Como a salada pode nos deixar gordos

Artigo traduzido por Allan Spencer. O original está aqui.

por Alex Hutchinson

Quando pesquisadores de marketing da Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, equiparam carrinhos de compras de uma grande rede de supermercados da costa leste, com dispositivos de rastreamento de movimentos por rádio-frequência, esbarraram inconscientemente numa metáfora sobre a nossa trajetória pelos corredores da vida.

Dados do percurso de mais de 1.000 clientes combinados com suas compras no caixa, revelaram um padrão: Encha o carrinho com um monte de couve e será mais provável que você siga para a seção de sorvetes ou cerveja. Quanto mais produtos “saudáveis” você tiver no seu carrinho, mais forte será a tentação de sucumbir ao vício.

Tais atos de equilíbrio hedônicos não são imprevisíveis – quem, apesar de tudo, nunca se recompensou com uma fatia de bolo ou uma cervejinha extra após uma sessão extenuante de malhação? – nem intrinsecamente ruins. Mas um corpo emergente de pesquisa em que psicólogos chamam de “efeito de licença” sugere que esta tendência "olho por olho" está profundamente enraizada em nós, funcionando mesmo quando não estamos cientes dela. E, em um mundo onde somos bombardeados por propagandas de uma ordem infinita de produtos que "melhoram" nossa saúde, de eficácia duvidosa, isso pode ser um problema.

O principal insight subjacente ao efeito de licença, que foi descrito primeiramente em 2006, por Uzma Khan, então professor de marketing na Universidade Carnegie-Mellon, e por Ravi Dhar, da Escola de Negócios de Yale, é que nossas escolhas são contingentes: desde que cada um de nós tenha um autoconceito razoavelmente estável do quão bons/maus, saudáveis/não-saudáveis ou egoístas/altruístas nós somos, quando uma decisão se mostra distante deste autoconceito, nós automaticamente tomamos medidas para equilibrá-lo.

O resultado se mostra surpreendemente de maneiras sutis. Pedir uma salada para viagem com seu cheeseburger de bacon é sem dúvida um acordo deliberado e racional entre o prazer e a saúde; porém, pesquisadores de consumo descobriram que a mera presença de uma opção saudável num menu aumentam as chances de você optar por uma escolha menos saudável. É mais provável que escolha batatas fritas caso haja uma salada verde disponível – uma constatação com a qual as redes de fast-food lucraram consideravelmente.

Curiosamente, aqueles com maior auto-controle são osmais vulneráveis a este tipo de influência. Eles confiam na sua habilidade de resistir à tentação, sabendo que uma opção saudável é uma licença disponível para perdoá-los desta vez e – em tese, pelo menos – compensar por uma próxima vez.

Esta "aura" esteva ainda mais evidente num estudo no qual participantes conscientes de seu peso foram solicitados a "adivinhar" as calorias de uma série de refeições. Quando mostrado um hamburguer, a suposição média era de 734 calorias; quando mostrado o mesmo hamburguer ao lado de três talos de aipo, a suposição média caía para 619. Estes não são cálculos racionais; eles traem os atalhos que seu cérebro pega quando da contagem de vícios e virtudes.

Tudo isso ajuda explicar porque muitos pesquisadores da saúde tremem quando promessas como a “pílula do exercício” aparecem nas manchetes, como fizeram outra vez esse mês seguindo a publicação de dois novos estudos. “Quero deixar claro que realmente não há nenhuma maneira de substituir o exercício físico rotineiro por uma ‘pílula do exercício’”, insistiu um dos cientistas. Mas a pesquisa sobre a "licença" sugere que é exatamente o que tentaríamos fazer, intencionalmente ou não.

Considere os resultados quase surreais de uma série deestudos feitos por pesquisadores de Formosa (Taiwan). Em um teste, metade dos participantes achava estar tomando um placebo (o que na verdade era), enquanto que a outra metade achava estar tomando um multivitamínico. Aqueles que pensavam ter consumido vitaminas consistentemente escolheram opções menos saudáveis.

Ao testarem um pedômetro em um de dois percursos, eles foram mais propensos a pegar o caminho mais curto. No almoço, preferiram o buffet "coma-tudo-o-que-aguentar" à opção orgânica mais saudável. Em testes psicológicos, expressaram um maior desejo por “atividades hedônicas” como o sexo ocasional, banho de sol e álcool em excesso.

Com um grupo de fumantes, aqueles que pensavam ter tomado vitamina C, acabavam fumando quase duas vezes mais, enquanto respondiam aos questionários, em oposição aos que pensavam ter tomado placebo. E aqueles "em dieta" que tomaram o suposto suplemento para perda de peso, comeram mais no almoço subsequente.

Este problema quase Newtoniano das reações cancelando as ações não é privilégio da saúde. Intervenções de segurança como cintos de segurança, capacetes de bicicleta e caneleiras de futebol foram responsabilizados por promoverem um comportamento mais arriscado. Nós temos um desejo profundo de permanecer, como um episódio de “Seinfeld” uma vez colocou, “empatados”.

Mas é um problema particular na saúde porque somos confrontados com muitas decisões diariamente e, no entanto, os resultados que mais nos interessam – como doença, incapacitação e, finalmente, morte – são difíceis de medir, influenciadas pesadamente pelo acaso ou demasiadamente distantes no futuro, para se ter certeza da causa e do efeito. Isso nos deixa vulneráveis, porque ao contrário da Terceira Lei de Newton, as ações e reações do efeito da "licença" não são necessariamente “iguais e opostas.” Poucas de nossas decisões de saúde são bem-definidas, então temos que pesar os benefícios incertos contra a compensação comportamental irreconhecível.

Portanto, como podemos maximizar nossas chances de seguir adiante? Os psicólogos identificaram algumas táticas.

Uma é focar no processo de viver saudavelmente ao invés de objetivar ser saudável. Um recente estudo da Universidade de Zurique rastreou o progresso de 126 pessoas "em dieta" e concluiu que, como previsto pela teoria da licença, quanto mais peso os participantes perdiam numa determinada semana, menos peso perderiam (ou mais ganhariam) na semana seguinte. Mas este efeito sanfona era mais fraco quando os participantes se focavam no processo de mudança de comportamento comendo melhor, ao invés de no resultado de perda de peso ou melhora da aparência.

Uma outra abordagem, proposta pelos professores Khan e Dhar, é estreitar seu foco de modo que você pese os prós e os contras de cada decisão isoladamente. Para ilustrar este princípio, eles ofereceram um ou dois alugueis de filmes grátis (uma vez por semana por duas semanas) a um grupo de universitários. Na escolha de um aluguel, apenas a metade dos participantes optaram por um filme “bobo” tipo “Débi e Lóide” ao invés de um mais “intelectual” como “A Lista de Schindler.” Porém, quando souberam que teriam uma outra chance de escolher um “bom” filme, o número de participantes que escolheram um filme "bobo" disparou para 80%.

O mesmo padrão apareceu quando eles ofereceram a voluntários uma chance única ou duplade escolher iogurte desnatado ou biscoito. Crucialmente, uma outra experiência mostrou que aqueles que escolheram a opção menos saudável numa semana não compensaram escolhendo a opção mais saudável na semana seguinte. Assim, se você quiser burlar a dieta, vá em frente, mas não se engane achando que vai compensar depois.

Por fim, todos sabemos como viver uma vida mais saudável: exercite-se regularmente, coma comida de verdade, durma bem e assim por diante. Mas estes princípios simples podem ser inconvenientes e demorados. Assim você pode ser desculpado por desejar que o super-suco-perfeito ou o último aparelho de fitness possam fazer o trabalho com mais facilidade.

Mas a única maneira infalível de vencer o efeito de licença é se manter num padrão mais elevado quando estiver tomando decisões de saúde. Permaneça nos princípios melhor provados e ajuste o "barulho" da indústria de promoção da saúde, cujo mantra sempre otimista é “Isso pode te ajudar… e mal não faz.” É um pensamento agradável, mas quase sempre uma ilusão.


Alex Hutchinson é corredor e autor que escreve para o blog Sweat Science da revista Runner's World.

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