A verdade sobre gordura e açúcar é finalmente explicada
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.
por Aseem Malhotra
Essa manhã, conforme faço na maioria dos dias, desjejuei com um omelete de 3 ovos, frito em óleo de coco, e uma xícara de leite integral com café. Desfrutei de uma bela fatia de queijo integral no meu almoço, com uma bela dose de azeite de oliva na salada à noite e lanchei castanhas durante o dia. Resumindo, ingeri uma quantidade bastante grande de gordura e, como cardiologista que tratou milhares de pessoas com doença cardíaca, essa pode ser uma maneira peculiar de comportamento. Gordura, afinal de contas, entope nossas artérias e adiciona quilos aos montes – ou ao menos é o que o aconselhamento médico/nutricional atual nos fez acreditar. Como resultado, a maioria de nós passou anos trocando comidas com gordura por seus equivalentes "low-fat", na esperança de que isso nos deixasse mais condicionados e saudáveis.
E ainda assim, estou convencido que ao contrário, estivemos nos fazendo um mal que não foi noticiado: longe de ser a melhor coisa para a saúde e perda de peso, uma dieta pobre em gorduras é o oposto. Na prática, eu chegaria a dizer que a mudança no aconselhamento nutricional de 1977, que recomendou restringir a quantidade de gordura que comíamos, ajudou a mover a epidemia da obesidade que se desdobra hoje. É uma afirmação audaciosa, mas que acedito ser suportada por uma coleção de pesquisas recentes.
Atualmente eu faço questão de dizer a meus pacientes – muitos dos quais estão lidando com problemas cardíacos debilitantes – para evitar tudo o que tenha o rótulo "pouca gordura". Melhor ainda, digo a eles para adotar laticínios integrais e outras gorduras saturadas no contexto de um plano alimentar saudável. É uma instrução que às vezes é recebida com espanto e boca-aberta, junto com a minha orientação para ficar longe de tudo que prometa reduzir o colesterol – outra dessas coisas que nos ensinam que podem promover saúde cardíaca e arterial otimizadas.
Como veremos, a realidade é muito mais cheia de nuances: em alguns casos, baixar o colesterol pode na prática aumentar a mortalidade por doença cardiovascular, enquanto em pessoas saudáveis acima de 60 anos está associada a um menor risco de morte. O motivo, exatamente, veremos à frente.
Primeiro, entretanto, deixe-me esclarecer que até muito recentemente, eu também assumia que reduzir a gordura ao mínimo era a chave para manter-se saudável e magro. De fato, dizer que minha dieta girava em torno de carboidratos é provavelmente uma sub-estimativa: cereal adoçado, torrada e suco de laranja no café-da-manhã, um panini no almoço e macarrão no jantar não eram um menu diário raro. Energia sólida, boa – ou assim eu pensava, especialmente por ser desportista e corredor. Ainda assim, eu tinha uma "faixa" de gordura na cintura que nenhuma quantidade de futebol e corrida parecia remover.
Essa, entretanto, não foi a razão pela qual comecei a mudar a dieta que comia. O processo começou em 2012, quando li um artigo chamado "A verdade tóxica sobre o açúcar", do Robert Lustig no jornal de ciência da Nature. Nele, Lustig, professor de pediatria que também trabalha no Centro de Avaliação da Obesidade da Universidade da Califórnia, dizia que os perigos à saúde humana causados pelo açúcar adicionado eram tais que produtos cheios dele deveriam carregar os mesmos alertas que o álcool. Foi um abridor de olhos: como médico, eu já sabia que muito de qualquer coisa é ruim para você, mas havia alguém nos dizendo que algo que a maioria de nós comia sem pensar, diariamente, estava lentamente nos matando.
Quanto mais eu estudei sobre o assunto, mais ficou claro para mim que era o açúcar, e não a gordura, que estava causando tantos dos nossos problemas – que o motivo pelo qual, junto com um grupo de colegas especialistas médicos, lancei o grupo de lobby chamado "Ação sobre o açúcar" ano passado com o objetivo de persuadir a indústria alimentícia a reduzir o açúcar adicionado nas comidas processadas.
Então mais cedo esse ano eu tive outro momento de "eureca". Em fevereiro, Karen Thomson, neta do pioneiro em transplante cardíacao Christian Barnard, e Timothy Noakes, professor altamamente respeitado de Medicina do Exercício e do Esporte da Universidade da Cidade do Cabo, me convidaram para falar no primeiro encontro mundial low-carb na África do Sul. Eu fiquei intrigado, particularmente pelos organizadores serem ambos caracteres fascinantes. Ex-modelo, Thomson lutou corajosamente contra um número de vícios incluindo álcool e cocaína, mas ultimamente é outro pó – que ela chama de "puro, branco e mortal" – que resultou na abertura da primeira clínica do mundo em reabilitação de vício em açúcar e carboidratos, na Cidade do Cabo.
Noakes, enquanto isso, fez recentemente uma reviravolta formidável no mesmo conselho dietético que ele defendeu pela maior parte da sua ilustre carreira: isso é, que atletas precisam se encher de carboidratos para aumentar a performance. Um maratonista, ele foi considerado o garoto-propaganda das dietas ricas em carboidratos para atletas – e então ele desenvolveu diabetes tipo 2. Efetivamente arrancando páginas inteiras de seu próprio livro, Noakes agora diz que os atlettas – e isso vale também para aqueles de nós que gostam de correr no parque – podem extrair sua energia de cetonas, não de glicose. Isso é, de gordura e não de açúcar.
Ainda na convenção estiveram 15 palestrantes internacionais, indo de médicos, acadêmicos e ativistas da saúde que em conjunto produziram uma demolição eloquente e baseada em evidências da "maneira low-fat de pensar" – bem como sugeriram que é o consumo de carboidratos, e não de comidas gordurosas, que está movendo a nossa epidemia de obesidade.
Abrindo a conferência esteve Gary Taubes, ex-físico de Harvard que escreveu The Diet Delusion, na qual argumenta que são os carboidratos refinados os responsáveis pela doença cardíaca, diabetes, obesidade, câncer e muitas outras das nossas doenças ocidentais. O livro causou controvérsia quando foi lançado 7 anos atrás, mas sua mensagem está finalmente ganhando força. E a mensagem é essa: a obesidade não está ligada a quantas calorias comemos, mas ao que comemos. Carboidratos refinados estimulam a produção de insulina, que por sua vez promove o armazenamento de gordura. Em outras palavras: não são as calorias da gordura que causam o problema.
É uma mensagem robusta que foi reforçada vez após vez na conferência. Tome o médico de família sueco, Dr. Andreas Eenfeld, que escreve o blog de saúde mais popular do país – o Diet Doctor. Em seu país natal, estudos mostram que 23% da população já abraça uma dieta LCHF. Uma bomba relógio, você poderia pensar – mas ao contrário das expectativas, enquanto as taxas de obesidade estão disparando por toda parte, estão começando a mostrar um declínio lá.
Mais pesquisa sobre essa correlação ainda precisa ser feita – mas entrementes, o Conselho Sueco de Tecnologia da Saúde deixou clara sua posição. Após uma revisão de 2 anos envolvendo 16 cientistas, ele concluiu que uma dieta LCHF pode não apensa ser a melhor para perda de peso, mas também para reduzir diversos fatores de risco cardiovascular em obesos. Resumindo, como o Dr. Eenfeldt disse na conferência: "Você não fica gordo por comer comidas gordurosas, assim como não fica verde por comer verduras".
Essa, é claro, é uma mensagem difícil de engolir para muitos; particularmente para os pacientes cardíacos, a maioria dos quais passou anos seguindo dietas pobres em gorduras e colesterol, como melhor forma de preservar a saúde cardíaca.
É uma mensagem de saúde pública que foi promovida inicialmente nos anos 1960, depois que o globalmente respeitado Estudo de Framingham santificou o colesterol como um dos grandes riscos para doença cardíaca. É uma pedra fundamental das mensagens governamentais de saúde pública – e ainda assim o que as pessoas não sabiam é que o estudo também jogou fora algumas estatísticas mais complexas. Como essa: para cada queda de 1mg/dl por ano nos níveis de colesterol daqueles que tomaram parte do estudo, houve um aumento de 14% de morte cardiovascular e 11% de aumento na mortalidade geral pelos 18 anos seguintes, para aqueles com mais de 50 anos.
Essa não é a única estatística que não bate com a mensagem anti-colesterol da atualidade: em 2013, um grupo de acadêmicos estudou dados previamente não-publicados, de um estudo seminal feito no início dos anos 1970, conhecido como "Estudo Dieta-Coração de Sidney". Eles descobriram que os pacientes cardíacos que trocavam manteiga por margarina tinham uma taxa de mortalidade aumentada, apesar de uma redução de 13% no colesterol. E o "Estudo do coração de Honolulu", publicado na Lancet em 2001, concluiu que para maiores de 60 anos, um colesterol mais alto está inversamente associado com risco de morte. Desconcertante, não é ? Um colesterol mais baixo não é por si marcador de sucesso, ele apenas funciona em paralelo com outros marcadores importantes como redução da circunferência abdominal e diminuição dos marcadores sanguíneos do diabetes.
Da mesma maneira, uma montanha de evidências sugere que longe de contribuir para problemas cardíacos, ter laticínios integrais em sua dieta pode na prática te proteger de doença cardíaca e diabetes tipo 2. O que a maioria das pessoas falha em compreender é que, quando se trata de dieta, são os polifenóis e os ácidos graxos ômega-3 abundantes em azeite extra-virgem, nozes, peixes gordos e legumes que ajudam rapidamente a reduzir a trombose e a inflamação, independente de mudanças no colesterol. E ainda assim, os laticínios integrais permanecem demonizados – até agora.
Em 2014, dois estudos do Conselho de Pesquisa Médica de Cambridge concluíram que as gorduras saturadas na corrente sanguínea que vinham de laticínios estavam inversamente associadas com diabetes tipo 2 e doença cardíaca. Isso significa que em quantidades moderadas – ninguém está falando sobre devorar uma tábua de queijos em uma sentada aqui – queijo é na prática um proponente da boa saúde e da longevidade. O mesmo estudo, incidentalmente, descobriu que o consumo de amido, açúcar e álcool encoraja a produção de ácidos graxos pelo fígado, que correlacionam-se com o risco aumentado dessas doenças assassinas.
É em torno do diabetes tipo 2, na verdade, que a mensagem anti-gordura-pró-carboidrato das décadas recentes fez o maior estrago. Muitos pacientes sofrendo de diabetes tipo 2 – o tipo mais comum – estão labutando sob o engano perigoso de que uma dieta cheia de carboidratos amiláceos e pobre em gorduras vai ajudar sua medicação a funcionar mais eficientemente. Eles não poderiam estar mais errados. Mais cedo esse ano, uma revisão crítica na respeitada revista Nutrition concluiu que restrição ao carboidrato dietético é uma das intervenções mais eficientes para reduzir as características da síndrome metabólica.
Seria melhor renomear o diabetes tipo 2 como "doença da intolerância ao carboidrato". Tente dizer isso ao público, entretanto. Como o sujeito que falou num show de rádio nacional na Cidade do Cabo, quando eu estava participando das discussões entre dieta e doença cardíaca. Diagnosticado com diabetes tipo 2, ele tinha a noção de que tinha que consumir açúcar para que sua medicação anti-diabética "funcionasse" – quando na prática isso iria piorar seus sintomas. E quantos médicos e pacientes sabem que apesar de alguns desses medicamentos para controle de glicemia poderem reduzir marginalmente o risco de desenvolver doença renal, ocular e neuropatias, eles não têm nenhum impacto sobre risco de infarto, derrame ou redução de taxas de mortalidade ? Ao contrário, glicemia perigosamente baixa decorrente de sobremedicação por drogas anti-diabéticas foi responsável por aproximadamente 100.000 internações de emergência por ano nos EUA.
Mas quem pode culpar o público por tais concepções errôneas ? Na minha opinião, uma tempestade perfeita de financiamento de pesquisas tendenciosas, relatórios tendenciosos pela mídia e conflitos de interesse comercial contribuíram para uma epidemia de médicos e pacientes desinformados. O resultado é uma nação de viciados em açúcar sobremedicados, que comem e tomam pílulas em direção a anos de sofrimento com doenças crônicas debilitantes e uma morte prematura.
É esse o motivo pelo qual, atualmente, eu muito raramente como pão, me livrei de todo açúcar adicionado e abracei as comidas com gordura como parte da minha dieta de inspiração mediterrânea. Eu me sinto melhor, tenho mais energia e – ainda que sem querer – perdi aquele pneuzinho na cintura, apesar de ter reduzido o tempo gasto com exercícios.
Talvez você não consiga encarar a implementação de todas essas mudanças de uma vez. Qualquer que seja o caso, faça isso: da próxima vez que estiver no supermercado e sentir-se tentado a pegar uma embalagem de margarina ou de algum creme com pouca gordura, compre um pacote de manteiga ao invés. Ou melhor ainda, uma garrafa de azeite extra-virgem. Seu coração vai te agradecer. O pai da medicina moderna, Hipócrates, uma vez disse: "deixe a comida ser seu remédio e seu remédio ser sua comida". Agora é hora de deixarmos a gordura ser esse remédio.
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