Fibras - os anti-nutrientes

Artigo traduzido por Guilherme B. Ceolin. O original está aqui.

Por Dr. Jason Fung

Quando consideramos os benefícios nutricionais dos alimentos, pensamos em vitaminas, minerais e demais nutrientes que eles contêm. Pensamos naqueles componentes dos alimentos que nutrem o corpo. As fibras, por sua vez, são completamente diferentes. A chave para entender o efeito das fibras é perceber que seus benefícios não são os de um nutriente, mas de um anti-nutriente. Se você tem uma doença de excesso de nutrientes, como na obesidade ou Diabetes Tipo-2, os anti-nutrientes são opções terapêuticas úteis.

Em contraste com a maioria dos alimentos, as fibras têm a rara capacidade de reduzir a absorção e a digestão. Fibras restringem em vez de adicionar. No caso de açúcares e insulina, isso é bom. As fibras solúveis reduzem a absorção de carboidratos, o que, por sua vez, reduz os níveis de glicemia e insulina. Em um estudo, os pacientes com Diabetes Tipo-2 receberam refeições líquidas contendo 55% de carboidratos com ou sem adição de fibras dietéticas.

                    Eixo Y: Insulina Plasmática. Eixo X: Tempo. ADA: Associação American do Diabetes.


As fibras reduziram os picos de glicose e insulina, apesar de os pacientes consumirem exatamente a mesma quantidade de carboidratos. As fibras atuam como um anti-nutriente. Como a insulina é o principal promotor da obesidade e do diabetes, esta redução é benéfica. Em essência, as fibras atuam como uma espécie de "antídoto" para os carboidratos, que, nesta analogia, são o "veneno". Os carboidratos, mesmo o açúcar, não são literalmente venenosos em quantidades normais, mas essa comparação é útil para entender o efeito das fibras.

Não é coincidência que praticamente todos os alimentos vegetais, em seu estado natural e não refinado, contém fibras. A Mãe Natureza, portanto, pré-embalou o "antídoto" com o "veneno". É assim que as sociedades tradicionais podem comer dietas ricas em carboidratos sem evidência de obesidade ou Diabetes Tipo-2. Os nativos de Okinawa, no Japão, por exemplo, baseiam sua dieta na batata-doce e consomem aproximadamente 80% de suas calorias como carboidratos. Altas concentrações de fibras os protegem contra a obesidade. Até recentemente, eles eram um dos povos mais longevos da Terra. Os Kitavanos de Nova Guiné seguiam uma dieta estimada em cerca de 70% de carboidratos sem evidências de prejuízo à saúde. A única diferença crítica é que esses carboidratos são todos não refinados. A toxicidade reside no processamento.



As dietas ocidentais são distintas por uma característica definidora. Não é a quantidade de gordura, sal, carboidratos ou proteínas que distingue a dieta ocidental de todas as outras dietas tradicionais do mundo. São os altos níveis de processamento de alimentos. Os supermercados ocidentais típicos são preenchidos com alimentos altamente refinados em caixas, latas ou carboidratos refinados congelados, mas também óleos refinados e proteínas refinadas. Os mercados asiáticos tradicionais estão, em vez disso, cheios de carnes frescas e vegetais. Muitas culturas asiáticas compram alimentos frescos diariamente, de modo que o processamento para prolongar a vida útil não é nem necessário nem bem-vindo. Os norte-americanos vão comprar mantimentos por semanas ou mesmo meses, tudo de uma vez. As varejistas como a Costco, que movimentam grandes volumes, por exemplo, dependem disso.

Fibras e gorduras são dois ingredientes essenciais removidos no processo de refinação. As fibras são removidas para alterar a textura e fazer com que os alimentos tenham um gosto "melhor". No entanto, o efeito da saciedade é perdido. Quando as fibras “absorvem” os alimentos que comemos, isso ativa os receptores de estiramento no estômago que sinalizam ao corpo (através do nervo vago) que devemos parar de comer. Quando você come demais no buffet, toda a comida ainda não está digerida e está assentada no estômago. Então, seu corpo ainda não tem ideia de quantas calorias de alimentos você comeu. Mas seu estômago está super distendido como um melão maduro, e você se sente cheio e talvez um pouco enfastiado/nauseado.

As gorduras naturais são removidas para prolongar a vida útil, pois as gorduras tendem a ficar rançosas com o tempo. Por exemplo, farinha branca tem praticamente toda a fibra natural e gordura removidas durante o processamento. Isso nos expõe ao perigo total dos carboidratos nus, o que causa os altos níveis de insulina que se seguem. O "veneno" é ingerido sem o "antídoto". O efeito protetor das fibras e das gorduras é removido.

Enquanto os carboidratos integrais, não processados, praticamente sempre contêm fibras, as proteínas e as gorduras dietéticas não contêm quase nenhuma fibra. Nossos corpos evoluíram para digerir esses alimentos sem a necessidade de fibra. O "antídoto" é desnecessário sem o veneno. Aqui novamente, a Mãe Natureza provou ser muito mais sábia que nós.

Os alimentos naturais têm um equilíbrio de nutrientes e fibras que evoluímos ao longo de milênios para consumir. O problema não é com cada componente específico da comida, mas o saldo total. Por exemplo, suponha que vamos assar um bolo com um equilíbrio de manteiga, ovos, farinha e açúcar. Agora, decidimos remover completamente a farinha e dobrar os ovos. O bolo fica horrível. Os ovos não são necessariamente ruins. A farinha não é necessariamente boa, mas o equilíbrio está desbalanceado. O mesmo vale para os carboidratos. Todo o pacote de carboidratos não refinados, com fibras, gorduras, proteínas e carboidratos não é necessariamente ruim. Mas remover tudo, exceto os carboidratos, pode destruir o equilíbrio e torná-lo nocivo para a saúde humana.



A remoção de proteínas e gorduras pode levar ao consumo excessivo. Existem hormônios que causam saciedade natural (Peptídeos YY, colecistoquinina) que respondem a proteínas e gorduras. Comer carboidratos puros não ativa esses sistemas e leva ao excesso de consumo. Por exemplo, um copo de suco de laranja exige 4-5 laranjas. É difícil comer 4-5 laranjas, com todo o bagaço associado. No entanto, ao beber apenas a porção de carboidratos e descartar o resto, você pode consumir excessivamente esse carboidrato. Outro problema surge porque os carboidratos relativamente puros resultam em maior velocidade de digestão. O aumento rápido da glicose no sangue resultará no rápido aumento da insulina. 

A toxicidade não está na alimentação, mas no processamento.

O nutricionismo, no qual os alimentos são considerados com base no seu conteúdo de macro-nutrientes, escondeu os perigos do refino por muitos anos. Os grãos integrais e os vegetais, bem como os açúcares foram considerados semelhantes, porque todos foram classificados como carboidratos. Mas os carboidratos refinados e não-refinados não são iguais.


                     Eixo Y: risco relativo. Eixo X: consumo de fibras. Eixo Z: índice glicêmico.
                    High: alto. Medium: médio. Low: baixo.


Fibras e Diabetes do Tipo-2 

Tanto a obesidade quanto o Diabetes Tipo-2 são doenças causadas por insulina excessiva. A resistência à insulina se desenvolve ao longo do tempo, com insulina persistentemente elevada. Se as fibras podem proteger contra a insulina elevada, então devem proteger contra o Diabetes Tipo-2. Isso é exatamente o que os estudos mostram.

Os estudos batizados como Nurse’s Health Studies 1 e 2 (Estudos da Saúde das Enfermeiras 1 e 2) monitoraram os registros dietéticos de milhares de mulheres ao longo de várias décadas. Em geral, o risco de Diabetes Tipo-2 aumenta à medida que o índice glicêmico (IG) aumenta. Isso não é surpresa. Este estudo também foi capaz de confirmar o efeito protetor da ingestão de fibras. As mulheres que comeram uma dieta com IG alto, mas que também comeram grandes quantidades de fibras de cereais, estavam protegidas contra o Diabetes Tipo-2. Em essência, esta dieta era alta em "veneno", mas também alta em "antídoto" ao mesmo tempo. Então, os dois se cancelam sem efeito líquido. As mulheres que comeram uma dieta com baixo IG (pouco "veneno"), mas também com poucas fibras (pouco “antídoto”) também foram protegidas. Mais uma vez, os dois cancelaram-se mutuamente.

Todavia, a combinação mortal de uma dieta com alto IG (alto "veneno") e um baixo nível de fibras (pouco "antídoto") aumenta o risco de Diabetes Tipo-2 em terríveis 75%. Este é o efeito exato do refino dos carboidratos - aumento do índice glicêmico e diminuição das fibras.

O enorme Estudo de Acompanhamento dos Profissionais de Saúde estudou 42.759 homens em 6 anos, com os mesmos resultados, essencialmente. Uma alta carga glicêmica e de fibras não confere nenhum risco adicional de Diabetes Tipo-2. Uma baixa carga glicêmica e poucas fibras também não têm risco aumentado. Mas a dieta alta em carga glicêmica (veneno) e baixa em fibras (antídoto) aumenta o risco de doença em 217%. Ouch! O estudo da Aterosclerose e Resistência à Insulina confirma que as fibras são um importante fator protetor contra a resistência à insulina.

                        
                        Eixo Y: risco relativo. Eixo X: carga glicêmica. Eixo Z: consumo de fibras. 
High: alto. Medium: médio. Low: baixo.


O Estudo da Saúde das Mulheres Negras demonstrou que uma dieta com alto índice glicêmico estava associada a um aumento de 23% do risco de Diabetes Tipo-2. Uma ingestão elevada de fibras de cereais, em contraste, foi associada a um risco 18% menor de diabetes. Um dos passos principais na perda de peso é a adição de fibras. Ainda melhor, não remova as fibras dos alimentos naturais que a contêm.

A toxicidade reside no processamento

Os carboidratos, na sua forma natural, integrais e não processados, com exceção do mel, sempre contém fibras. É precisamente por isso que a comida lixo e os Fast Foods são tão prejudiciais. Eles são a própria definição de alimentos altamente processados. O processamento de alimentos e a adição de produtos químicos alteram o alimento em uma forma que nossos corpos não se desenvolveram para lidar. É exatamente por isso que são lixo.

Guilherme Ceolin é mais um animal bípede e tagarela tentando encontrar seu lugar no mundo, que calhou de ser biólogo e doutor em Botânica. Paga suas contas atuando como professor universitário federal na UFSM-FW, onde desenvolve projetos com temas ligados ao mundo das plantas, sejam elas bonitas ou feias, saborosas ou não. Se diverte, relaxa e desestressa lendo e escrevendo sobre divulgação científica (Deviante, onde também participa do Scicast Podcast) e literatura (Wattpad), brincando com os filhos, pesquisando ingredientes, cozinhando e comendo.

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