Dieta, Colesterol e Lipoproteínas explicados em termos humanos
Artigo traduzido por Roberta Monteiro. O original está aqui.
por Kris Gunnars
Poucas coisas em Nutrição e Saúde Pública são tão controversas quanto colesterol e riscos de doenças cardíacas, assim como sobre a forma como ambos são afetados pela dieta.
Há uma quantidade imensa de pesquisa sobre esse tópico, mas a maior parte é contaminada por preconceito e influências comerciais.
Somada a isso, uma grande porcentagem de profissionais de saúde parece basear suas recomendações em um estudo que se tornou desatualizado há muitos anos.
No vídeo acima, Dr. Peter Attia, médico e um dos fundadores da Iniciativa Para Ciência da Nutrição (NuSi), explica tudo o que você precisa saber sobre dieta, colesterol e lipoproteínas.
Se você é um entusiasta da Nutrição (provavelmente é, se está lendo isto) então eu realmente recomendo que assista a esse vídeo, até mais de uma vez.
Esse vídeo explica, melhor que tudo o que já assisti até agora, como todas essas coisas são conectadas à dieta e como isso afeta seu risco de doença cardíaca.
Essa é uma parte crucial no quebra-cabeças se você quer compreender a complexa interação entre gordura, carboidrato, dieta e saúde.
Aterosclerose é o Que Leva a Doença Cardíaca
Quando falamos sobre doença cardíaca, é importante compreender exatamente o que isso significa.
O coração é um músculo que gera a força que bombeia sangue através de nosso sistema vascular.
O coração requer um suprimento constante de oxigênio e combustível e tem sua própria reserva de sangue... as artérias coronárias, que circulam ao redor do coração.
Aterosclerose é o termo técnico para o que leva a doença do coração. Isso envolve estruturas preenchidas de colesterol, chamadas ‘placas’, se acumulando dentro da parede da artéria.
Essa placa fica maior e maior com o tempo, se enchendo de colesterol, células inflamatórias e todo o tipo de tecido doente.
Eventualmente, quando esse processo se estende por décadas, essa placa pode se romper. Quando isso acontece, o sangue na artéria coagula.
Esse coágulo de sangue pode entupir a artéria coronariana e bloquear o fluxo de sangue, tanto parcialmente quanto completamente, o que priva de oxigênio o coração.
A menos que o coágulo seja dissolvido ou removido imediatamente (por procedimento cirúrgico), uma parte do músculo do coração vai morrer, e nunca se recupera completamente. Isso é o que chamamos de infarto, e se for suficientemente severo, pode matar.
Essa doença é, atualmente, a causa mais comum de morte, e foi assim pelo último século (1). Por esse motivo, a importância de compreender como preveni-la nunca será demais.
Um fator determinante no processo da doença cardíaca é o esterol (colesterol em sua maior parte) encontrando um caminho para dentro da parede da artéria, então sendo comido por uma célula chamada macrófago.
Os macrófagos são células que “comem” outras moléculas, bactérias e até outras células. Eles são parte do sistema imunológico e são encontrados pelo corpo todo.
Quando o colesterol consegue passagem pela parede da artéria e é comido por um macrófago, uma reação inflamatória se inicia, que pode agravar ainda mais a situação e conduzir a um ciclo vicioso.
As doenças cardíacas são, atualmente, um processo complicado e envolve vários outros fatores... incluindo inflamações e estresse oxidativo.
Mas o ponto mais importante na discussão é que sem que o colesterol passe pela parede da artéria e seja comido por um macrófago, a doença cardíaca não existe.
O Colesterol é Absolutamente Essencial para Humanos
O colesterol é uma molécula orgânica que os humanos não conseguem viver sem.
É assim que se parece:
É encontrado na membrana de cada célula no corpo, ajudando a regular a fluidez e a estrutura.
O colesterol é também usado para fabricar hormônios esteroides como testosterona, cortisol, estrogênio e a forma ativa da vitamina D.
A verdade é: o colesterol é tão importante que o corpo desenvolveu muitos mecanismos incrivelmente complexos para garantir que nós sempre teremos o suficiente.
A maior parte do colesterol nos nossos corpos é produzido, na verdade, por nossas próprias células e toda célula no corpo pode produzir colesterol. O colesterol que comemos é geralmente uma fonte bem menor, se comparada com a quantidade que produzimos.
Sem colesterol, os humanos (e outros animais) não existiriam. Claro e simples.
O Que as Pessoas Chamam de Colesterol, Não é o Colesterol de Verdade, é a Proteína que Carrega o Colesterol
Quando as pessoas falam sobre “colesterol” no que diz respeito à saúde do coração, elas geralmente não estão falando do verdadeiro colesterol.
No lugar disso, elas estão se referindo às estruturas que carregam o colesterol, chamadas lipoproteínas.
Como o colesterol é solúvel em gordura, ele não pode viajar através do sistema sanguíneo por si só. É como uma gota de óleo num copo de água, simplesmente não se misturam.
Por esse motivo, o colesterol é carregado pelo sistema sanguíneo pelas lipoproteínas, que funcionam como veículos transportadores.
As lipoproteínas também carregam outras moléculas, como os triglicerídeos (gorduras), fosfolipídios e vitaminas solúveis em gordura.
As lipoproteínas são, basicamente, um núcleo cheio de gordura e colesterol, junto com uma membrana de lipídio que contém proteínas chamadas apolipoproteínas.
Há muitos tipos de lipoproteínas, mas as duas mais importantes são chamadas LDL (lipoproteínas de baixa densidade) e HDL (lipoproteína de alta densidade).
Elas são comumente chamadas de “bom” e “mau” colesterol, mas na verdade isso é impreciso. Todo colesterol é o mesmo, as lipoproteínas é que são diferentes.
O que os médicos rotineiramente medem, Colesterol Total, LDL-c e HDL-c se refere a quantidade de colesterol carregada em diferentes tipos de lipoproteína.
Ter um alto colesterol “total” quer dizer que você tem uma porção de colesterol no seu sangue, mas não diz nada a respeito de quais lipoproteínas são encontradas nele.
Ter um LDL alto significa que uma porção de colesterol no seu sangue é transportado em lipoproteínas LDL. Ter um HDL alto significa que uma porção dele é transportado em lipoproteínas HDL.
O colesterol “total” é na verdade, um marcador bastante inútil, porque ter alto HDL (protetor) contribui para ter um alto colesterol total.
Então... é crítico compreender que a doença cardíaca realmente NÃO é uma doença de colesterol, é uma doença de lipoproteína.
Ter uma porção de “colesterol” no seu sistema sanguíneo NÃO é uma coisa ruim, a menos que esse colesterol seja carregado pelas lipoproteínas erradas.
É de conhecimento geral que ter uma porção de colesterol com lipoproteínas LDL é associado a doença cardíaca, enquanto tê-los carregados por lipoproteínas HDL é associado com risco reduzido (2, 3).
Esse é um exemplo onde o “senso comum” está certo... Mas ainda há uma simplificação drástica que geralmente conduz a conclusões equivocadas.
Para entender o que as lipoproteínas realmente têm a ver com doença cardíaca, nós precisamos começar a olhar para marcadores mais “avançados” como o número de partículas LDL.
Colesterol LDL (LDL-c), Tamanho do LDL e Número de Partículas LDL (LDL-p)
Entretanto... O caso é muito mais complicado que apenas “LDL = ruim”.
Há subtipos de LDL, dependendo majoritariamente do tamanho.
Estudos mostram que pessoas que tem mais das partículas pequenas, chamadas Tipo B, têm risco até três vezes maior que as pessoas que tem mais das partículas grandes, chamadas Tipo A (7).
No entanto, como Peter aponta no vídeo, o marcador mais importante deles é o número de partículas LDL (chamado Número de Partículas LDL, ou LDL-p).
Seu tamanho, assim como a quantidade de colesterol (LDL-c) que eles carregam, se torna sem sentido quando se contabiliza o número de partículas LDL.
Para conseguir compreender como LDL-c, o tamanho LDL e LDL-p são interligados, imagine que você vai encher um pote com bolas de golfe e bolas de tênis.
O pote é a quantidade total de colesterol contido no LDL (LDL-c). As bolas de golfe são os pequenos LDL’s enquanto as bolas de tênis são os grandes LDL’s.
O número total de bolas é o número de partículas LDL.
Você consegue encher o pote tanto com bolas de tênis, quanto com bolas de golfe. O pote vai estar cheio da mesma maneira, mas se você usar bolas de golfe, o número de bolas no pote vai ser muito maior.
O “colesterol” LDL é o mesmo... Para um dado nível de LDL, ter mais partículas pequenas vai significar que você tem um número muito maior de partículas, carregando a mesma quantidade de colesterol.
O diagrama da palestra de Peter demonstra isso bastante bem:
Você pode carregar uma certa quantidade de colesterol em um número mais alto de partículas pequenas de LDL, ou pode carregar a mesma quantidade em um número menor de partículas grandes.
De acordo com Peter, a principal razão de o LDL ser ruim, é porque as pessoas que tem os LDL pequenos em maior quantidade são mais propensos a ter a quantidade total de partículas maior.
Não é o tamanho pequeno que leva a doença cardíaca, mas o fato de que as pessoas com as partículas pequenas tendem a ter um maior número de partículas.
Em outras palavras, ter uma porção de LDL pequenos é um marcador para outros problemas mais importantes.
De acordo com um estudo do coração de Quebec, ao qual Peter se refere no vídeo, o tamanho do LDL não importa quando o número de partículas de LDL é controlado (7).
O grande problema de usar LDL-c para determinar o risco de doença cardíaca, é que é possível ter um LDL-c normal ou baixo e mesmo assim ter um alto LDL-p.
Embora LDL-c e LDL-p serem geralmente correlatos, às vezes não são. Isso é chamado de discordância (8).
A verdade é: LDL-p é o que realmente importa aqui. Medir somente LDL-c pode ser equivocado porque é irrelevante, a menos que LDL-p também seja alto.
O LDL-p pode também ser estimado medindo um outro marcador chamado ApoB. Cada partícula de lipoproteína LDL tem uma proteína ApoB (apoliproteína B), então quando mais alto o número de ApoB, maior o número de partículas LDL.
O número de partículas LDL é um fator de risco “avançado” que muitos profissionais de saúde não sabem a respeito, e raramente é medido.
Entretanto, pode ser o mais forte e mais importante fator de risco que existe para doença cardíaca. Tem um papel direto a desempenhar no processo patológico.
Carboidratos Refinado e Açúcar (Não Gordura) são Os Maiores Responsáveis pelo Elevado Número de Partículas LDL
Novamente... Doença cardíaca não acontece se o colesterol não encontrar um caminho através das paredes das artérias.
O colesterol é a carga e as lipoproteínas são os barcos.
Quanto mais barcos você tem, maiores são as chances de algumas dessas lipoproteínas penetrarem na parede da artéria.
Portanto, qualquer coisa que aumenta o número de partículas LDL no seu sistema sanguíneo vai aumentar o seu risco de doença cardíaca.
Curiosamente, os carboidratos refinados e o açúcar parecem ser os principais culpados aqui.
Um estudo sobre o qual Peter fala a respeito mostra que a frutose e o HFCS (N.T.: xarope de milho de alta frutose) aumentam drasticamente os triglicerídeos e os ApoB (um marcador para LDL-p) no sangue de indivíduos saudáveis (9).
Isso acontece durante apenas 2 semanas, utilizando a mesma quantidade de açúcar consumida pelas pessoas, em média.
Outro fato interessante é que dietas low-carb tendem a reduzir o ApoB/LDL-p, indicando que mesmo que o LDL-c suba um pouco (o que geralmente não acontece, na média), elas vão em direção a reduzir o risco de doença cardíaca (10, 11).
Se olharmos para LDL-p ou ApoB ao invés de LDL-c, então o cenário de dieta e risco de doença cardíaca muda drasticamente.
Se levarmos em conta esses marcadores, então a doença cardíaca é causada primariamente por açúcar e carboidratos refinados, enquanto uma dieta low-carb reduz diretamente o risco.
Entretanto, como mencionei anteriormente, um subconjunto de indivíduos mostrou aumento de LDL-p mesmo numa dieta low-carb, então isso pode não funcionar para todo mundo.
Se isso interfere no contexto de melhoria de outros marcadores (pressão sanguínea, inflamações, glicose, triglicerídeos, HDL, por exemplo) não é conhecido.
Onde Encontrar Mais Informações
Se você quer investigar mais profundamente a ciência por trás disso, então Peter escreveu uma série explicativa de 9 partes em seu blog, The Eating Academy.
É claro que até a série mais comprida de Peter é uma simplificação de um tema altamente complicado.
Há muitos outros fatores envolvidos, incluindo pressão sanguínea, inflamações e stress oxidativo, e a maior parte dessas coisas ainda está sendo debatida pelos cientistas.
Conclusão: Colesterol NÃO é o Inimigo
Nos meus artigos, eu geralmente me refiro ao HDL e ao LDL como “bom” e “mau” colesterol.
A principal razão é que eu tento escrever artigos compreensíveis para o público leigo, e a maioria das pessoas está familiarizada com esses termos.
Entretanto.... Eu posso estar contribuindo para a confusão e desinformação fazendo isto, e vou considerar cuidadosamente a minha escolha de palavras no futuro.
Olhando para as evidências, fica bastante claro que o “colesterol” NÃO é o inimigo.
Doença cardíaca não é doença do colesterol, e é causada pelas lipoproteínas que carregam o colesterol.
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