Linhaça: não é tão boa quanto você tem sido levado a crer
Esse artigo foi postado como um comentário no blog do Dr. Souto. Gostei muito, e resolvi re-postar aqui, com correções mínimas. O texto original, em inglês, está aqui.
Por Scott Kustes
A linhaça é comumente apontada como uma boa maneira para que todos possam obter o seu ômega-3 (ácido graxo ômega-3). Adicione um pouco de linhaça ao seu cereal matinal! Adicione à sua torrada! Acrescente seu óleo como molho de sua salada! Más notícias para os vegetarianos: estou desfazendo o mito de que a linhaça seja uma boa maneira de obter seus ômega-3.
Esta é a singela razão pela qual a adição de sementes de linhaça ou seu óleo não funcionam do jeito que você gostaria que fizessem: a linhaça contribui com um ômega-3 conhecido como ácido alfa-linolênico (ALA). O problema com o ALA é que é um ácido graxo de cadeia curta, com apenas 18 carbonos de comprimento, enquanto o corpo necessita os ácidos graxos de cadeia longa, conhecidos como ácido eicosapentaenóico (EPA) e ácido docosahexaenóico (DHA). (Basta lembrar as siglas, não há nenhuma razão para memorizar esses nomes).
Assim, o corpo converte o ALA de cadeia curta em EPA e DHA de cadeia longa. Infelizmente, este processo é muito ineficiente, na ordem de 5 a 10%. Ironicamente, quanto maior o seu consumo de gordura saturada, mais eficiente é esse processo. Mas a maioria das pessoas que utiliza a linhaça está “muito preocupada” com sua saúde e evita a gordura saturada como se fosse uma lepra (o que é uma tosca generalização, não há nenhuma fonte confiável para isso).
Convertendo ALA em EPA e DHA
Aqui há um pouco de jargão técnico. Atenção: há mais informações do que você realmente necessita adiante! Os próximos parágrafos podem ser deixados de lado se você não achar necessário.
Quando você ingere ALA, o corpo tem que convertê-lo em EPA e DHA através de várias etapas de dessaturação e alongamento. Nesse link temos um fluxograma básico das ações dos passos de dessaturação e alongamento. Você poderá ver (no canto superior esquerdo do gráfico), que você tem o ALA, que sofre a ação da delta-6 desaturase para formar o ácido estearidônico, um outro ômega-3 de 18 carbonos. Esse ácido graxo é alongado pela inserção de um grupo etil para formar o ácido eicosatetraenóico, com 20 carbonos de comprimento; estamos chegando mais perto. Um pouco de ação da delta-5 desaturase nos dá EPA, mas ainda faltam 2 carbonos para o DHA. Mais uma vez, temos que alongar para obter o ácido docosapentaenóico e depois deixar a delta-4-desaturase convertê-lo em DHA.
Tudo parece tão simples, mas que não leva em conta os fatores que podem inibir a ação das dessaturases. Por exemplo, o álcool, a diabetes, o açúcar, e o envelhecimento – todos inibem a delta-6-dessaturase, o que significa que cada um desses elementos reduz a eficiência do primeiro passo da conversão de ALA em EPA. A delta-5-dessaturase é inibida pelo EPA, o que significa que o corpo trabalha para diminuir a produção de EPA quando o EPA é elevado. Altos níveis de ômega-6 na dieta também pode afetar as conversões. Há prováveis outros elementos do estilo de vida que inibem a ação desses dessaturases.
Tecnicamente, a linhaça é uma boa fonte de ômega-3, apenas é a forma errada do mesmo. Então, do ponto de vista puramente lógico, faz sentido se concentrar em obter o EPA e o DHA que o corpo utiliza diretamente, ao invés de tomar um precursor e esperar pelo melhor…
E as melhores fontes de EPA e DHA são produtos de origem animal, especialmente carnes de peixes e gado de pasto. As melhores fontes são (em ordem) peixes de água fria, carne alimentada com pasto e ovos (ovos caipiras!). No entanto, entendo que para se obter uma boa e elevada ingestão de ômega-3, a suplementação é necessária, especificamente a suplementação com óleo de fígado de bacalhau e óleo de peixe. Eu uso óleo com sabor de limão Carlson’s Very Finest tomando uma colher de sopa de ambos: de fígado de bacalhau e óleos de peixe por dia para um total de 3g de DHA e 3,5 g de EPA, mais ou menos. O óleo de fígado de bacalhau também contribui naturalmente com 2100 a 3600 IU de vitamina A e com 1200 UI de vitamina D.
Tratando da inflamação
Mas aqui está outra dica. Um dos grandes benefícios do ômega-3 é sua propriedade anti-inflamatória. Uma vez que nós queremos manter a inflamação reduzida, faz sentido em primeiro lugar, evitar alimentos, atividades e fatores de estilo de vida que causam a inflamação e, a seguir, complementar o nosso organismo para ajudar a combater a inflamação restante. Nesse ponto parece haver informações conflitantes sobre a suplementação com óleo de linhaça quanto ao aumento da quantidade da inflamação. Alguns estudos dizem que aumenta a inflamação, alguns dizem que não interfere nesse processo, outros dizem que diminui a inflamação.
Se você realmente precisa de justificativa para aumentar a sua ingestão de ômega-3, ácidos graxos ômega-3 foram demonstrados como redutores do risco de doença cardiovascular e acidente vascular cerebral, ajudantes contra a depressão, possíveis retardantes da doença de Alzheimer, e protetores contra a diabetes tipo I. A lista está sempre aumentando; pesquise em PubMed (biblioteca médica nacional do EUA) para “óleo de peixe” e qualquer doença / condição que você deseja conhecer. Você provavelmente vai descobrir alguma maneira de como o ômega-3 pode auxiliar. Deficiências em ácidos graxos estão associados com uma diminuição da função cognitiva (inclui Alzheimer), incremento no déficit de atenção (DDA), pele seca, alergias, fadiga e diminuição da imunidade.
O Índice Ômega-6/Ômega-3 é o mais importante
O mais importante é a relação ômega-6/ômega-3. A razão típica entre os americanos é de cerca de 20:1, mas deveria estar mais numa média entre 2:1 a 1:1. Então, juntamente com o aumento da quantidade de ômega-3 que você tomar, você precisa reduzir a quantidade de ômega-6 que você ingere.
As principais fontes de ômega-6 são os mesmos alimentos que temos sido estimulados a ingerir aos montes: óleos vegetais e grãos. A ingestão elevada de ômega-6 efetivamente inibe a capacidade do corpo para utilizar o ômega-3 porque ocupam muitas das mesmas vias metabólicas.
Ômega-6 são pró-inflamatórios, enquanto o ômega-3 é anti-inflamatório; para otimização eles devem estar em equilíbrio. No final de contas, ômega-6 promovem o crescimento de tumores (como da próstata), juntamente com desordens inflamatórias e autoimunes - ocorrências das quais explodiram na última metade do século XX.
Coma alimentos que seu corpo reconhece
Eu vou dizer o contrário: evite óleos vegetais e grãos. São substâncias artificiais que não têm lugar numa dieta saudável entre os seres caçadores-coletores. Se você está comendo uma dieta adequada de carne, legumes, nozes, sementes, gorduras, frutas e tubérculos, provavelmente você está indo muito bem. Um pouco de grãos não vai te prejudicar, mas grãos em quantidade irão. E os óleos vegetais provavelmente vão se tornar rançosos durante o tempo você estiver utilizando-os pois, os óleos poliinsaturados são muito instáveis. Assim largue de mão o óleo de milho e o óleo de amendoim e utilize azeite de oliva, gordura de coco, de palma e as gorduras de animais de pasto.
Você escolhe: sementes de linhaça com uma boa dose de esperança, ou carne e frutos do mar?
Ainda bem, nunca gostei. Tem gosto de terra =D
ResponderExcluirÓtimo artigo! Me lembra muito do "feijão" fonte de ferro ineficiente, já a carne fonte de ferro eficiente.
ResponderExcluirOk. Daí você vai ver um vídeo no you tube de um médico dizendo que azeite de oliva não é tão saudável assim. Que deveríamos comer as comidas como elas são e não prensadas a frio ou sei lá o que.
ResponderExcluirOutra, os coletores-caçadores não compravam suplemento de óleo de peixe. Mas não, suplementos de óleo de peixe não são artificiais, certo? Agora, a tão chamada dieta paleolítica já está induzindo as grandes empresas a lançarem um novo suplemento, o suplemento da carne, músculo moído. Já chegou nas prateleiras: carnivore. A conveniência humana chega a extremos quando queremos defender nossos radicalismos.
Concordo com tudo o que você disse, Alex. A indústria é perigosa mesmo: ela vai sempre tentar encontrar o nicho de mercado onde possa te empurrar produtos. A indústria low-carb já existe faz tempo, e embora ainda seja bem menor que a do low-fat, ela está crescendo paulatinamente.
ExcluirPrecisamos ficar atentos para não começarmos a comprar produtos cheios de química para substituir outros produtos cheios de química, apenas porque "o rótulo nos que é saudável".
Eu falei um pouco sobre isso um tempo atrás:
http://www.paleodiario.com/2013/10/nao-trocamos-pao-sem-manteiga-por-pao.html
Eu, de minha parte, já deixei de tomar suplemento de óleo de peixe faz tempo. A qualidade dos vendidos no Brasil não é confiável, e consigo ômega 3 em quantidade da carne vermelha (inteira, nada de suplemento moído de origem duvidosa) e da (pouca) linhaça que consumo.
O ponto que você citou, sobre as opiniões contraditórias dos profissionais de saúde, é sensível e só tende a piorar: é estratégia da indústria alimentícia manter o público cheio de notícias e indicações contraditórias, sempre - assim, nunca conseguimos ter uma opinião formada. A carne de porco faz bem essa semana, e na semana seguinte faz mal. Idem para o ovo, a chia, etc...
Recomendo fortemente esse documentário aqui:
http://www.paleodiario.com/2014/04/documentario-perfect-human-diet.html
Meus parebens pelo blog.
ResponderExcluirO que voce acha desta contestação?
"
A semente de linhaça contém de 18 a 24% de ômega-3, enquanto o de peixe possui apenas de 0 a 2%. Isso é significativo porque muitas pessoas pensam erroneamente que precisam comer peixe a fim de obter o AEP derivado de ÔMEGA-3 para a proteção do coração e das artérias. Pesquisas abundantes sobre esta questão indicam que isso não é verdade. A semente de linhaça tem muitas vantagens em relação ao óleo de peixe. A primeira é que o ômega-3 é um bloco de construção básico no corpo humano para muitas funções ,sendo apenas uma delas produzir AEP. O óleo de peixe não fornece ômega-3; ele fornece AEP e,portanto, limita as opções do corpo para fazer o que precisa a partir do ômega-3. Assim, o ômega-3 é uma fonte nutricional melhor que o óleo de peixe rico em AEP."
Olá, Yuri
ExcluirAcho que o próprio artigo já responde a contestação :-) Sim, linhaça tem ômega-3 - mas ela não é tão biodisponível quanto querem que acreditemos... A conversão de ALA em EPA/DHA não é eficiente - então ainda que a linhaça tenha MAIS ômega-3, no final das contas MENOS dele acaba sendo aproveitado.
Mas não me entenda mal: eu adoro linhaça e como (faço pães com farinha de linhaça, por exemplo, ou como linhaça em grãos com abacate amassado e mel). Só não como muito :-)
`Porque nao come muito?
ExcluirEu postei que tinha mais porque talvez sabendo disso no fim a absorção seja 'comparavel'.!
Afinal minha conversão, por exemplo, deve ser otima: nao tenho problemas com glicemia, não bebo alcool, sou jovem e sigo uma otima dieta para não envelhecer, não como açucar industrial..
Acha que posso concluir então que minha absorção de EPA e DHA a paritr do oleo de linhaça, visto ter maior quantidade, bem maior alias, de omega 3, seja maior que se utilizasse oleo de figado de peixe?
Afinal, se um tem 22% e outro 2%, mesmo com fator de conversão baixo - e o meu caso, como exemplo, esta alto - não justifica o a preferencia pela linhaça e não pelo Oleo de Peixe?
E,contanto com antinutrientes que prevalescem apos deixar a linhaça de molho - nao sei quanto nem se prevalescem de fato - poderia utilizar o oleo de linhaça, e talvez este seja ainda mais concentrado em omega 3 (vou pesquisar)..
Estou refletindo contigo.
Obrigado pelo post e pelo blog.
Olá, Yuri! Supondo que a linhaça tenha os 24% máximos de ômega-3 que você listou, e que o ALA seja convertido em EPA/DHA com 10% de eficiência (o máximo que o artigo listou). Isso vai dar 2.4% de aproveitamento prático. Nestas condições, eu troco feliz a linhaça por um peixe gordo com 2% de EPA/DHA :-)
ExcluirDe qualquer maneira, eu estou traduzindo um outro artigo sobre essa briga ômega-6/ômega-3. A minha opinião está mudando :-)