Não pergunte como alimentar os 9 bilhões
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.
por Mark Bittman
Em um jantar com um amigo outra noite, mencionei que ia dar uma palestra esta semana, desconstruindo a idéia de que precisamos produzir mais comida em larga escala para podermos "alimentar os 9 bilhões" - a população projetada para o planeta em 2050.
Ela me olhou horrorizada, e disse: "Mas como você vai produzir comida suficiente para alimentar os famintos ?"
Eu sugeri que ela tente o seguinte exercício: "Coloque-se no lugar mais pobre que puder imaginar. Imagine-se na República Democrática do Congo, por exemplo. Nesse instante. Você está com fome ? Você vai continuar com fome ? Você vai ter problemas em encontrar comida ?"
A resposta, obviamente, é "não". Porque ela - e quase todos vocês que estão lendo esse texto - estariam em no país com algumas notas de 20 dólares e uma carteira cheia de cartões de crédito. E você iria comprar algo para comer.
A diferença entre você e os famintos não são os níveis de produção: é o dinheiro. Não há pessoas famintas com dinheiro; não há falta de alimento, nem há um problema de distribuição. Existe um "eu não tenho terra nem recursos para produzir minha própria comida, nem tenho dinheiro para comprar comida".
E a pobreza e fome resultantes não são questão de má sorte; elas são frequentemente resultado de pessoas comprando as propriedades de fazendeiros tradicionais e expulsando-os, apropriando-se de sua água, energia e recursos minerais, e mesmo produzindo colheitas para exportação enquanto reduzem as pessoas que cultivam o alimento a trabalhadores famintos em sua própria terra.
Ela me olhou horrorizada, e disse: "Mas como você vai produzir comida suficiente para alimentar os famintos ?"
Eu sugeri que ela tente o seguinte exercício: "Coloque-se no lugar mais pobre que puder imaginar. Imagine-se na República Democrática do Congo, por exemplo. Nesse instante. Você está com fome ? Você vai continuar com fome ? Você vai ter problemas em encontrar comida ?"
A resposta, obviamente, é "não". Porque ela - e quase todos vocês que estão lendo esse texto - estariam em no país com algumas notas de 20 dólares e uma carteira cheia de cartões de crédito. E você iria comprar algo para comer.
A diferença entre você e os famintos não são os níveis de produção: é o dinheiro. Não há pessoas famintas com dinheiro; não há falta de alimento, nem há um problema de distribuição. Existe um "eu não tenho terra nem recursos para produzir minha própria comida, nem tenho dinheiro para comprar comida".
E a pobreza e fome resultantes não são questão de má sorte; elas são frequentemente resultado de pessoas comprando as propriedades de fazendeiros tradicionais e expulsando-os, apropriando-se de sua água, energia e recursos minerais, e mesmo produzindo colheitas para exportação enquanto reduzem as pessoas que cultivam o alimento a trabalhadores famintos em sua própria terra.
A pobreza não é o único problema, é claro. Há também o sistema de produção alimentícia virtualmente sem regulamentação, que é orientado a fazer dinheiro ao invés de alimentar pessoas (nem precisa procurar muito: observe o etanol e o xarope de milho de alta frutose para ter evidências).
Se a pobreza cria a fome, ela alia-se ao sistema de produção de alimento para criar outra forma de má-nutrição: a obesidade (e o que é chamado de "fome escondida", uma falta de micronutrientes). Se você definir "fome" como má-nutrição, e aceitar que os obesos e sobrepesados são também formas de má-nutrição, então quase metade do mundo é mal-nutrido.
A solução para a má-nutrição não é produzir mais comida. A solução é eliminar a pobreza.
Observe o país agriculturalmente mais produtivo do mundo: os EUA. Existe fome aqui ? Sim, um bocado. Temos o maior percentual de famintos entre as nações desenvolvidas, uma taxa mais próxima da Indonésia que dá Inglaterra.
Há falta de comida ? Dá para rir desta questão. Como o David Kessler, ex-secretário do FDA, gosta de dizer, é um "carnaval de comida". Só que o ingresso é alto.
A maioria do mundo é alimentada por centenas de milhões de pequenos fazendeiros, alguns dos quais estão eles mesmos entre os famintos. O resto dos famintos são trabalhadores desempregados ou com salários muito baixos. Mas aumentar a produção não faz nada por eles.
Então, não deveríamos nos peguntar "como vamos alimentar o mundo ?", e sim "como podemos ajudar a acabar com a pobreza ?". Afirmar que o aumento da produção iria alimentar os pobres é como dizer que produzir mais carros ou jatinhos iria garantir que todo mundo tivesse um.
E como é que ajudamos aqueles que tem má-nutrição por excesso de comida ? Podemos ajudá-los, e ajudar a preservar a saúde da Terra, se reconhecermos que o modelo industrial de produção de comida não é inevitável e nem desejável.
O melhor método de produção para a maioria das pessoas é provavemente agricultura tradicional impulsionada pela ciência. O melhor método de produção para aqueles em sociedades agriculturais altamente produtivas seria mais inteligente e menos predatório. Isto é, o tipo de agricultura que podemos aprender de povos que ainda tem um relacionamento real com a terra e que estão focados em qualidade ao invés de produtividade. O objetivo devia ser comida que é verde, justa, saudável e acessível.
Não é novidade que os pobres precisam de dinheiro e justiça. Se há um lado bom nisso, é que pode ser mais fácil fazer as mudanças requeridas para resolver os problemas criados pela agricultura industrial do que aqueles criados pela desigualdade.
Há bastante comida. Muito dela vai alimentar animais, muito é convertido em combustível e muito é desperdiçado.
Não temos que aumentar a produção para endereçar quaisquer destas questões; apenas temos que produzir comida de maneira mais esperta do que com os métodos industriais de força bruta, e precisamos endereçar as circunstâncias dos pobres.
Nosso slogan não deveria ser "vamos alimentar o mundo", e sim "vamos acabar com a pobreza".
Se a pobreza cria a fome, ela alia-se ao sistema de produção de alimento para criar outra forma de má-nutrição: a obesidade (e o que é chamado de "fome escondida", uma falta de micronutrientes). Se você definir "fome" como má-nutrição, e aceitar que os obesos e sobrepesados são também formas de má-nutrição, então quase metade do mundo é mal-nutrido.
A solução para a má-nutrição não é produzir mais comida. A solução é eliminar a pobreza.
Observe o país agriculturalmente mais produtivo do mundo: os EUA. Existe fome aqui ? Sim, um bocado. Temos o maior percentual de famintos entre as nações desenvolvidas, uma taxa mais próxima da Indonésia que dá Inglaterra.
Há falta de comida ? Dá para rir desta questão. Como o David Kessler, ex-secretário do FDA, gosta de dizer, é um "carnaval de comida". Só que o ingresso é alto.
A maioria do mundo é alimentada por centenas de milhões de pequenos fazendeiros, alguns dos quais estão eles mesmos entre os famintos. O resto dos famintos são trabalhadores desempregados ou com salários muito baixos. Mas aumentar a produção não faz nada por eles.
Então, não deveríamos nos peguntar "como vamos alimentar o mundo ?", e sim "como podemos ajudar a acabar com a pobreza ?". Afirmar que o aumento da produção iria alimentar os pobres é como dizer que produzir mais carros ou jatinhos iria garantir que todo mundo tivesse um.
E como é que ajudamos aqueles que tem má-nutrição por excesso de comida ? Podemos ajudá-los, e ajudar a preservar a saúde da Terra, se reconhecermos que o modelo industrial de produção de comida não é inevitável e nem desejável.
O melhor método de produção para a maioria das pessoas é provavemente agricultura tradicional impulsionada pela ciência. O melhor método de produção para aqueles em sociedades agriculturais altamente produtivas seria mais inteligente e menos predatório. Isto é, o tipo de agricultura que podemos aprender de povos que ainda tem um relacionamento real com a terra e que estão focados em qualidade ao invés de produtividade. O objetivo devia ser comida que é verde, justa, saudável e acessível.
Não é novidade que os pobres precisam de dinheiro e justiça. Se há um lado bom nisso, é que pode ser mais fácil fazer as mudanças requeridas para resolver os problemas criados pela agricultura industrial do que aqueles criados pela desigualdade.
Há bastante comida. Muito dela vai alimentar animais, muito é convertido em combustível e muito é desperdiçado.
Não temos que aumentar a produção para endereçar quaisquer destas questões; apenas temos que produzir comida de maneira mais esperta do que com os métodos industriais de força bruta, e precisamos endereçar as circunstâncias dos pobres.
Nosso slogan não deveria ser "vamos alimentar o mundo", e sim "vamos acabar com a pobreza".
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