Quanta proteína é excessiva ?

Artigo traduzido por Everaldo Costa. O original está aqui.

por Jason Fung

Como discutimos na semana passada, o excesso de proteína é transformado em glicose e, em seguida, em gordura. Mas quanto de proteína é excessivo? Essa é a verdadeira questão que mexe com todos e gera controvérsia. A dose diária recomendada para um adulto é de 0,8g/kg/dia. Como chegamos a esse número? Vamos começar no início.

Em primeiro lugar, eu só estou lidando com o estado estacionário aqui. Se você está tentando construir massa muscular, então você precisa de mais proteína. Se você estiver grávida ou amamentando ou é uma criança em crescimento, então as exigências de proteína são mais elevadas porque você está tentando adicionar proteínas ao seu corpo. Esta discussão trata apenas de adultos em um estado relativamente estável. 

As proteínas são feitas de blocos de construção chamados aminoácidos, dos quais existem 20 mais comuns. Quando falamos sobre necessidades de proteínas, na realidade o corpo necessita é de aminoácidos. Isso equivale a cerca de 16% do peso da proteína, de modo que se você comer 56 gramas de bife, você não obtem 56 gramas de proteína – na prática necessita de cerca de 6 vezes mais, em peso (aproximadamente). 

As proteínas são degradadoas e ressintetizadas continuamente. Proteínas velhas são quebradas, e os aminoácidos são reabsorvidos para serem construídas novas proteínas. O turnover (quantidade processada) é várias vezes maior do que a quantidade de aminoácidos ingeridos diariamente. Alguns aminoácidos se perdem no processo, por isso requerem certa quantidade de ingestão de proteínas,. Perdem-se predominantemente nas fezes e na urina. Suor, cabelo, unhas, etc., representam uma proporção minúscula dos aminoácidos perdidos. 

Os aminoácidos não podem ser armazenados para gerar energia a longo prazo. Qualquer proteína consumida em excesso tem de ser convertida em glicose ou gordura para armazenamento. Nove aminoácidos são chamados aminoácidos essenciais porque o nosso corpo não pode sintetizá-los - histidina, isoleucina, leucina, lisina, metionina, fenilalanina, treonina, triptofano e valina. 

Esses, devemos obter de nossa dieta ou vamos ficar desnutridos. Há também os ácidos graxos essenciais, como o ômega-3 e 6. Não existem carboidratos essenciais. Não há necessidade de comer 130g de glicose por dia para manter o nosso cérebro. É uma completa mentira. O jejum durante 1 dia não causa no nosso cérebro a "fome de glicose", assim como não ficamos idiotas, chorando e perdendo o controle do intestino e da bexiga por jejuar. Eu afirmo que esse "fato" amplamente divulgado é uma declaração idiota. Eu tenho feito jejuns de 24 horas muitas vezes, e ainda não tive que limpar depois cocô e xixi.

Kwashiorkor


Marasmo
O que acontece se você ingerir muito pouca proteína? Isto pode ocorrer de forma isolada, ou pode ocorrer como parte de uma falta geral de alimentos. Se houver fome geral (nenhum alimento), então não há apenas a deficiência de proteína, mas também deficiência de carboidratos e gordura. Obviamente, as pessoas se tornam esqueléticos, sem gordura corporal e com perda de massa muscular. Isso é chamado de marasmo

Mas há também uma situação em que as pessoas têm calorias suficientes, mas muito pouca proteína. Isso normalmente ocorre em países do terceiro mundo onde as pessoas têm algum tipo de comida, mas quase nenhuma proteína. As pessoas estão normalmente se alimentando apenas de carboidratos refinados, que vêm de remessas de alimentos doados por países do Primeiro Mundo. Estes carboidratos refinados (açúcar, farinha, arroz, milho) fornecem calorias por uma fração do custo de proteína (são muito baratos), e não necessitam de refrigeração durante a longa viagem. Na década de 1970 e início de 1980, a deficiência de proteína era galopante – chamada kwashiorkor. Você vê os pés inchados, perda de músculos nos braços e pernas, perda de cabelo, e um fígado gordo e inchado (devido ao excesso de carboidratos). 

Assim, apesar ladainha que ouço sobre termos que comer muita proteína, lembre-se de que não estamos nem perto da deficiência de proteína que leva ao kwashiorkor – que é praticamente inexistente nos países desenvolvidos. Ela existe principalmente nos países devastados pela guerra, que recebem ajuda alimentar.
Kwashiorkor

Quanta proteína é preciso?


Isso vai depender do quanto é perdido pelo corpo diariamente, que varia com a ingestão. Ingestão de mais proteínas significa mais volume de turnover de proteína e mais perdas. Menor consumo significa menos volume de turnover. Portanto, há uma grande variação. 

Também é dependente de energia. Isto é, se você está tentando alcançar um balanço energético negativo (perder peso), então você precisa de MENOS proteína. Por quê? Porque não há todo tipo de perda de proteína associada com a perda de gordura. Há menos perda de pele, tecido conjuntivo, vasos capilares, sangue, derme, etc associados com a perda de peso – tudo o que precisa ser catabolizado (queimado e não substituído). Pense sobre os shows de cirurgia bariátrica da TV onde os cirurgiões removem 9-14 quilos de excesso de pele após a perda de peso. Sim, isso é tudo proteína que deveria ter sido catabolizada! Como o manejo no aporte, na minha clínica onde fazemos um monte de jejum intermitente, eu ainda não enviei um único paciente ao cirurgião plástico para a remoção do excesso de pele – ainda que a perda de peso em alguns seja maior que 50Kg.

De volta à quantidade diária normal. Em 1985, a OMS fez uma revisão de estudos de avaliação perdas diárias de nitrogênio, e verificou uma média de 0,61g/kg/dia (total). Presumível, a dieta deve substituir (aproximadamente) esses 0,61g/kg/dia perdidos.

Lembre-se, esta média é para pessoas saudáveis ​​e normais, não para as pessoas que estão perdendo músculo ou que estão doentes. Assim, a OMS recomendou que as pessoas normais e saudáveis devem receber cerca de 0,6g/kg/dia. A fim de garantir que todas as necessidades e acrescentou 25% (2 desvios padrão) acima da média para obter 0,75g/kg/dia, que às vezes arredonda-se para 0,8g/kg/dia. 

Em outras palavras, 97,5% da população geral saudável perde menos do que estes 0,75g/kg/dia de aminoácidos. Este não é um padrão baixo. É um padrão muito, muito elevado de ingestão de proteínas.

Para um homem mediano de 70kg são de 52,5g/dia. Lembre que é para adultos absolutamente saudáveis, não ganhando nem perdendo peso – somente a quantidade necessária para cobrir as perdas de aminoácidos médias que são de apenas 42g/dia (0,6g/kg/dia). 

Lembre-se: se você quer perder peso, deve comer menos proteína de modo que tenha um défict na ingestão. Como referência, o USDA (Departamento de Agricultura dos EUA), em 1985, determinou que nos EUA, 14-18% de calorias fossem de proteína e o consumo médio é de 90-110g/dia (masculino) e 70g/dia (feminino). Assim, a média masculina é o dobro da quantidade recomendada, que já está super alta. Dia após dia. Semana após semana. Ano após ano.

Dietas ricas em proteínas a longo prazo são prejudiciais?


Difícil dizer. Há alguma sugestão que a alta ingestão de proteína animal pode causar osteoporose. Muitas destas proteínas são ácidas, o que requer neutralização no corpo. Este ácido é tamponado nos ossos e, em seguida, eventualmente, o ácido é excretado na forma de ácido fosfórico. Como ossos consistem de cálcio ligado ao átomo de fósforo, e o cálcio extra é excretado na urina. Isto levaria a maiores perdas de cálcio urinário e potencialmente osteoporose. 

Além disso, existe a preocupação de que a alta ingestão de proteína a longo prazo possa causar cicatrizes nos rins, embora isso não seja comprovado.

(Nota do Editor: as afirmações do Dr. Fung sobre riscos do consumo de proteína carecem de referências. Por outro lado, diversos estudos já mostraram que dietas mais ricas em proteína não oferecem risco. A pesquisa bibliográfica que embasa a minha afirmação já foi muito bem-feita pelo Dr. Souto aqui, aqui e aqui. Em geral eu assino embaixo do que o Dr. Fung escreve, mas nesse caso ele trocou os pés pelas mãos)

Assim, qual a quantidade de proteína que você deve comer? A média necessária seria de 0,6g/kg/dia (cerca de 50g/dia) ou menos se você está tentando perder peso. No entanto, eu vi recomendações que variam muito. Alguns sugerem 120g/dia. Os Drs. Phinney e Volek recomendam 1,5-2g/kg/dia. Caramba, isso é super alta! Não me preocupo com deficiência de proteína? Não. Quando eu começar a ver um surto de kwashiorkor nos EUA, aí eu fico preocupado. Até então, o consumo médio é ainda 2-3 vezes o fisiologicamente necessário. 

O Dr. Phinney, em sua palestra "LowCarb Vail", sugere que jejuar vai causar a perda de 110g de músculo por dia, todo dia. Eu que faço 2 a 4 jejuns de 24 horas por semana, deveria perder 450g de músculo por semana ou 22.5kg/ano. Então em cerca de 3 anos a minha composição corporal deveria ser 100% gordura. Engraçado como isso não ocorreu. Na prática, minha composição corporal é a praticamente a mesma de 3 anos atrás. Minha força é praticamente a mesma.

Eles argumentam que proteína suprime o apetite. Isso pode ser verdade. O que estou falando aqui é que proteína é necessária. Não estou negando que algumas pessoas se saem melhor com mais proteínas. Mas eu suspeito que também haja muitas pessoas que se saem pior. Outro argumento frequentemente ouvido é que proteína constrói músculos. Hmmm. Comer proteína sem exercícios constrói músculos? Ok, vai sonhando. Se isso fosse verdade, não teríamos uma epidemia de obesidade, e sim uma epidemia de músculos. Eu não vejo nenhuma manchete da revista Times dizendo "A América será capaz de livrar-se do excesso de músculos?".

O Dr. Ron Rosedale, na prática, sugere ainda menos. Em uma fascinante palestra (disponível no YouTube, e altamente recomendada), ele disse "A sua saúde, e provavelmente a sua expectativa de vida serão determinadas pela proporção de gordura x açúcar que você queima durante a vida". Lembre-se de que proteína em excesso (veja os posts da semana passada) caem no lado "queima de açúcar" da equação. Ele também disse, nessa palestra, para um grupo de aficcionados por low-carb, que "talvez hoje em dia seja mais importante restringir as proteínas que  os carboidratos". São palavras fortes, de fato. Eu tendo a concordar.

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