Extra! Extra! A verdade não vende!
Ontem um amigo me mandou uma manchete da Veja: "Dieta rica em proteína favorece ganho de peso".
É incrível como aquelas 357 horas que você gastou explicando à pessoa que dieta paleo não é necessariamente dieta de proteína, que mesmo que fosse, não teria problema, que LCHF funciona pelos motivos tais e tais e tais, simplesmente SOMEM frente a UMA notícia de um grande veículo de mídia: ilustra exatamente o poder que a imprensa tem.
Mas já que nesse "sistema judicial" fajuto o ônus da prova cabe ao réu e não ao acusador, vamos lá...
Busquei pelo nome da pesquisadora, Monica Bulló, no PubMed, e achei o tal artigo. Como é fresquinho (publicado em abril/2015) o texto ainda não se encontra de graça – e eu não tenho orçamento para ficar pagando por acesso a tudo o que leio :-D
Os sujeitos analisados são os mesmos do projeto PREDIMED (que trata de prevenção primária de doença cardíaca com dieta mediterrânea, e sobre o qual o Dr. Souto já escreveu), e foram avaliados com questionários durante o período de acompanhamento do projeto, sobre consumo de proteínas.
O estudo PREDIMED é enorme, randomizado e controlado – e gerou diversos filhotes. A respeitabilidade do "pai" não deve ser transmitida aos filhos "só porque sim". (o PREDIMED, aliás, constatou que dietas pobres em gordura tem taxa de mortalidade mais alta que dietas mediterrâneas – que sabemos muito bem não serem paleo, mas que capricham BASTANTE nas gorduras monoinsaturadas, para o terror dos lipidofóbicos).
O resumo publicado não tem dados suficientes para uma análise profunda, então o máximo que posso dizer sobre o estudo citado pela Veja, é que ele é epidemiológico observacional — que como já estamos carecas de saber, só permite gerar hipóteses, mas não inferir causalidade.
Só esse pequeno fato já destrói o título da manchete da Veja.
Mas passemos aos achados citados no resumo:
- Ingestão mais alta de proteínas, expressa como percentual calórico, esteve significativamente associado com um maior risco de ganho de peso quando a proteína substitui os carboidratos, mas não quando substitui a gordura.
- Entretanto, nenhuma associação foi encontrada entre a ingestão de proteína e a circunferência abdominal
- Ingestão mais alta de proteína esteve associada com maior risco de morte por todas as causas, tanto na substituição das gorduras quanto dos carboidratos
- Um consumo mais altao de proteína animal esteve associado com risco aumentado de desfechos fatais e não-fatais quando a proteína substitui carboidratos ou gordura
E finalmente, a conclusão: Alta ingestão de proteína está associada com risco aumentado de ganho de peso no longo prazo e morte em geral em uma população mediterrânea com alto risco cardiovascular.
Dos achados 1 e 2, vemos que a ingestão de proteína está associada ao ganho de peso, mas não de circunferência abdominal. Ou seja, os sujeitos não ganharam pança, mas ficaram mais pesados. Teriam ganhado músculos ? Já vimos isso em algum lugar...
Mas novamente, tudo isso é observacional! Não dá para afirmar nada...
Os achados 3 e 4 caminham exatamente nessa linha: constatações de correlação são nada mais que hipóteses. Por via das dúvidas, ainda bem que dieta paleo NÃO é dieta de proteína :-D
Eu escolho manter minhas gorduras altas, proteínas médias e carboidratos baixos – estudos prospectivos randomizados aos montes me apontam que é seguro, gostoso e me mantém esguio.
E finalmente, chegamos à conclusão. Conseguiu ver a pegadinha nela ? Se não, volte uns parágrafos acima, releia a conclusão e depois volte aqui...
Achou?
"Alta ingestão de proteína está associada com risco aumentado de ganho de peso no longo prazo e morte em geral (TCHARAM!) em uma população mediterrânea com alto risco cardiovascular".
Camaradas, o PREDIMED foi projetado para avaliar a eficácia da prevenção de incidência do primeiro infarto (prevenção primária) em uma população que JÁ TINHA ALTO RISCO CARDIOVASCULAR.
Junte isso com o fato de que o estudo observou apenas o que as pessoas comiam. Mas elas fumavam mais ? Bebiam mais ? Faziam menos exercício ? Os questionários recordatórios eram fidedignos ? Como é que se pode afirmar que a proteína é que aumentou as incidências de infarto ?
Pois é: não se pode. E o estudo NÃO AFIRMA ISSO.
Compare novamente a manchete da Veja com a conclusão:
Veja diz: Dieta rica em proteína favorece ganho de peso
Os autores do estudo dizem: Alta ingestão de proteína está associada com risco aumentado de ganho de peso no longo prazo e morte em geral em uma população mediterrânea com alto risco cardiovascular.
Mas acho que a conclusão dos autores não vende revistas, né ?
A Veja é vendida... Afinal imagine quantas empresas de alimentos "light" alto carbo/baixa gordura não se sentem ameaçadas ao ver que cada vez mais pessoas descobrem que esse light não funciona. Essas empresas têm $, financiam estudos e reportagens.
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