléculas simples como os ácidos retinóico e butírico podem alterar o metabolismo no nível da transcrição e translação do DNA.

Thorner, Charlottesville: Esta foi uma apresentação maravilhosa. Quando pacientes estão doentes na UTI, fazemos todo o tipo de coisas – mas algo que fazemos é afetar sua nutrição. Revertemos as mudanças que você mostrou que ocorrem durante a fome. Você acha que é um mecanismo protetor esta elevação do BOHB, e que estamos na verdade fazendo mal com a nossa nutrição parenteral e tal ?

Cahill: Honestamente, não sei. Todos nós temos olhado as cetonas como sendo más. Então administramos carboidratos e, se necessário, insulina. Em outro tópico, Ron Kahn falou sobre isso em sua soberba palestra. Provavelmente os componentes mais significativos para a evolução do homem forma o uso da linguagem, no sentido de comunicação, e seu intelecto superior que lhe permitiu antecipar e adaptar-se ao ambiente. Os polinésios, antes de embarcar em suas canoas para as viagens de diversos meses, engordavam-se nos luaus e talvez tão importante quanto, faziam danças e jogos de guerra para aumentar a massa muscular. Não havia sofá nem TV, nossa prática pós-prandial. O cérebro do homem tomou o controle calórico de atividades mais básicas, reguladas de perto pelos ciclos dia/noite, temperatura ambiental, disponibilidade de certos alimentos, etc. Nós não procriamos sazonalmente, nem engordamos no outono e emagrecemos na primavera! Entretanto, o caçador em certas sociedade primitivas da atualidade mantém sua gordura corporal em 5-10%, de maneira que possa trotar atrás da gazela e cansá-la. A anorexia nervosa é seu estilo de vida. Sua família depende disso. Eu já mencionei a adiposidade induzida dos polinésios e provavelmente muitas sociedades, antecipam períodos extensos de privação de comida. A leptina pode ser essencial para ratos e camundongos, e provavelmente é. Mas eu não quero diminuir a descoberta de Jeff Friedman; outros papéis estão começando a ser encontrados para essa molécula única. Uma deficiência genética resultando em obesidade marcada durante a infância foi encontrada, entretanto, e bem-sucedidamente tratada com a administração de leptina. A leptina tem pouco ou nenhum efeito na obesidade comum.

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