Um cauteloso conto sobre muco: antes e depois

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Michael Eades, M.D.

Vamos fazer um exercício de imaginação. Assumamos que lá atrás, nos dias iniciais da medicina, os doutores sempre queriam nos ver botando para fora, pela tosse, o muco dos nossos pulmões. Uma vez que muco é um tipo de incubadora para todo tipo de bactéria perigosa, faria sentido nos dias antigos, pré-antibióticos, querer que os pacientes se livrassem dessa coisa na maior quantidade possível, para que as bactérias não pudessem mais fazer sua bagunça.

Vamos assumir ainda que os doutores de antigamente - que não percebiam que o excesso de muco era a maneira do corpo livrar-se de alguma coisa estranha, por exemplo bactérias ou vírus que causavam a infeção - começaram a associar quantidades "saudáveis" de muco expectorado com boa saúde. Não é um salto muito grande imaginar esses doutores supondo que se eles conseguissem fazer os seus pacientes tossirem o tempo todo, o sistema respiratório ficaria livre do muco que hospeda todos os patógenos que causam os problemas de pulmão. Os boticários apareceriam com concocções que fariam as pessoas tossir, ainda que não precisassem.

Agora vamos imaginar que a idéia de que expectorar grandes quantidades de muco atinja o ponto de uma obsessão nacional. As pessoas, especialmente as mais velhas, para as quais infecções respitarórias são muito mais perigosas, discutiriam umas com as outras sobre quanto catarro produzem, e com que frequência. Se elas não tossem tanto quanto ou tão produtivamente quanto aquelas ao seu redor, elas decidem ir a médicos que prescrevem um remédio indutor de tosse. Pessoas em toda parte estão obcecadas em manter os seus sistemas respiratórios limpos.

Então, alguém chega e diz "Ei, todo mundo! Eu tenho o produto perfeito para manter todo mundo tossindo produtivamente. Usem meu produto e antes que percebam, estarão tossindo até a cabeça doer e livrando seus pulmões de todo aquele lixo nojento. Aqui, experimente um desss. É chamado 'cigarro'".

No mundo moderno, todos nós sabemos o que os cigarros fazem. A irritação da fumaça danifica o tecido dos tubos que carregam o ar para dentro e para fora dos pulmões. À medida que o estrago continua, as células caliciformes (chamadas assim porque parecem pequenos cálices), que produzem o muco, aumentam de tamanho e número, produzindo mais muco para cobrir e proteger as células que cobrem as vias aéreas. Enquanto o tabagismo segue, também segue o dano, e também o trabalho dobrado das caliciformes. No final das contas, em muita gente, a produção do muco protetor não é capar de acompanhar os efeitos danosos da fumaça e machucados celulares ocorrem. Essas celulas então deixam de funcionar apropriadamente, e finalmente morrem. São então substituídas por novas células, que entram no mesmo ciclo. Em algum ponto ao longo do caminho uma dessas células, devido aos efeitos da fumaça, sofre uma transformação maligna e começa a se reproduzir. Quando isso acontece, nasce o câncer de pulmão.

Nós sabemos o que acontece aos pulmãos com o tabagismo. Todos sabemos que toda a tosse e produção de muco não são coisas boas - não estão nos protegendo de doenças; são o resultado da doença. Mas e se vivêssemos numa sociedade que adorasse expelir muco todo dia, quanto tempo levaria para perceber que fumar não é particularmente bom para nós ?

Nessa sociedade de amantes do muco, um pesquisador aparece e escreve um efeito mostrando como os cigarros causam um aumento do muco. Ele fala com a impresnsa e conta a eles sobre a sua pesquisa dizendo "Eu agora descobri como esses maravilhosos cigarros aumentam a nossa produção de muco. Eles danificam as células, que então produzem mais muco para se protegerem. É realmente maravilhos como o corpo responde desta maneira. Agora que sabemos como tudo funciona, vamos sair e fumar ainda mais".

Absurdo, você está provavelmente pensando. Só se você vivesse numa sociedade que  não idolatra a produção regular de muco.

Nós vivemos em uma sociedade que idolatra a movimentação intestinal regular. Médicos pelos últimos séculos tem focado muito dos seus esforços garantindo a regularidade de seus pacientes. Muitas pessoas, os mais velhos especialemtne, são obcecados com os movimentos intestinais diários. A maioria das pessoas, se perguntada, iria provavelmente dizer que não é bom ter matéria fecal parada no cólon. Livre-se dela, eles diriam. Não pode ser saudável. Da mesma maneira que escapou à percepção dos doutores no cenário que imaginei acima, os animais selvagens não produzem quantidades copiosas de muco diariamente. Escapou à percepção dos doutores que na natureza, especialmente os carnívoros, não tem sempre movimentos intestinais diários, e que quando eles tem, suas fezes não são sempre enormes e moles.

Na nossa sociedade de adoração à regularidade intestinal, há uma coisa que garante a regularidade. Ela é chamada fibra. É vendida em toda parte, sob diversas formas. Todo tipo de "experts", dos nosso médicos aos nossos avós, nos encoragam a comer bastante fibra. Se não conseguirmos o suficiente das comidas que comemos, somos encorajados a comprar suplementos. Todo mundo está no bonde da regularidade, e por extensão, no bonde da fibra. A muito desprezada Jane Brody escreveu incontáveis vezes sobre os benefícios da fibra, o WebMD nos encoraja a engolir a nossa cota, e mesmo C. Everett Koop nos exorta a manter a fibra entrando. E, apesar de numerosos estudos mostrando que a fibra não faz nada por nós em termos de saúde, todo mundo continua a recomendá-la.

Para parafrasear John Huston: Evidência ? Não temos evidência. Não precisamos de evidência. Não temos que te mostra nenhuma evidência fedorenta.

Nessa sociedade de amantes do movimento intestinal, chega um pesquisador e escreve um artigo mostrando como a fibra aumenta a regularidade. Nosso intrépido pesquisador é o Dr. Paul L. McNeil; ele é um biólogo celular da Faculdade de Medicina da Georgia. Vou deixá-lo dizer como tudo funciona.

Quando você come comidas ricas em fibras, elas se chocam com o tecido do trato intestinal, rompendo sua camada externa. O que estamos dizendo é que esses choques e rasgos aumentam o nível de muco lubrificante. É uma coisa boa.

Sério ?

E ele continua

É um pouco paradoxal, mas o que estamos dizendo é que um machucado no nível celular pode promover a saúde do trato gasatrointestinal como um todo.

Sério ?

Ele continua a explicar que mesmo que células epiteliais geralmente vivam menos de 1 semana, elas são bombardeadas regularmente, em muitos de nós ao menos 3 vezes por dia, quando a comida passa.

Essas células são um fronteira biológica que separa o mundo interno, se quiser pensar assim, desse mundo externo imundo. Numa escala celular, asperezas tais como grãos e fibras que não podem ser completamente digeridas, são um desafio mecânico a essas células.

Mas no que ele e seu colega Dr. Katsuya Miyake veem como resposta adaptativa, a maioria dessas células rapidamente reparam o dano, e no processo, excretam ainda mais muco, que provê um pouco de proteção celular enquanto facilita a passagem da comida pelo trato.

Conforme reportado no ScienceDaily
Em pesquisa publicada em 2003 nos Procedimentos da Academia Nacional de Ciências, o Dr. McNeil mostrou prova da sua hipótese de décadas de que células com membrana interna a usam para reparar danos potencialmente fatais nas membranas externas. Um artigo recente publicado na Nautre em colaboração com o laboratório do Dr. Kevin Campbell na Universidade de Iowa mostrou como a doença humana, incluindo algumas formas de distrofia, podem resultar de uma falha desse mecanismo.
Um rasgo na membra externa é como uma porta aberta através da qual o cálcio no exterior da célula simplesmente corre para dentro. Muito cálcio é letal, mas aquele primeiro "gosto" já sinaliza para a célula que ela tem que fazer alguma coisa rápido. Com as células epiteliais, diversos dos compartimentos internos repletos de muco se fundem em cerca de 3 segundos, formando um remendo para cobrir o rasgo. No processo os compartimentos expelem seu conteúdo então, quase como um bônus, muco extra fica disponível para lubrificar o trato gastrointestinal.
E um último parágrafo
Os cientistas não estão certos sobre quantas vezes as células podem ser agredidas, mas suspeitam que a taxa de morte celular é alta por causa do ataque constante. Substâncias potencialmente cáusticas, tais como álcool e aspirina, podem produzir tanto estrago que o mecanismo natural não consegue acompanhar. Mas eles duvidam que uma overdose de grãos seja possível.
(Você pode clicar aqui para ler esse estudo na íntegra)

Então, temos uma situação na qual um produto causa dano às células que recobrem um tubo, fazendo com que elas produzam montes de muco na tentativa de se proteger. No processo, muitas dessas células morrem e são substituídas por outras células. E isso é percebido como uma coisa boa.

A minha questão é: é realmente uma coisa boa ?

Comentários

  1. Muito interessante esse raciocínio.
    Como ultimamente temos aprendido a pensar "fora da caixa" quebrando paradigmas não mais me surpreenderia que o questionamento do Dr. Michael Eades seja o melhor para nós e não o contrário - o padrão.
    Sad but true?

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