Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

Por exemplo, muito do que achamos que sabemos sobre nutrição é baseado em estudos observacionais, que são uma das bases de grandes iniciativas de pesquisa como o Estudo de Saúde das Enfermeiras, que acompanhou mais de 120.000 mulheres americanas por 3 décadas. Tais estudos buscam por associações entre as comidas que os sujeitos dizem comer e as doenças que desenvolvem mais tarde. O problema, como Taubes enxerga, é que estudos observacionais podem mostrar uma ligação entre uma comida ou nutriente e uma doença, mas não nos dizem nada sobre se a comida ou nutriente é realmente a causa. É um erro clássico de confundir correlação com causalidade – e falha em testar as conclusões com experimentos controlados. “Bons cientistas vão abordar novos resultados como se estivessem comprando um carro usado”, diz ele. “Quando o vendedor te diz que é um excelente carro, você não aceita simplesmente a palavra dele. Você mesmo verifica”.
A premissa inicial do NuSI, em outras palavras, é que ciência mal feita nos colocou no estado de confusão e ignorância no qual estamos. Agora, Taubes e Attia querem ver se ciência bem-feita pode nos tirar dela.

Talvez não seja surpresa que Taubes, 58 anos, financiou um projeto tão ousado e ambicioso quanto o NuSI. Ele tem uma reputação merecida de ser determinado e combativo. (Seus detratores na ciência da nutrição há muito o acusam de prepotência). Ele se graduou em física aplicada em Harvard, onde também jogou futebol americano na defesa. (John Tuke, um de seus colegas de time, lembra-se que Taubes destacava-se pela intensidade com que jogava). Depois de Harvard, Taubes foi para Stanford obter um mestrado em engenharia, com visões de tornar-se um astronauta. Foi só depois de perceber que a NASA provavelmente não enviaria um homem do seu tamanho para o espaço – Taubes mede 1.87m e pesa 100kg – que ele decidiu perseguir um interesse em reportagens investigativas que foi aceso quando leu “All the president’s men”.
Aquela lição ficou gravada quando, quase por acidente, ele voltou sua atenção à ciência da nutrição em 1997. Na época um freelancer e ficando sem dinheiro para o aluguel, ele chamou seu editor na revista Science e perguntou se havia alguma coisa na qual que ele pudesse tirar um dinheiro rápido. O editor mencionou um artigo no Jornal de Medicina da Nova Inglaterra que detalhava uma abordagem dietária para reduzir a pressão arterial sem restringir o sal. Talvez ele pudesse escrever algo sobre o assunto ?
Taubes não sabia quase nada sobre o assunto. Ele acabaria gastando os nove meses seguintes entrevistando 80 pesquisadores, clínicos e administradores. Tal pesquisa resultou, em agosto de 1998, no artigo “A ciência (política) do sal”. Foi uma pancada forte em tudo o que os cientistas achavam que tinham como estabelecido sobre a ligação entre o consumo de sal e a pressão sanguínea. A crença de que sal de mais era a causa da hipertensão não era baseada em estudos cuidadosos, Taubes escreveu, mas primariamente em observações das dietas de populações com menos hipertensão. Os cientistas e profissionais da saúde que atacavam o sal não pareciam perceber ou se importar que as dietas destas populações pudesse diferir em uma dúzia de maneiras diferentes das dietas de populações com mais hipertensão.
Taubes começou a pensar se essa crítica aplicava-se além do sal, ao resto da ciência da nutrição. Afinal de contas, um dos pesquisadores que ele entrevistou tinha levado o crédito não apenas por fazer os americanos comerem menos sal, mas também por fazê-los comer menos gordura e ovos. Taubes então disparou um projeto de pesquisa de diversos anos que culminou, em 2002, quando ele publicou uma história de capa na New York Times Magazine sobre a gordura, que o catapultaria à fama e no caminho para o NuSI.
Sob o título de “E se a gordura não te fizer engordar ?”, Taubes questionou se nós engordamos não porque ignoramos os conselhos médicos vigentes, e sim porque os seguimos. Ele argumentou que os carboidratos, e não a gordura, são a causa mais provável da epidemia de obesidade. O texto foi uma sensação. “Gary Taubes está arruinando a minha vida!”, reclamou Marion Nestle, professora de nutrição da NYU, à revista Popular Science na época. “Eu não posso ir a lugar nenhum sem alguém me pergundar sobre o maldito do artigo”.
“Eu perdi amigos com aquela história”, diz Taubes. “Um amigo jornlista que tinha escrito um livro sobre obesidade me acusou de ter feito um transplante de cérebro”.
O artigo da Times levou a um contrato de US$700.00,00 que tornaria-se “Good Calories, Bad Calories”, e Taubes passou os 5 anos seguintes escavando a pesquisa nutricional feita a partir do final do século XIX. Ao fazer isso, ele encontrou-se atraído a uma teoria ainda mais radical, a chamada hipótese alternativa, que afirma que ficamos gordos não porque comemos calorias demais, mas porque tipos específicos de calorias disparam hormônios que regulam como as nossas células de gordura comportam-se. Em particular, comer carboidratos refinados e em especial, açúcar de maneira contínua leva a níveis de insulina cronicamente elevados. Entre suas muitas outras funções cruciais no corpo, a insulina diz às células de gordura para absorver a glicose, que é convertida em gordura, e então mantém gorduras de todas as fontes trancadas do lado de dentro. Por conseguinte, consuma um bocado de açúcar diariamente, como a maioria dos americanos faz, e você vai ficar gordo.
É claro, Taubes só podia apresentar a hipótese. Ele não podia provar nada disso. Os experimentos corretos nunca tinham sido feitos.
Quando Peter Attia leu “Good Calories, Bad Calories”, ele já tinha sentido que alguma coisa estava errada na ciência da nutrição. Ele não teve que procurar muito mais longe que a própria cintura. Attia tinha aderido à natação de longa distância por volta dos 30 anos. (Em 2008, aos 34 anos, ele se tornou a primeira pessoa a nadar de Maui a Lanai e voltar). E apesar de exercitar-se de 3 a 4 horas por dia e ficar atento ao que comia, ele engordou.
Aos 35, Attia pesava 92kg – 20kg a mais do que na faculdade. Mais alarmante, seus exames de sangue sugeriam que ele estava na trilha para a doença ardíaca. Temendo pelo futuro e sem mais opções convencionais, no final de 2009 Attia começou a eliminar mais e mais carboidratos da sua dieta, enquanto adicionava mais e mais gordura. Nos 2 anos seguintes, a sua cintura diminuiu de 91 para 79cm. Seus triglicérides, indicadores de risco cardiovascular, caíram de 154 para 22. Seu HDL (o chamado “bom colesterol”) subiu de 31 para 85 enquanto o LDL (o colesterol discutivelmente ruim) baixou de 113 para 59.
Em abril de 2011, Attia mandou um email para Taubes, fazendo algumas questões sobre o consumo de frutose versus o de glicose. Eles eventualmente combinaram de se encontrar em um café em Oakland, Califórnia. Attia veio preparado com 20 páginas de questões médicas altamente técnicas. Os dois discutiram seu interesse passional sobre a ciência da nutrição, e logo descobriram uma admiração em comum pelo físico Richard Feynman. Em pouco tempo, decidiram criar uma nova organização juntos. A Fundação Feynman, como poderia ser chamada, iria recrutar cientistas de renome mundial, de diferentes campos, para revisar a literatura nutricional existente e criar consenso.
Mas quanto mais discutiam a idéia, mais improvável parecia que meras revisões da literatura existente seriam suficientes para mudar o consenso sobre dieta. “Nós decidimo que a única maneira de fazer isso era criar essa entidade parecida com o ‘Projeto Manhattan’, para a qual você traz todos esses cientistas e remove o grande obstáculo” – financiamento – “que está evitando que eles façam o que realmente precisam fazer”, diz Attia. “Nós queríamos simplesmente dizer ‘Vão lá e resolvam isso'”.
Em Attia, Taubes achou um parceiro ainda mais motivado que ele. Attia, agora um ciclista de resistência magro, aparenta ser tão condicionado quanto Taubes (ambos treinaram boxe na juventude). Da mesma forma que Taubes, Attia planejou estudar engenharia antes de se decidir pela medicina.
O plano inicial de Taubes e Attia era começar lentamente, levantando dinheiro durante noites e fins-de-semana. Então um dia em novembro de 2011, um ex-comerciante de gás natural chamado John Arnold mandou para Taubes um email de 5 linhas. Ele tinha ouvido Taubes falando em um podcast, sobre o tipo de estudo que poderia ajudar a descobrir as causas da epidemia de obesidade. Arnold estava ouvindo atentamente. “Do pouco que sei sobre ciência da nutrição”, ele escreveu, “o seu estudo faz muito sentido”.

Taubes nunca tinha ouvido falar de Arnold. Um pouco de pesquisa no Google revelou que ele era uma lenda em seu campo. Em 2007, aos 33, ele tornou-se o mais jovem bilionário do país, tendo iniciado a carreira na Enron antes de criar seu próprio fundo de investimento, o Centaurus Energy Master Fund, onde ele provou-se quase sobrenaturalmente hábil em fazer apostas sobre o preço do gás. Em maio de 2012, Arnold anunciou que eles estava encerrando o seu fundo para focar-se em filantropia. Mais tarde naquele mês, a Fundação Laura e John Arnold deu ao NuSI um capital inicial de US$4.7 milhões. Outros US$35.5 milhões foram anunciados ano passado. “A razão pela qual a pesquisa não foi bem feita, de acordo com os cientistas que entrevistamos”, diz Denis Calabrese, presidente da fundação, “é que é caro demais. E John e Laura disseram ‘Ok. Diga-nos quanto vai custar, e vamos fazer direito'”.
Então Taubes e Attia tem o dinheiro e a missão, mas o que eles enfaticamente não tem – insistem nisso – são respostas prontas para as questões difíceis que estão fazendo. Estão deixando estas para os melhores nomes na pesquisa nutricional – muitos dos quais são altamente duvidosos da hipótese alternativa. Considere Kevin Hall, investigador sênio do Instituto Nacional do Diabetes e Doença Renal. Como outros pesquisadores do Consórcio do Balanço Energético, ele concordou em trabalhar com a NuSI somente porque compreendeu que a iniciativa não teria controle sobre o desenho, condução e relatório do estudo.
Físico de formação, Hall desenvolveu um modelo matemático que pode predizer como dietas diferentes impactam o metabolismo e a composição corporal. De acordo com o modelo de hall, a dieta com pouco carboidrato, produtora de pouca insulina, que os participantes irão comer na segunda fase do estudo metabólico deveriam ter no máximo um efeito minúsculo no total de calorias que queimam. “Eu estou cético atualmente”, Hall diz sobre a hipótese alternativa.
Rudolph Leibel, um dos pesquisadores trabalhando no estudo em Columbia, também tem dúvidas similares – porque sua própria pesquisa suporta inteiramente o modelo calorias-consumidas-calorias-gastas, que afirma que todas as calorias tem impacto igual no nosso peso. Quando Leibel fez com que participantes de um estudo bebessem fórmulas com o mesmo número de calorias, mas proporções imensamente diferentes de gordura e carboidrato, ele não viu diferenças no total de energia que consumiam.
Assim como Hall, Leibel não faz segredo das suas dúvidas sobre a hipótese alternativa. E considerando a falta de amor entre Taubes e muitos da comunidade de pesquisa nutricional, o aspecto mais surpreendente do NuSI pdoe ser que esses cientistas céticos tenham concordado em trabalhar com a organização, para começo de conversa.
Uma explicação provável é dinheiro, ou mais especificamente a ciência que o dinheiro torna possível. NuSI está dando aos pesquisadores uma oportunidade de desenvolver trabalhos ambiciosos pouco usuais. O Instituto Nacional de Saúde (NIH) poderia financiar estudos similares com poucas centenas de milhares de dólares por ano. “O NIH tem uma quantidade de dinheiro limitada, em uma época quando a ciência requer pesquisas mais e mais caras para responder questões muito mais sofisticadas”, diz David Ludwig, professor de nutrição da Escola de Saúde Pública de Harvard e diretor da Fundação Novo Equilíbrio para prevenção da Obesidade, no Hospital Infantil de Boston.
Juntamente com a co-líder Cara Ebbeling, Ludwig está supervisionando um experimento do NuSI que iniciou-se em julho de 2013. O estudo de US$13.6 milhões (dos quais US$10.3 milhões vem do NuSI) também testa a hipótese alternativa em 150 estudantes e funcionários universitários sobrepesados ou obesos, que recebem a maioria das refeições sob observação direta na lanchonete da escola.
Em contraste com Hall e Leibel, o trabalho anterior de Ludwig suportou a hipótese alternativa. E Ludwig está otimista que a ciência patrocinada pelo NuSI possa um dia mudar a maneira como pensamos sobre nutrição. “Um estudo-chave pode ser o martelo que remove o tijolo solto do paradigma vigente”.
Este aplicativo é apenas um dos exemplos da ambição do NuSI em reescrever as regras do financiamento à pesquisa nutricional, correr enormes riscos, e chegar a respostas tão rápida e inequivocamente quanto possível. “É tudo ou nada”, diz Attia, que controla as operações cotidianas do NuSI.
Taubes, também, está consciente do risco. Como Calabrese coloca, “Gary está avançando um estudo que que refuta uma teoria sobre a qual construiu sua carreira. Ele pode afundar sua própria teoria”.
Se isso acontecer, ou se NuSI falhar em esclarecer a nossa epidemia de obesidade, Taubes não estará totalmente despreparado. Na entrada da sua casa, logo no vestíulo principal, há duas fotos. Em uma delas, tirada logo antes de uma luta de boxe amadora, um jovem Taubes está de pé, com as luvas a seu lado. De camiseta e shorts, o jovem musculoso parece forte o suficiente para atravessar qualquer coisa a socos. Na outra foto, tirada cerca de dois minutos depois, Taubes está deitado, inconsciente. “É a minha proteção contra o orgulho”, diz ele. “Sempre que acho que sou bom demais e que posso fazer qualque rcoisa, ela me lembra de que não sou e nem posso, e que isso é a vida real”.
Finalmente: Ciência pesada sobre dieta
- Estudo do Hospital Infantil de Boston
- Propósito: Avaliar a manutenção da perda de peso
- Período: Julho/2013 a Junho/2017
- Participantes: 150 pessoas sobrepesadas (funcionários e estudantes universitários)
- Questão: O conteúdo de macronutrientes da dieta – proporção de carboidratos, gorduras e proteínas – afeta o armazenamento da gordura ?
- Procedimento: os sujeitos vivem em dormitórios para observação. Primeiro eles perdem cerca de 12% do peso em uma dieta que restringe todas as calorias igualmente. Então são aleatoriamente atribuídos a uma de três dietas, com proporções variadas de carboidratos e gordura. Os cientistas monitoram os sujeitos para detectar alterações fisiológicas.
- Custo: US$13.6 milhões
- Estudo do Consórcio do Balanço Energético
- Propósito: Monitorar o gasto energético e apetite
- Período: Setembro/2013 a Dezembro/2014
- Participantes: 17 homens sobrepesados e obesos, com idades entre 18 e 50 anos
- Questão: Alterar carboidratos e gordura na dieta afeta as calorias gastas ou causa mudanças hormonais ?
- Procedimento: após 4 semanas de dieta padrão designada para manter o peso, os sujeitos fazem uma alteração drástica para um dieta cetogênica (5% de carboidratos, 80% de gordura) com o mesmo número de calorias. Se a hipótese de Taubes se mantiver, a mudança na dieta deve reduzir a massa de gordura e ser acompanhada por produção aumentada de energia.
- Custo: US$5 milhões
- Estudo da Universidade Stanford
- Propósito: Testar as dietas no mundo real
- Período: Março/2013 a Dezembro/2016
- Parcipantes: 600 sujeitos sobrepesados ou obesos, com idades entre 18 e 50 anos
- Questão: Qual o efeito as dietas low-carb e low-fat, juntamente com diferenças clínicas e genéticas, tem na perda de peso ?
- Procedimento: Em um grande estudo de alimentação livre, os participantes são postos ou em uma dieta extremamente pobre em gorduras ou extremamente pobre em carboidratos, mas são permitidos comer quanta proteína (e carboidratos e gorduras) queiram. Para rastrear as rotinas ao longo de 12 meses, o NuSI está desenvolvendo um app para smartphones que monitora os hábitos alimentares e a aderência.
- Custo: US$7.4 milhões