O que nossos ancestrais comiam
Artigo traduzido por Roberta Monteiro. O original está aqui.
por Paul Tortland
Muito já foi feito sobre o tipo de dieta preferida por nossos antepassados, começando na recente América até os tempos pré-históricos, com advogados defendendo ardentemente uma ampla gama de hábitos alimentares, de vegetariano até homem da caverna. No entanto, o que o atual histórico e o registro fóssil querem nos dizer? E o que podemos aprender com isso para aplicar em nossas vidas hoje?
O que você está prestes a ler vai enfurecer alguns, intrigar uns poucos e encantar a outros. Meu objetivo com esse artigo é apresentar os fatos históricos como nós os compreendemos, não necessariamente para endossar ou condenar um padrão dietético.
O que os Homens da Caverna Realmente Comiam
Em 2000, um estudo publicado pelo American Journal of Clinical Nutrition divulgou as supostas dietas dos humanos pré-agrícolas (antes do advento da agricultura tradicional, 10 mil anos atrás). Especificamente, os autores pesquisaram a proporção do consumo de plantas e animais a fim de estimar a porcentagem relativa dos macronutrientes – carboidratos, gorduras e proteínas – na dieta dessas pessoas. Esse estudo foi o pioneiro para a compreensão da medida nutricional dos macronutrientes e para rastrear o conteúdo nutricional das comidas consumidas na dieta de caçadores-coletores pré-históricos não-ocidentalizados. Os resultados foram convincentes.
A análise dos autores relata que onde possível e quando possível, os caçadores-coletores consumiam altas quantidades de alimento animal (45-65% da comida necessária para sobrevivência é de origem animal). Apenas 14% das sociedades de caçadores-coletores no mundo inteiro retiram mais de 50% de seu sustento de comidas de origem vegetal.
De acordo com os autores, “Essa elevada dependência em alimentos de origem animal aliada a um índice relativamente baixo de carboidratos dos alimentos vegetais selvagens produz as taxas de consumo de macronutrientes universalmente características nas quais a proteína é elevada (19-35% da energia) às custas dos carboidratos (22-40% da energia).” Ou seja, 19-35% da dieta consistia em proteína, enquanto somente 22-49% consistia em carboidratos, a partir de uma perspectiva de produção de energia. Os povos pré-históricos consumiam majoritariamente dietas que provinham em sua maioria da proteína e da gordura animal; aproximadamente 2/3 de suas calorias totais vinham de alimentos animais e um 1/3 de fontes vegetais. Nem uma única, das 229 populações estudadas, era exclusivamente vegetariana.
Além disso, como os pesquisadores indicaram, estes povos comiam preferencialmente os animais mais gordos que podiam encontrar, e comiam preferencialmente as partes mais gordas do animal, incluindo a língua, os órgãos, e o tutano. Dos alimentos vegetais que eles consumiam – oleaginosas, frutas silvestres, raízes, e frutas – a maioria seria considerada como alimentos de baixo índice glicêmico pelos padrões de hoje, tendo uma quantidade relativamente baixa de carboidratos. E é claro estas fontes vegetais continham graus tão elevados de fibra natural que eram difíceis de digerir (e não eram construídas para aumentar doçura delas!).
Em sua análise final, os autores notam que mais de 60% de todos as calorias em uma dieta moderna ocidental – incluindo grãos de cereis, laticínios, bebidas, óleos vegetais, e doces – “virtualmente não teriam contribuído em nada nas calorias de uma dieta típica do caçador-coletor.”
Então, como isto afetou a saúde dos povos pré-históricos caçadores-coletores? Uma análise do registro fóssil mostra que a saúde do homem pré-agrícola era excelente, no geral. As pessoas eram altas, magras, tinham os ossos densos e fortes, a deterioração dentária era pequena ou nenhuma, e há poucas evidências de doenças severas.
A Maldição dos Egípcios
Vamos avançar rapidamente paras os antigos egípcios. A agricultura organizada – lavouras – foi desenvolvida há aproximadamente 10 mil anos. Como Michael Eades, MD, aponta em seu livro Protein Power (O poder da Proteína), de 3000 A.C. a aproximadamente 395 D.C. os egípcios nos deixaram uma história médica e dietética maravilhosamente detalhada. A perfeição deles na mumificação permitiu que pesquisadores determinassem o status de saúde desta população examinando os restos. E seu uso prolífico do papiro deixou uma história escrita detalhada de suas vidas, incluindo como viviam, onde e como trabalhavam, como eram pagos, e o que comiam.
O antigo egípcio típico subsistia em uma dieta quase que exclusivamente de carboidratos. De fato, ao soldado egípcio comum era dada uma ração de 2.3kg de pão por pessoa por dia, fazendo com que os gregos os chamassem de “comedores de pão.” Frutas e os vegetais que cresciam eram consumidos em abundância, incluindo uvas, tâmaras, melões, azeitonas, maçãs, oleaginosas, alho, alface, pepinos, ervilhas e lentilhas. Eles adoçavam os alimentos com mel (a cana de açúcar não seria cultivada até 1000 D.C.). Comiam uma pequena quantidade de peixe e aves domésticas e quase nenhuma carne vermelha.
Esta dieta, com exceção do açúcar refinado, poderia ter sido tirada dos corredores de qualquer loja americana de alimentação saudável.
Então, o que nós sabemos sobre a saúde da dinastia egípcia? Se pensaria que baseado em uma dieta que é literalmente o que nós somos exortados a comer no dias atuais na América, estes povos eram o paradigma da saúde. Infelizmente, um retrato completamente diferente emerge do registro histórico.
Eles sofriam de pneumonia, tuberculose, lepra, gengivites terríveis, e infecções bacterianas e parasíticas. Muitos eram profundamente obesos. E a extensão da doença cardiovascular encontrada entre os restos mumificados rivaliza com a da América hoje.
Ou seja, os antigos egípcios comiam pouca gordura, virtualmente não tinham nenhum carboidrato refinado, comiam pouca carne (e nenhuma carne vermelha), e tinham uma dieta muito rica em grãos integrais, e frutas e vegetais frescos - a dieta mais recomendada hoje pela maioria dos nutricionistas e a base da ubíqua pirâmide alimentar. Contudo eles foram atormentados com as mesmas aflições de saúde que flagelam o homem moderno.
Mesmo lugar, tempo diferente (e dietas diferentes)
Em 1980, Claire Cassidy, PhD, uma antropóloga da Universidade de Minnesota e do Smithsonian Institution, publicou um estudo acerca de duas populações diferentes decorrentes do mesmo pool genético.
Ela estudou os restos dos esqueletos de fazendeiros que viveram entre 1500-1675 D.C. na vila de Hardin (uma área no Kentucky) e esqueletos dos índios Knoll, caçadores-coletores que viveram na mesma região em torno de 3000 A.C. Os dois grupos eram virtualmente idênticos em todos os aspectos, com exceção da dieta. Viveram na mesma região geográfica, lidaram com o mesmo clima, e tiveram os mesmos tipos de animais e de plantas selvagens para escolher.
Os fazendeiros comiam principalmente “…milho, feijões, e abóbora”. Vegetais selvagens e animais forneciam suplementos a uma dieta majoritariamente agrícola. No contraste, os caçadores Knoll comiam “grandes quantidades de mexilhões e caracóis do rio... Outras carnes eram fornecidas por cervos, pequenos mamíferos, perus selvagens, tartarugas e peixes.” Como a Dra. Cassidy resumiu, “a dieta da Vila de Hardin ('fazendeiros') era rica em carboidratos, enquanto a dos Knoll ('os caçadores') era rica em proteína.”
Entre os fazendeiros, ela percebeu uma expectativa de vida mais baixa para todas as idades, elevada mortalidade infantil, maiores graus de dificuldade no crescimento, anemia ferropriva (que era inexistente entre os caçadores), e uma difundida deterioração dentária. Havia uma evidência 13 vezes maior de doença nos ossos longos nos fazendeiros comparada aos caçadores.
Em resumo, a Dra. Cassidy concluiu que “os aldeões agrícolas da Vila de Hardin eram claramente menos saudáveis do que os indivíduos Knoll, que viviam da caça e da coleta”. Ela atribuiu as diferenças da saúde à dieta: “Os dados de saúde fornecem evidências convincentes de que a dieta dos agricultores era a inferior entre as duas. Os dados dietários arqueológicos suportam tal conclusão.”
Uma outra antropóloga do Smithsonian, Dra. Kathleen Gordon, chegou à mesma conclusão. “A Revolução da Agricultura não só não era realmente assim tão revolucionária em sua concepção, como também veio representar algo de piora nutritiva para muito da humanidade.”
O problema com os Pimas
De acordo com o autor Gary Taubes, em seu livro Good Calories, Bad Calories (Calorias Boas, Calorias Ruins), por mais de 2000 anos os indígenas de Pima, no sudoeste dos Estados Unidos, viveram como caçadores-coletores e fazendeiros. Aves de caça selvagens eram abundantes, assim como peixes e os moluscos no Rio Gila. Em 1787, como notado por missionários jesuítas, os Pimas também criavam gado, aves domésticas, plantavam trigo, milho, feijões, melões e figos. Em 1846, o cirurgião de batalhão do exército dos Estados Unidos, John Griffin descreveu os Pimas como "ativos" e com "boa saúde".
Com a chegada da Corrida pelo Ouro da Califórnia, o destino dos Pima decididamente tomou um rumo negativo. Os colonos desviaram cada vez mais águas do Rio Gila para irrigar suas próprias terras, dizimando a população de peixes. As aves foram caçadas até próximas a extinção. Em meados de 1890, os Pimas dependendiam das rações do governo para evitarem a fome. Em alguns anos a dieta dos Pimas foi transformada em uma dieta quase exclusivamente de carboidratos fornecidos pelo governo – em sua maior parte açúcar, café, enlatados e farinha refinada. O resultado? A obesidade atingiu níveis sem precedentes.
Uma dieta fenomenal
No começo dos anos 1900 diversos pesquisadores viveram entre os esquimós Inuit no Canadá e no Alaska. O antropólogo-de-Harvard-que-se-tornou-explorador-do-Ártico Vilhjalmur Stefansson notou que a dieta dos Inuit era primariamente carne de caribu, “talvez com 30% de peixe, 10% de carne de foca, e 5-10% de urso polar, coelhos, pássaros e ovos”. De acordo com Stefannson, os Inuit consideravam as frutas e os vegetais como “alimentos não-apropriados para humanos,” embora comessem ocasionalmente algumas raízes em épocas de extrema necessidade.
O antropólogo canadense Diamond James, que viveu entre os tribos indígenas no Alasca e no Canadá de 1914 a 1916, adicionou que os Inuit prestavam pouca atenção aos carboidratos de seu meio-ambiente “porque não adicionavam nada a sua fonte de alimento.” Ele notou que durante um intervalo particular de três meses, eles não comeram “nenhuma fruta, nenhum vegetal; de manhã e a noite, nada além de carne de foca regada com água gelada ou caldo de carne quente.”
Stefansson insistiu que os Inuits estavam entre os mais saudáveis, se não a população mais vigorosa possível, capaz de executar tarefas intensamente laboriosas por horas a fio. Ele ficou tão impressionado com a saúde dos Inuits que ele mesmo se tornou o objeto de uma experiência de dieta por um ano com o colega pesquisador Karsten Anderson.
Sob a supervisão intensa e o escrutínio de uma equipe de uma dúzia de respeitados nutricionistas, os dois não comeram nada a não ser carne durante um ano. Seu sangue e urina foram monitorados regularmente, para finalidades de pesquisa e para assegurar que os dois sujeitos não "trapaceavam" e comiam carboidratos.
Eles ingeriram 2600 calorias diárias: 79% de gordura, 19% de proteína, e aproximadamente 2% de carboidratos (do glicogênio armazenado nos músculos dos animais). No final do ano não havia nenhuma deterioração da saúde, nenhuma evidência de deficiências de vitaminas ou minerais, e nenhuns danos ao rins. (Stefansson também perdeu também 2.7kg ao longo do ano, enquanto o peso de Anderson permaneceu inalterado). Os resultados conduziram ao que o editor do New York Times escreveu em 1946, “O Sr. Stefansson faz os técnicos em dietas mistas e os viciados em oleaginosas-e-frutas parecem terrivelmente bobos.”
Como estes investigadores, e as populações tais como os Inuits e até mesmo o homem pré-histórico, poderiam ter se saído tão bem comendo apenas carne? A resposta é surpreendente.
O alimento de origem animal contém todos os aminoácidos requeridos pelos seres humanos. (Os aminoácidos são os blocos que constroem a proteína. Há 16 aminoácidos – 8 essenciais e 8 não-essenciais. Enquanto todos os 16 são necessários para a saúde humana, os aminoácidos essenciais são aqueles que o corpo não pode sintetizar por si próprio e devem ser obtido com a dieta). A carne animal contém os aminoácidos em tais proporções que maximizam sua utilidade aos seres humanos.
Além disso, a carne animal contém 12 das 13 vitaminas essenciais em grandes quantidades. É uma fonte particularmente boa das vitaminas A, E, e da família completa das vitaminas B. Aliás, as vitaminas D e B12 são encontradas somente nos produtos animais, e não em vegetais. Como a vitamina C existe na carne em pequenas quantidades, o fato de os Inuits e Stefansson e Anderson (em seu próprio estudo) não sofrerem de escorbuto (uma doença causada pela falta da vitamina C) sugere que uma outra causa, além da falta de frutas e vegetais, pode contribuir ao escorbuto. (Algumas pessoas propuseram que uma dieta rica em carboidratos e em açúcares facilmente digeríveis é especificamente o que drena a vitamina C dos intestinos).
Finalmente, carne animal é uma boa fonte de gordura saturada. A gordura é uma rica fonte de energia, rendendo 9 calorias de energia por grama, comparada a 4 calorias por grama de carboidratos e proteína. Além disso, como detalhado acima, comer uma dieta rica em carne animal não contribui para doenças cardíacas. Na verdade, o oposto parece ser o caso – uma dieta rica em carboidratos, particularmente carboidratos simples e açúcar – conduz a um aumento nos triglicerídeos e na formação de LDL, visto que uma dieta rica em gordura saturada e monoinsaturada aumenta a formação de HDL (o assim chamado "bom" colesterol).
E o Estudo da China?
Em 2004, o bioquímico nutricional da Universidade Cornell, T. Colin Campbell, publicou seu livro, The China Study (O Estudo da China), relatando em sua pesquisa a possível relação entre dieta e doença. Campbell investigou várias populações ao redor do mundo (a maior parte no Extremo Oriente). E concluiu que, "os povos que mais comeram alimentos de origem animal tem mais doenças crônicas... Os povos que mais comeram alimentos de origem vegetal eram os mais saudáveis e tendiam a evitar doenças crônicas. Estes resultados não podiam ser ignorados.” Ou poderiam?
Campbell comete um dos pecados capitais na pesquisa: ele atribui uma causa a uma associação. Simplesmente porque dois eventos ocorrem simultaneamente (uma associação) – uma dieta rica em alimentos animais e doença crônica, por exemplo – não significa que uma causa a outra (uma causa).
Na verdade, uma análise estatística rigorosamente detalhada dos próprios dados de Campbell mostra que ao olhar unicamente para a variável “morte devido a todos os cânceres,” a associação com proteína vegetal é +12. Com proteína animal, é somente +3. Ou seja, havia realmente um risco maior para todos os cânceres nos grupos de dieta baseados em vegetais.
De longe, o maior problema com "O Estudo da China" é uma completa falta de controle de variáveis independentes. Na pesquisa, para encontrar o efeito de uma variável – o colesterol da dieta, por exemplo – você precisa manter TODAS as outras variáveis constantes (tal como a quantidade e o tipo de proteína, carboidratos, gordura, calorias totais, posição geográfica, idade biológica, etc.) e manipular somente a variável alvo – o nível de colesterol. Entretanto, o “estudo” de Campbell envolveu 367 variáveis (nenhuma delas foi controlada independentemente) e 8000 correlações – dificilmente um estudo bem-controlado.
Resumo
Meu objetivo até agora não foi advogar um tipo de dieta contra o outro. Eu não ganho nada para promover uma dieta “carnívora” ou para criticar uma dieta vegetariana. Cada um de nós tem que fazer as escolhas dietárias que são melhores para nós como indivíduos. Ao contrário, meu objetivo foi dissipar os mitos sobre o que os humanos comiam historicamente (comiam principalmente carne), para compartilhar algumas coisas que as pesquisas realmente dizem sobre dietas históricas, e para discutir rapidamente sobre algumas das ramificações subsequentes de saúde conforme corroborados pelo registro histórico. Para uma revisão mais detalhada do tópico, eu sugiro a leitura do livro do Gary Taubes, Why We Get Fat? (Por Que Engordamos?), talvez um dos mais importantes e bem-pesquisados livros sobre dieta e saúde publicados nos últimos 100 anos.
Uma importante nota final: Os alimentos animais de nossos antepassados estavam livres de hormônios, de pesticidas e de antibióticos. Uma pesquisa recente sugere que a proteína animal orgânica, alimentada com grama, que crescem livres, é mais rica em vitaminas e minerais, pobre em gordura saturada, e mais elevado nas gorduras Ômega-3. Do mesmo modo, as frutas e os vegetais pré-industriais estavam livres dos contaminadores similares.
Escolha sabiamente!
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