E se o combate à obesidade canina for um enorme equívoco?
por Danilo Balu
Em 2015, eu e minha mulher decidimos ir passar um ano na Irlanda. Por causa do custo e da burocracia decidimos deixar durante o período em Lavras, uma pequena cidade no interior de Minas Gerais, nossa cadela Eva (um misto de Labrador com Fila Brasileiro). Quando retornamos ao Brasil encontramos uma cachorra bem acima do peso, ainda que tivesse amplo espaço para brincar (ela vivia solta em um sítio) e comendo da ração mais cara (super premium).
De volta a SP, passeando diariamente com ela, eu esperava que ela fosse perder alguns dos muitos quilos. Sem sucesso. Desde a formatura, emagrecimento, esporte, condicionamento e atividade física sempre foram constantes em minha vida profissional. Tanto é que resolvi escrever meu primeiro livro. Em “O Nutricionista Clandestino” eu discuto como nossa sociedade vive uma crise de obesidade jamais vista ainda que tenha, desde os anos 70, seguido as diretrizes nutricionais apoiadas por médicos, nutricionistas e políticos.
No desafio de tentar fazer com que a Eva emagrecesse fiz uma breve pesquisa na internet, afinal, emagrecer seu cão não deveria ser assim tão difícil, uma vez que, diferente de nós, você consegue controlar todo o acesso dele à comida. Pois lendo esses conselhos profissionais encontrei um recorrente apelo a duas ideias: mais atividade física (chegando até mesmo à sugestão de uma academia para cachorros) e dieta para emagrecer.
Não é porque eu já passeie longamente com ela todos os dias, de domingo a domingo, faça chuva ou faça sol, mas as razões de achar a ideia ineficaz para fazê-la emagrecer eu discuti amplamente em meu livro. Resumidamente podemos afirmar com segurança que a prática regular de atividade física, tem vários benefícios à saúde - mas quando falamos de obesidade, inúmeros estudos bem controlados nos mostram que o esporte é ineficaz na perda de peso.
A segunda recomendação, a mais citada, era a de mexer na dieta dela. Ao ir a uma loja um profissional da área, médico veterinário, sugeriu uma ração especial. "Qual a diferença da ração para emagrecimento?", eu perguntei. A resposta foi imediata: “a ração emagrecedora tem menos gordura e menos calorias.” Foi aí que eu tive um estalo.
O que o profissional da área e os sites sempre parecem sugerir é algo que vem sendo tentado há décadas em humanos: uma combinação perversa e ineficiente de mais atividade física e menor consumo de gordura e/ou de calorias. Como mostra a crescente incidência de obesidade (seja em humanos ou cães), essas parecem ser abordagens que não funcionam, que só dariam certo caso o controle de peso em animais como cães e humanos fosse resultado de algo matemático, resultado de um balanço calórico onde entra de um lado da equação o gasto diário de calorias e de outro o consumido pelo animal, na forma de alimento.
Bastaria então eu dar menos ração (ou menos calorias ou menos gordura) e passear mais com a Eva, gastando mais calorias e assim ela emagreceria. É uma ideia tão simples, tão lógica e até apaixonante nesta sua simplicidade, uma vez que também atribui ao excesso de peso uma coisa mais puritana, mantendo um pé na questão dos pecados (gula e preguiça) para explicar a obesidade. É como se esse grave problema de saúde fosse mesmo muito básico, como uma óbvia conta de somar, e também uma questão de simples força de vontade, de querer.
A verdade é que eu saí da loja sem a tal ração e ignorando tudo o que me foi dito e o que havia lido nos sites. Saí dali também decidido a duas coisas: a primeira era deixar de dar ração comercial à Eva para fazê-la emagrecer; e a segunda era tirar dela o acesso livre aos alimentos. Você não precisa ser um pecuarista para saber que nesse setor o ganho de peso é algo essencial a um maior lucro. E o que eles fazem? Alimentam os rebanhos várias vezes ao dia.
O que os donos dos cães parecem não saber é que as rações caninas têm como base o uso de grãos (milho e soja, por exemplo). Será que cães que podem comer a qualquer hora ração feita de grãos - que engordam eficientemente na pecuária - não faria deles mais gordos ou ainda, evitaria que emagreçam? Sim, podemos afirmar com certa segurança, independentemente da quantidade calórica ingerida, que a obesidade em cães pode, sim, estar associada ao maior número de refeições. Então eu tinha minha primeira estratégia decidida com a Eva: quando comer.
A segunda seria: o que comer. Antes do sobrepeso da Eva, eu não tinha nenhum problema em oferecer ração e restos de nossa comida. Porém, quando ela voltou de Lavras (MG) eu tinha agora um problema. Eu queria saber o que daria a ela (em termos de macronutrientes: proteína, gordura e carboidrato) e me deparei com o meu primeiro desafio: as rações comerciais não oferecem essas informações.
Bom, não é preciso ser profissional de saúde para saber que o mundo vive desde a década de 1970 uma crise epidêmica de obesidade e diabetes sem precedentes. A um adorador de cachorros, não é segredo também que atualmente seus donos padecem do mesmo desafio tão humano de manter seus animais com o peso em dia.
Entretanto, assim como para humanos emagrecer é difícil e conta com uma baixa taxa de eficácia, ao aplicarmos nos cães alguns dos mesmos princípios, os resultados são muitas vezes desanimadores. O tamanho e a importância desse mercado por mera desatenção passam despercebidos. Há nos EUA, por exemplo, mais cães do que há de pessoas na maioria dos países pelo mundo. O Brasil não fica muito longe: temos hoje o terceiro maior mercado do mundo no setor canino. Se por um lado os donos de cães gastam bilhões de dólares em mimos, por outro há disponível ao criador, ou ao profissional da área, muito pouco material embasado sobre o assunto controle de peso ou obesidade canina, o que ajudou a despertar em mim ainda mais interesse no assunto.
Eu poderia imaginar tratar-se apenas de coincidência termos humanos e cachorros agora tão obesos, porém quero dividir com vocês uma dúvida: não haveria aí algo muito importante, talvez muito ignorado? Isso porque uma verdade que se tem implícita atualmente na nutrição humana é que quase que em termos gerais, saberíamos como o nosso controle do peso funcionaria. Basicamente, seria uma questão matemática, tal qual uma conta bancária, seria uma questão de balanço calórico, energético. Dessa forma, o número da balança subiria se o consumo de calorias nas refeições fosse maior do que as gastas no período.
E outra regra implícita nessa conjuntura é que esse princípio também funcionaria bem nos cães. Ao menos isso é o que encontramos em obras especializadas oferecidas aos veterinários, estudantes veterinários e criadores profissionais. Mas se aceitarmos que o nosso peso e o de nossos melhores amigos são uma questão de comer demais e/ou se movimentar de menos, cairemos em um dilema.
Primeiro porque teríamos que aceitar que a humanidade passou a se comportar de um jeito um tanto parecido no que diz respeito à sua fome: os índices de obesidade entre nós explodiram apenas nas últimas décadas, não nos milhares de anos anteriores. E, ainda, porque nossos cães teriam que pensar mais ou menos como nós, sem controlar um apetite voraz.
No caso dos animais, tal qual em humanos, a culpa pela crise de obesidade em nossos amigos de quatro patas estaria nos donos dos cachorros que não teriam a disciplina e o “pulso firme” para controlar o quanto o seu cão poderia ou deveria comer diariamente.
Assim, como o mundo em um recente, improvável e estranho sincronismo se tornou obeso, os donos de cachorro perderam a capacidade de alimentar adequadamente seus animais nas últimas décadas, ou então teriam perdido o prazer e a vontade de passear com seus cães, atendendo a premissa falsa de que obesidade é também resultado da falta de movimento.
Há a possibilidade ainda de ser que, como tantas outras coisas, parece este mais um caso onde teríamos aceito a teoria atual como uma verdade absoluta, que já teria sido testada e verificada. Se um cão está gordo, como dito, seria por uma culpa implícita de seu criador.
Você leitor, porém, pode argumentar, com razão, que cachorros não são humanos (nem gado ou porco, que engordam quando comem rações feitas de grãos). As leis da biologia que funcionariam em nós não necessariamente se aplicariam a eles. Não tenho essa pretensão de considerá-los como iguais a nós do ponto de vista fisiológico, mas é o presente quadro de epidemia de obesidade entre eles, e a realidade de pouco material no assunto emagrecimento canino que reforça a importância do tema. Parece haver poucos títulos publicados e à venda com foco exclusivo neste assunto. E isso porque estamos falando aqui de um problema já devidamente dimensionado. Alguns pesquisadores, por exemplo, avaliam que pelo menos 30% dos cachorros americanos estão acima do peso.
Mas o problema pode e parece ser muito maior - porém é ignorado ou analisado de uma forma não-científica, pois a solução ou prevenção da obesidade em cães parece na mente de muitos especialistas, inclusive alguns que escrevem as principais obras usadas na formação dos futuros médicos veterinários, como um problema já solucionado. E o mais revelador é que visto com calma, parece que assim como acontece com nós humanos, é provável que tenhamos confundido causa com consequência, e que a solução mais sugerida seja mais do que ineficaz, seja contraproducente. É bem possível que hoje não só ajudemos aos poucos a adoecer e a engordar os animais que tanto amamos, mas que no gravíssimo equívoco de achar que já sabemos as respostas, entremos em um ciclo perverso de aplicar remédios que não funcionam e que não funcionarão.
Temos assim, um sério problema disseminado na população canina e soluções propostas que são ineficientes. Ao não nos questionarmos primeiramente, determinando de forma correta aquilo que realmente causa o ganho de peso ou a obesidade, chegamos a outro grave equívoco: o enfoque no balanço calórico faz com que deixemos a real causa de certa insolúvel, com vida longa e promissora. Temos que rever se não estamos fazendo tudo de modo errado.
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