por Marcelo Cardoso
Mais do que médico, me considero amigo dos meus pacientes. Não poderia deixar de debater sobre a tua saúde. Eu sou Cirurgião por especialidade, mas tenho uma visão bem ampla da Clínica – que pretendo sempre praticar. Como Cirurgião, por algum tempo defendi a cirurgia bariátrica como sendo uma excelente opção para o tratamento da obesidade e síndrome metabólica.
Defendi por que aprendi, por que “me ensinaram” qua as razões eram plausíveis e o resultado aceitável. Conheço as equipes de Cirurgia Bariátrica daqui da cidade, e alguns de fora. São todos absurdamente competentes – muito bons mesmo. Admiro muito os que talvez te operem, e considero um deles como meu principal professor. Se eu ou alguém da minha famíla tiver que operar, será um deles que eu vou eleger. Jamais vou questionar os profissionais, ou a técnica. Eles operam por acreditar que estão fazendo o melhor para o paciente.
Mais do que olhar um número na balança e pensar no jeito mais rápido de fazê-lo baixar, eu penso em por que as coisas ficaram assim. Enquanto eu “sabia”, porque tinham me “ensinado” que a Síndrome Metabólica e a obesidade eram condições geneticamente determinadas, característica imutável da pessoa, nada mais justo que uma medida cirúrgica, até então a única definitiva. Nada mais justo que distorcer a natureza na tentativa de consertar um problema que a própria natureza teria criado.
Acontece que não é bem assim. Acontece que o surto de obesidade e síndrome metabólica não acompanhou a humanidade em toda a sua história. Acontece que de nunca se percebeu tanto distúrbio metabólico, doenças cardiovasculares e obesidade como nos últimos 200 anos. Então as determinações genéticas humanas mudaram em 200 anos? Pioraram ainda mais nos últimos 40 anos.
Na Medicina as coisas podem ser bem simplificadas:
- Dor? Analgésicos.
- Infecção? Antibióticos.
- Pressão alta? Anti-hipertensivos.
- Glicemia alta? Hipo-glicemiantes.
- Tristeza? Anti-depressivos.
- Insônia? Hipnóticos.
- Ansiedade? Ansiolíticos.
- Obesidade “genética”? Gastroplastia com by-pass em Y de Roux (redução do tamanho do estômago, com desvio do intestino delgado).
Esse não é o modo como eu vejo a Medicina. Esse também não é o modo como eu vejo a vida.
O mais fascinante de tudo, é que eu entendo cada vez mais o desânimo do obeso com relação aos tratamentos propostos. Nada parece funcionar. Todos já fizeram as dietas mais difíceis, passaram fome, tentaram se exercitar. E o resultado? Insucesso e culpa. Culpando-se e sendo culpados. O médico, ou nutricionista afirmando que não foi feito corretamente. Que faltou esforço e dedicação. Faltou força de vontade. O paciente, fraco, indisposto, arrasado, passa até a acreditar na sua incapacidade.
A Medicina está mudando. Cada vez mais se procura entender que paciente tem a doença, além de saber que doença tem o paciente. Cada vez mais se procura entender e tratar as causas, em vez de só consertar o estrago que aparece.
Com a obesidade não é diferente. Eu mesmo já tinha estudado e tentado tudo na tentativa de ajudar os pacientes. Realmente nada funcionava bem. E eu não entendia. Mas tudo bem, estávamos lutando contra a genética, contra a natureza de algumas pessoas condenadas a engordar.
Até o dia em que um novo paciente, ex-obeso – que consultou por outro motivo – me respondeu como se alimentava. Eu fiquei apavorado. Estava fazendo tudo errado. Mandei que ele respeitar as orientações da nutricionista. Ele não me questionou. Só pediu pra eu dizer o que achava de um artigo médico. Fui ler acho que uns 2 meses depois…
O artigo basicamente descrevia o processo de Resistência Insulínica e sua relação com obesidade e Síndrome Metabólica. Diferente do conhecimento convencional, mas incrivelmente lógico e embasado. Nesse momento eu tive que tomar a decisão que muitos dos meus colegas ainda têm resistência em tomar: Admitir que estava errado. Admitir que tinha que mudar a maioria dos conceitos que regiam o entendimento das doenças mais comuns que chegavam ao consultório. Admitir que o que eu, e a maior parte da classe médica considerava como conhecimento sólido, não tratava adequadamente e muitos métodos fizeram e fazem mal aos pacientes…
A partir daí foi muito estudo e diálogo com outros médicos e outros profissionais dedicados a estes assuntos.
Hoje, e pela primeira vez, se tem uma resposta satisfatória para aqueles problemas. Hoje se explica com suficiente clareza as causas e consequências, sem simplesmente culpar a genética ou o acaso.
Agora, pra mim, já não se justifica mais aplicar insulina em quem tem hiperglicemia e produz insulina 20x o valor normal. Já não faz mais sentido orientar comer pequenas porções de carboidratos 6x ou 12x/dia pra quem é intolerante à glicose (carboidrato). Já não se justifica proibir o consumo de gorduras porque o próprio figado está produzindo gorduras em excesso. Já não se justifica proibir o consumo de sal porque a pressão sanguinea está aumentada. Assim como não se justifica mais cortar o estômago para que se sacie mais facilmente e desviar o trânsito do intestino para reduzir a absorção e diminuir a secreção de insulina e grelina, promovendo assim o emagrecimento. Pra mim, a lógica usada em qualquer dessas situações é a mesma, e reflete o extenso conhecimento dos problemas, e a total falta de embasamento real sobre as causas.
Tomar 12 medicamentos para manter o colesterol “artificialmente normal”, os triglicerídeos “artificialmente normais”, a glicemia “artificialmente normal”, o coração “artificialmente normal”, o ânimo “artificialmente normal”, os ossos “artificialmente normais”, a pressão “artificialmente normal”, o sono “artificialmente normal”… significa preferir uma vida “artificialmente normal”. Pra muitos isso é uma opção.
Tenho escutado de vez em quando “Dr. me devolve meus remédios, mas deixa eu poder viver sem me preocupar. É só tomar os remédios e resolve rápido. Se tem efeitos colaterais eu não vejo”. Essa não me parece uma boa opção.
Hoje, pra mim, Cirurgia Bariátrica é dizer “Dr. opera a minha barriga, mas deixa eu emagrecer sem me preocupar. É só operar e emagrece rápido. Se tem efeitos colaterais eu não vejo”.
Emagrecer com saúde é possível. Não é obrigatório operar. É possível e bastante provável emagrecer rápido operando. Também é possível não emagrecer tanto operando… Mas jamais – JAMAIS – vai se emagrecer com mais benefícios em saúde que o emagrecimento desencadeado pela melhora metabólica promovida pelo estilo de vida adequado. Mais satisfatório que elogiar a colega que emagreceu por meios forçados, é ser elogiada por todos pela mesma conquista, mas que veio de dentro.
ENVIADA EM AGOSTO DE 2013.
Hoje considero que a cirurgia ainda é válida. Válida para a imensa maioria das pessoas – a quase totalidade – que prefere os atalhos e os prazeres, independentemente do preço a pagar.