A dieta do meu marido
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.
Um leitor me mandou o texto abaixo outro dia, e achei desconcertante. Quantos de nós, homens e mulheres, têm um(a) parceiro(a) que não segue qualquer tipo de dieta, ou que simplesmente não acredita em dieta paleo ? É necessário cuidar do relacionamento, tanto quanto do corpo. Cuidado para que a busca por um não faça desandar o outro...
por Heidi Julavits
Hoje eu briguei com o meu marido. Ele está numa dieta, não por vaidade mas por causa de um encontro recente com uma doença assustadora. Uma pessoa poderia imaginar – dado o meu próprio encontro recente com uma doença assustadora – que eu iria apoiar incondicionalmente a sua busca pelo bem-estar. Eu não apóio. Até hoje eu agi de maneira apoiadora, mas por baixo desse apoio uma sensação sombria rondava. Eu mantive isso em segredo. Ao invés, confessei minha assustadora hostilidade à sua dieta para minhas amigas. Todas elas, fiquei surpresa em descobrir, estão ou já estiveram envolvidas com homens que já se envolveram com dietas por questões de saúde. Eu descobrir que a dieta do homem é um potente desarmonizador da relação. "Ameaçada" é a palavra que surge mais frequentemente quando eu falo com mulhers sobre a dieta de seus parceiros, geralmente na forma de "eu estou/estava ameaçada pela dieta dele". A interpretação óbvia da nossa reação foi essa: nós temíamos que nossos maridos desejassem ficar mais magros e saudáveis porque eles tinham achado outra mulher e planejado, uma vez que a transformação estivesse completa, nos abandonar.
Mas não tínhamos medo de sermos deixadas. Talvez devêssemos ter tido, mas não tínhamos. Nós estávamos ressentidas. O homem em dieta não come a mesma coisa que o resto da sua família – as dietas às quais nos referíamos não eram do tipo "coma mais comida saudável". Estas requeriam abstinência extrema e frequentemente tinham um "cheirinho de culto". Os praticantes postavam vídeos no YouTube que eram ao mesmo tempo instigantes e perturbadores. As pessoas perdiam tanto peso que seus crânios diminuíam.
Nós tentamos destrinchar nossos sentimentos de perigo. O gênero é o culpado primário ? Ao estar numa dieta, nossos maridos estavam (apesar de por razões muito diferentes) comportando-se como tantas das nossas amigas, algumas das quais desenvolveram distúrbios alimentares e tornaram-se incrivelmente chatas. Eu fui uma destas mulheres, por 1 ano. felizmente, fui capaz de escapar do que frequente e tragicamente, é inescapável. Quando emergi do meu breve encarceramento anoréxico, pensei: "Bem, isso foi uma enorme perda de tempo". A dedicação monomaníaca de atividade cerebral requerida para manter um distúrbio alimentar foi um desperdício indesculpável de um dos meus melhores anos cerebrais. Além disso, a obsessão era inerentemente perversa.
Ainda que eu estivesse fixada em nada que não fosse o meu corpo, o meu cérebro de alguma maneira estava completamente livre, exceto intelectualmente, desta preocupação singular. O meu corpo, apesar da atenção quase molecular que eu lhe dava, pertencia a uma criatura distante – uma fada cinza e entorpecida.
Outra coisa, que não disse às minhas amigas, mas que admiti a mim mesma: eu estava com ciúmes. Tinha ciúmes do Dr. Fuhrman, o homem que criou a dieta que o meu marido sgue. Meu marido parece acreditar em quase tudo o que Fuhrman diz, e isso me afronta porque ele não acredita na maioria das coisas que eu digo. Meu marido vê minhas afirmações com olhos amorosos, mas céticos. Ele não questiona o que digo, mas ocasionalmente crê em algumas afirmações ridículas que faço porque provavelmente o venci pelo cansaço. As afirmações de Fuhrman não cansam o meu marido, ainda que ele advogue algo chamado "Pirâmide Alimentar Nutritária", que a mim só parece aceitável em circunstâncias de exaustão extrema. Além disso, meu marido não é sensível como eu: ele não compreende o título do livro de Fuhrman – "Coma para viver" – como simplesmente repreendedor e mal-intencionado.
"Ah, então eu estou comendo para morrer", eu disse a meu marido.
Ele é um homem alarmantemente esperto; um pensador até os ossos. Ele é, conforme um amigo uma vez disse, "um monge ou um santo que deveria viver numa torre ou num deserto". Ele floresce com a disciplina e a solidão. Apesar do fato de que ele tem uma família, um trabalho e uma esposa que está sempre planejando festas para as quais ele precisa cozinhar e nas quais precisa comparecer, ele consegue manter sua integridade iconoclástica. Mais impressionante ainda ele pode, sem comprometer sua integridade, seguir alegremente o guru de dietas ocasional como o Dr. Fuhrman. Ele já seguiu alguns outros desde que nos casamos (não são mudanças "de uma hora para outra"; ele continua suas pesquisas e responde de acordo). Enquanto eu me divirto (quando estou tentando tirá-lo da sua perseguição da saúde via raciocínio) em apontar como, por exemplo, ele é capaz de endossar a crença de "frutas são ruins, nunca coma frutas" e então, depois de uma mudança de guru, "frutas são boas, coma quantas quiser", o que estou expressando na realidade é inseguraça. Ele consegue suportar uma reversão de crença – baseada na ciência, certamente – sem duvidar da solidez de sua fé ou de sua mente.
Eu, entretanto, estou frequentemente insegura sobre aquilo no que creio. E o meu marido, na maior parte do tempo, também. "Inseguro" talvez não seja a palavra correta para nos descrever. Nós somos críticos ávidos: apesar de sermos ambos professores, e por conseguinte termos que agir como autoridades em algumas situações, vemos a certeza como "broxante". Adoramos tomar uma convicção que temos, por um momento, a virarmos de cabeça para baixo e fazer piadas sobre ela. Essas piadas são a nossa forma de aplicar o método socrático. Nossas piadas são questionamentos que nos ajudam a descobrir no que é que acreditamos e onde a nossa fé está, no momento.
A sua certeza inabalável sobre sua dieta, por isso, me faz sentir isolada. Eu fazia piadas que ninguém entendia exceto eu. Piadas que não eram, tecnicamente, piadas. Eram críticas levadas pelo medo de que ele estava me deixando para interrogar nossas incertezas futuras sozinha.
Ainda assim, tentei agir de maneira apoiadora. Hoje, eu falhei. Falhei em dar o meu melhor, ou em dar qualquer coisa. Enquanto meu marido preparava seu jantar saudável, e eu preparava o meu moderamente saudável, tive o que é melhor descrito como um chilique.
Mais tarde, estava eu no sofá. Meu marido sentou-se em uma cadeira distante. Eu tentei explicar o motivo pelo qual, enquanto ele estava numa dieta para controlar sua dor e assegurar sua longevidade – o motivo pelo qual ele estava fazendo o melhor que podia para não morrer mais rápida e miseravelmente – eu estava sendo tão mesquinha. Falei sobre como, enquanto mulher, passei literalmente décadas ao lado de outras mulhers (me incluo aqui) que preocupavam-se demais com comida. Que obcecavam-se sobre o que comiam, aderiam a dietas de apenas alface-com-vinagre e tornavam-se ao longo do tempo, infelizes, sem libido e sem-graça. Depois de observar por décadas o que eu comia, finalmente eu não ligava mais. Tinha me libertado da maldição feminina do auto-descontentamento e da negação do prazer. A sua preocupação sobre o que ele comia era uma ameça ao meu estado iluminado de "não ligo mais".
Então confessei que tinha ciúmes do Dr. Fuhrman. Confessei ainda mais, que na verdade eu não dava a mínima para o Dr. Fuhrman; meus probelams estavam ligados à minha sensação de ser excluída e subsequentemente rejeitada pelo meu marido. Ele tinha encontrado uma paixão da qual eu não podia compartilhar. Ele acreditava e eu não. Uma vez, passamos um verão inteiro preparando e comendo banana splits elaboradas. Agora preparávamos refeições separadas. Cozinhávamos lado-a-lado e eu não podia evitar extrapolar que logo viveríamos em paralelo, que nossos vetores algum dia iriam deixar permanentemente de se cruzar. Acabou que (ao contrário do que eu tinha dito às minhas amigas) eu tinha medo que ele me deixasse, mas me preocupava de que ele fizesse isso sem nunca romper realmente comigo e nunca saísse de casa.
Meu marido escutou. Ele confessou que vinha ficando consciente da minha inimizade ambiente (meu segredo não havia sido tão secreto, ao que parece). Ele compreendia, agora que eu tinha me explicado. Eu acho que ambos estávamos preocupados sobre os perigos de viver em paralelo porque compartilhamos muitos paralelos. Somos tão parecidos que perseguimos a mesma paixão e trabalhamos na mesma universidade e criamos os mesmos filhos e temos o mesmo senso de humor. Nos jantares que nos forço a oferecer mais do que é provavelmente saudável para ambos, frequentemente somos as únicas pessoas rindo. Ninguém me faz rir mais do que ele. Mas nós nos preocupamos, eu creio, que somos tão parecidos que podemos começar a dar por certa a saúde do nosso casamento – assim como demos por certa, até recentemente, a saúde dos nossos corpos.
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