Ataque à ciência

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por David Newman

RORY COLLINS

"Vai me ajudar a viver mais ?"

Quando pacientes ponderam a sua associação a uma estatina pelo resto da vida, essa é a questão que perguntam. Mas uma controvérsia bastante pública na comunidade científica recentemente desviou a atenção dessa questão central - e isso pode simplesmente ser de propósito.

Na edição de outubro do Jornal Britânico de Medicina (BMJ), a rara publicação científica que rotineiramente questiona as convenções, um grupo liderado pelo Dr. John Abramson, professor de política de cuidados com saúde da Escola de Medicina de Harvard, reanalisou o relatório da maior pesquisa já feita sobre as drogas estatinas. O grupo de Abramson encontrou evidência de que exceto para as pessoas com o mais alto risco, as estatinas não salvam vidas e não reduzem a frequência e nem reduzem a frequência de doenças sérias.

Isso foi surpreendente não apenas porque desafiou a convenção, mas porque contradisse as conclusões dos Estudiosos do Tratamento do Colesterol (CTT), um grupo que tem acesso exclusivo aos dados crus compilados pelos fabricantes de medicamentos (que ainda retem a maioria dos dados). Em seu muito alardeado relatórido de 2012, o CTT concluiu que as pílulas poderiam extender a vida de todos os que a tomassem, incluindo pessoas saudáveis com baixo risco de doença cardíaca. Tal descoberta foi proeminentemente citada pela Associação de Cardiologia Americana (AHA) em suas diretrizes recentes, recomendando o uso de estatinas para pacientes com baixo risco.

Por que o grupo de Abramson e o CTT discordam sobre os mesmos dados ? Quando o grupo do CTT, liderado pelo Dr. Rory Collins, epidemiologista de Oxford, relatou os números, eles falharam em separar as pessoas de acordo com o nível de risco. Então quando eles reportaram que as estatinas reduzem mortes, o fizeram baseado em cálculos que incluíam tanto participantes com o maior e menor risco. Quando o grupo de Abramson examinou as taxas de mortes, observaram os pacientes de baixo risco separadamente, e os benefícios sobre a mortalidade desapareceram; para tais pacientes, tomar estatinas era o mesmo que tomar um placebo.

Isso não é questionado. Nem o Dr. Collins nem o CTT ou a AHA questionaram a descoberta, que sugere que para a grande maioria (80% ou mais) das pessoas atualmente usando estatinas, e para todos aqueles que receberam a prescrição recentemente, as drogas não salvam vidas e não reduzem doenças sérias.

O chocante, entretanto, é que essa não é a "controvérsia". O Dr. Abramson e colegas também reportaram que no maior estudo sobre efeitos adversos das estatinas, aproximadamente 18% dos pacientes tiveram efeitos colaterais e deixaram de usar a droga. O Dr. Collins discorda, dizendo que apenas 9% deixaram as drogas por causa de efeitos colaterais.

Aí está. Sério. E o grupo de Abramson concorda (enquanto 18% dos pacientes tiveram efeitos colaterais, apenas metade deles pararam de tomar a droga; o grupo de Abramson leu o estudo incorretamente), então o BMJ já corrigiu o erro.

Mas o Dr. Collins continua reclamando - talvez para abafar algo mais. O relatório gera um bocado de barulho, afinal de contas, quando as recomendações médicas que afetam centenas de milhões de pessoas são demonstradas incontroversamente erradas.

O Dr. Collins pede pela remoção do artigo de Abramson, uma ação tipicamente reservada para estudos nos quais a descoberta primária é fraudulenta e errada (tal como o artigo científico que ligava o autismo e a vacina contra sarampo). Retração de um artigo científico nunca é usada quando o ponto central é preciso e um erro menor é descoberto em um ponto secundário.

Há muitas razões pelas quais as afirmações do Dr. Collins nessa questão são surreais. Elas parecem ter deixado a ciência para trás, ou pior. Por exemplo, Collins parece acreditar que dados de ensaios randomizados tais como aqueles aos quais o seu grupo teve acesso exclusivo, em oposição aos estudos observacionais tais como os que o Dr. Abramson citou, deveriam ser usados para estimar taxas de efeitos colaterais. A FDA (N.T.: órgão que controla, entre outras coisas, a entrada e permanência de medicamentos no mercado) e a maioria dos outros, discordam. Frequentemente leva anos de estudos de vigilância pós-entrada no mercado (ou seja, observacionais) e relatórios de casos, para que efeitos colaterais perigosos surjam - o que geralmente "passa batido" nos ensaios. Isso é parcialmente devido ao fato de os ensaios serem geralmente focados em benefícios, e não em mazelas. Isso fica mais óbvio quando indústrias farmacêuticas, que tem envolvimento financeiro em encontrar benefícios ao invés de mazelas, paga pelo ensaio - como virtualmente todos os dados do CTT.

Um exemplo clássico de como dados de ensaios nunca devem ser usados para estimar efeitos colaterais é um ensaio de estatinas para o qual o próprio Dr. Collins era o investigador-chefe. No Estudo de Proteção do Coração de 2002, o time de Collins sistematicamente removeu pacientes que sofriam de efeitos colaterais significativos, nunca mencionando-os nos números resultantes. Apesar de identificar 32.000 pacientes que pareciam bem com drogas estatinas, eles descartaram 12.000 deles que tiveram dificuldade em tolerar ou tomar uma estatina. O artigo final reportou apenas 20.000 pessoas. Em outras palavras, aqueles com efeitos colaterais significativos foram extirpados antes que o ensaio começasse.

Essa é uma prática dúbia, defendida como maneira de identificar os pacientes que mais irão se beneficiar. E enquanto isso pode ser verdade, a prática esclarece o motivo de os dados de ensaios randomizados serem frequentemente irrelevantes para pessoas preocupadas com suas chances de ter efeitos colaterais.

Para ter certeza, pode ser razoável preocupar-se menos com efeitos colaterais para pacientes que viveriam mais se tomassem uma estatina. Afinal de contas, efeitos colaterais fatais são raros, e viver mais é desejo da maioria dos pacientes. Mas efeitos colaterais tornam-se críticos quando uma estatina não vai estender a vida, e quando os benefícios são menos comuns ou menos importantes que os efeitos colaterais. Mas quando pessoas com risco baixo tomam uma estatina, a chance de que a droga vai causar diabetes é aproximadamente igual (no melhor caso) à chance de que ela vai evitar um infarto não-fatal. E uma pessoa que toma estatina tem 25 vezes mais chance de ter danos musculares do que de evitar um derrame.

Ponto de partida: a manchete deveria ser que as drogas mais vendidas de todos os tempos não salvam vidas ou reduzem grandes doenças para a maioria das pessoas que as tomam. Mas isso foi obscurecido por uma guerra à ciência.

A guerra inclui muitos ataques: executar ensaios que removem os efeitos colaterais; afirmar que eles deveriam ser usados para aconselhar pacientes; manter bancos de dados secretos; e pior de todos, denegrir uma publicação por divulgar uma descoberta que traz a verdade a milhões de pessoas.

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